Dá para vacinar todo o Brasil em 2021?
É perfeitamente possível. Se vamos conseguir, é outra coisa, já que as decisões que vem sendo tomadas ao longo do ano de 2020 em termos de planejamento, organização, prioridades e objetividade não têm sido exatamente as mais racionais

 

 

 

De Paulo Millet*, publicado no site Os Divergentes

Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares! Vou tentar rascunhar uma resposta, com base em informações disponíveis na Internet.

Nas minhas consultorias em análise e melhoria de processos, costumamos usar uma ferramenta chamada 5W2H, que vem das palavras em inglês: What (O que), Why (Porque), When (Quando), Where (Onde), Who (Quem), How (Como), How much (Quanto $).

Ao responder a essas questões conseguimos identificar se um problema tem solução razoável e se pode existir um processo organizado para resolve-lo.
Vamos então por partes.

O QUE nós queremos, QUANDO e QUANTO? – Queremos todos os brasileiros vacinados até o final de 2021 (Vou considerar já perdidos os meses de Janeiro e Fevereiro, mesmo que algumas vacinas ainda possam ser possíveis nesse período).

PORQUE nós queremos isso? – Óbvio! Para nos livrarmos da pandemia.
As outras questões vamos resolvendo ao longo do texto de uma forma não necessariamente tão estruturada pra não cansar o leitor.

Para responder ao COMO, precisamos verificar se algo parecido já foi feito em algum momento e nos deparamos com a campanha de vacinação contra a gripe realizada em 2020.

“A campanha vai contar com mais duas etapas e a meta é vacinar 67,6 milhões de pessoas em todo o país até 22 de maio, iniciando em 20 de março. O Ministério da Saúde vai distribuir 75 milhões de doses aos estados. Alguns estados têm vacinação em farmácias, ‘drive thru’ e imunização em ordem alfabética”.

Em resumo, a vacinação cobriu em 2 meses quase 70 milhões de brasileiros.
Isso significa que é possível aplicar 350 milhões de doses em 10 meses (março a dezembro) e vacinar 175 milhões de brasileiros, usando apenas a metodologia já disponível e consagrada pelo SUS e pelo Sistema PNI (Programa Nacional de Imunização), o que representa mais de 80% da população brasileira, onde, tanto pelo critério de idade (os menores de 16 anos são menos de 20%) quanto pelo critério de “imunidade coletiva” (mais de 70%) o problema estará resolvido.

Então, em termos quantitativos, seria perfeitamente executável a vacinação completa da população necessária.

“O tamanho do PNI realmente impressiona. Atualmente, o país possui 38 mil salas de vacinação. Em épocas de campanha, esse número pode ser ampliado para 50 mil.
No total, são 114 mil vacinadores, o que significa uma média de três profissionais trabalhando em cada uma dessas unidades. Tudo é gerido dentro do guarda-chuva do Sistema Único de Saúde, o SUS, e está disponível a todos os cidadãos”.

Isso responde outros dois itens. QUEM vai fazer e ONDE? – O SUS e a rede PNI, desde que alguns especialistas em logística não atrapalhem!

Querem outro dado de volume? No dia 15/11/2020 votaram 150.000.000 de brasileiros. Em um único dia, em apenas 10h, de 7 as 17h. Isso significa 15 milhões de votos por hora, em TODOS os municípios brasileiros, onde o eleitor se identificou, assinou um documento, foi até o equipamento, gastou alguns segundos e pronto.

Se o modelo do TSE fosse adotado e até flexibilizado, seria possível vacinar 170milhoes de brasileiros ao longo de duas semanas e, repetindo a dose (segundo turno) duas semanas depois. Seria uma operação de guerra (é o caso), e em 30 dias toda a população estaria vacinada.

Até as urnas eleitorais (são micro computadores) poderiam ser usadas para fazer os registros devidos, controlar quem foi vacinado com qual vacina e usar o cadastro eleitoral onde estão todos os brasileiros maiores de 18 anos e muitos com 16. O TSE é outro padrão de burocracia nacional que funciona.

