A corrupção e a burocracia não podem levar a saúde pelo ralo

crise na saudeNo Brasil, o cálculo racional sempre favoreceu a corrupção. As vantagens a receber eram vultosas, a punição era praticamente inexistente e, quando ocorria, as penas eram brandas. Porém, a situação está mudando. Uma atuação incisiva do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário contra a corrupção transformou o cálculo de risco daqueles que se corrompem tanto nas empresas quanto no governo.

A operação Fatura Exposta, por exemplo, identificou que a área da saúde, no âmbito do governo do estado do Rio, estava sofrendo ações de um esquema de propina que desviava 5% dos contratos firmados pela Secretaria de Estado de Saúde entre outras irregularidades, de 2007 até 2014. Mas, não é só no Brasil que o setor sofre com essas mazelas. Segundo a OMS, apenas nos países desenvolvidos a fraude e outras formas de desperdícios podem representar um custo estimado de US$ 12 a US$ 23 bilhões de dólares por ano para os governos. Dados da Rede Europeia para a Fraude e Corrupção na Saúde demonstram que dos US$ 5,3 trilhões de dólares das despesas globais em saúde, aproximadamente US$ 300 bilhões de dólares são perdidos para os erros e para a corrupção.

O financiamento adequado dos sistemas de saúde é fundamental, mas antes de associar os problemas de saúde à falta de investimento, precisamos encontrar alternativas para aperfeiçoar os recursos já existentes, por meio de melhores práticas de gestão, mais incentivos e políticas mais favoráveis ao desenvolvimento do país, evitando, inclusive, práticas de corrupção, que hoje tem impacto gigantesco para todos os setores da economia, especialmente a saúde. De acordo com o Relatório Mundial da Saúde: “O Financiamento da Cobertura Universal”, da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 20% e 40% de todos os gastos em saúde são desperdiçados por ineficiência.

O setor de saúde, pela complexidade e natureza das relações, muitas vezes se vê envolvido em práticas prejudiciais aos seus objetivos finais. O modelo de remuneração atual, por exemplo, possui uma lógica que privilegia uma relação de custo-benefício perversa. Essa realidade precisa ser revista e a melhoria na qualidade e na eficiência hospitalar, responsáveis por cerca de 50% das despesas de saúde de um país, são medidas urgentes. Precisamos também adotar políticas de incorporação tecnológica mais consistente baseadas em evidencias científicas e boas práticas assistenciais. É indústria, financiadores, operadoras, prestadores e profissionais busquem soluções para o setor.

Não há dúvidas de que os efeitos da corrupção são extremamente maléficos para a qualidade da gestão dos recursos destinados à saúde. No entanto, para combater o câncer, é preciso rever o excesso de burocracia e fragmentação no financiamento e na organização do sistema do país. A regulamentação excessiva e o desestímulo ao investimento privado acabam incitando os desvios de conduta como único meio para facilitar a circulação dos recursos, o número de projetos de investimentos e o crescimento econômico. Vale enfatizar, ainda, que a corrupção é vista pelos investidores privados e pelas autoridades públicas, comprometidas com padrões éticos de gestão, como um custo adicional que pode reduzir, ou mesmo desestimular, a implementação de projetos de investimentos.

No cenário global, o mercado tem adotado, com cada vez mais frequência, regras de conduta para orientar as suas atividades, evitando práticas inadequadas. Esta tendência pode ser observada inclusive no Brasil. Melhorar a regulamentação e a governança, incluindo fortes mercados para sanção, monitorar adequadamente a despesa pública, apresentam-se como ações importantes para estimular o setor de saúde brasileiro, público e privado, na adoção de códigos de conduta. Os últimos casos de corrupção demonstram que há mecanismos que podem trazer à tona atividades ilícitas recorrentes, e esse é o principal indicativo de que finalmente estamos no caminho da intolerância para práticas que prejudicam o desenvolvimento do país.

Francisco Balestrin é presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).