Isso quer dizer que temos gente, locais e organização capazes de realizar essa função tranquilamente em 10 meses conforme padrões de vacinação anteriores e podendo até mesmo ser acelerada para 1 mês na emergência , usando parâmetros das eleições.
Mas, falta o resto…

O QUE é necessário para que isso possa acontecer?
Obviamente precisaríamos dos insumos: seringas, agulhas, algodão, álcool e, claro, as vacinas!

A distribuição desses insumos, se existentes, não teria maiores problemas, tanto usando o modelo das vacinações anteriores ou o modelo de distribuição de urnas das eleições.
Segundo Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo) as três empresas brasileiras que fabricam seringas têm capacidade de produzir de 120 a 140 milhões de seringas por mês.

No entanto, essa produção atual já está toda comprometida com a demanda normal do setor. Tampouco há produção excedente para estoque. “Se for necessário, podemos produzir de 18 a 20 milhões a mais de seringas por mês, mas para uma quantidade maior tem de ter todo um planejamento”, explicou Fraccaro. “Já deveríamos estar com esses pedidos nas mãos.”

120 milhões de seringas/mês geram 1,2 bilhões de seringas em 10 meses (nosso parâmetro). Além disso, pode-se produzir 200 milhões a mais. Claro que com algum planejamento, remanejamento e priorização COVID, é possível termos 350 milhões de seringas no prazo previsto.

A primeira tentativa (atrasada ) para adquirir seringas e agulhas fracassou em 29/12, mas não por falta dos insumos, mas por desajuste de preços. Então isso vai ser solucionado em pouco tempo.

O algodão e as gazes não serão o problema, já que “Sob a ótica da indústria, não existe qualquer risco de faltar o produto, mesmo com aumento da demanda”, garante Fernando Valente Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

Por ano, o Brasil produz cerca de 67 mil toneladas de algodão, gaze e outros materiais têxteis com fins medicinais.

Bom, então não falta nada? Claro que falta! AS VACINAS propriamente ditas.
As notícias sobre a produção de vacinas no mundo todo são bastante animadoras, com mais de 100 organizações trabalhando nisso, sendo várias já em nível 3 (testes com humanos). O segundo semestre vai estar bem tranquilo nesse ponto.

Mas e o Brasil? Apesar dos atrasos, já temos prometido (ainda não comprometido) o seguinte:

Oxford/ Astra Zeneca, 100 milhões de doses até julho e mais 100 milhões no segundo semestre;
Butantan/ Sinovac, 1 milhão de doses por dia a partir de março = 300 milhões de doses até dezembro;
Sputinik (Russa, já em aplicação na Argentina), 50 milhões de doses até o final do ano;
Pfizer, a primeira já em aplicação em 40 países, 70 milhões de doses;
Covax Facility, 42 milhões de doses.

Bem, apenas com os dados acima, vemos que já temos um potencial de 662 milhões de doses, o que daria para cobrir com folga nossa população inteira. No nosso exercício, bastariam 350 milhões.

E ONDE da pra armazenar isso tudo, inclusive aquelas que necessitam de -70 graus?
“Do ponto de vista da indústria, o país tem capacidade de fornecer a tecnologia necessária para guardar as doses, mesmo que seja a -75° C. “Precisamos destacar que o Brasil é referência mundial em refrigeração e possui um parque industrial e dezenas de milhares de profissionais qualificados para atender a demanda”, assegura o engenheiro Ariel Gandelman, membro do Conselho Nacional de Climatização e Refrigeração (CNCR).”
E QUANTO isso tudo vai custar?

Segundo o ministro da economia e o Presidente do Banco Central, pouco mais de R$ 20 bilhões, que é muito menos do que se gastaria para conviver com a pandemia sem vacinação, podendo a economia retomar seu fluxo normal (quase). Encerrando, é bom que fique claro que o artigo apenas responde a questão do título. “É POSSÍVEL vacinar todo o Brasil em 2021?” A resposta por tudo que se viu acima é SIM, é perfeitamente possível.

Mas, se vamos conseguir, é outra coisa, já que as decisões que vem sendo tomadas ao longo do ano de 2020 em termos de planejamento, organização, prioridades e objetividade não tem sido exatamente as mais racionais.

*Paulo Milet – Formado em Matemática pela UnB e pós graduado em Adm. pública pela FGV RJ – Consultor e empresário nas áreas de Tecnologia, Gestão e EaD.