Você já se sentiu como uma malabarista, tentando sustentar vários pratos ao mesmo tempo no ar? Esse é o estereótipo de uma mulher bem-sucedida no século XXI. Uma malabarista ágil e precisa, capaz de manter os muitos aspectos de sua vida no ar, sem deixar nenhum prato cair ou quebrar. É o sentimento que acompanha o dia a dia de muitas mulheres que buscam conciliar os avanços na carreira com os cuidados com a casa e a família, perpetuando um ideal feminino de equilíbrio.
Estamos longe de ter alcançado a igualdade de gêneros em nossa sociedade, mas é inegável os avanços conquistados nos últimos anos: maiores níveis de escolaridade, melhores oportunidades profissionais, aumento de salários, reconhecimento e influência social, econômica e política. No entanto, pesquisas realizadas por Stevenson e Wolfers da WhartonSchool revelam que essas conquistas não se traduziram em mais felicidade e realização.
Ao contrário, o que tem sido evidenciado, são maiores níveis de estresse, redução da qualidade de vida, menor ambição das jovens em se tornarem líderes e um risco potencial de perda de mulheres em cargos executivos.Para continuarmos a avançar na ambição de uma sociedade com oportunidades iguais é preciso colocar uma lente sobre esse tema.
Quando buscamos as raízes históricas dessa aparente contradição, percebemos que na tentativa de conquistar espaço no mercado de trabalho e continuar a atender as expectativas sociais de nossos diferentes papéis, acreditamos que seríamos capazes de realizar tudo com maestria, conquistando o tão sonhado equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Com isso, ignoramos o fato de que nossas vidas pessoais e profissionais estão totalmente conectadas e que não somos capazes de transformar o tempo em um recurso elástico.
Essa crença disfuncional advinda da era industrial foi e ainda é, em alguns casos, fortemente reforçada nos ambientes organizacionais que consideram normal e até necessário “deixar as questões pessoais em casa”. É obvio que essa mentalidade afeta também a qualidade de vida dos homens. A diferença é que eles não são cobrados pela sociedade de cuidar da casa e da família.
A pesquisa PNAD 2017 revela que apesar do tempo dedicado a realização dos afazeres domésticos e cuidados familiares ter crescido entre os homens, as mulheres dedicam, ainda hoje, o dobro do tempo a essas atividades, chegando a 20,9 horas semanais, contra apenas 10,8 horas gastas por homens.
Um estudo conduzido por pesquisadoras da Universidade Federal de São Carlos concluiu que esta divisão desigual gera maior sobrecarga para as mulheres, prejudicando-as em relação à sua satisfação com seu desempenho profissional, familiar e o seu bem-estar geral. A pesquisa relata ainda que, para ter tempo para questões familiares, elas acabam reduzindo o período dedicado ao descanso, as atividades sociais e ao cuidado com a própria saúde física.
No pano de fundo, estão crenças femininas arraigadas que se transformaram em verdadeiras armadilhas. Como, por exemplo, que é possível ter tudo, fazer tudo com perfeição e ser multitarefa. Infelizmente, tentar ser tudo para todo mundo o tempo todo, além de ser improdutivo, esgota a mente, o corpo e a alma. A habilidade de realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo, sem perder qualidade e sem aumentar os níveis de cortisol, é rara. Quando tentamos ser multitarefas simultâneos, elevamos os níveis de estresse e o cansaço, reduzimos a capacidade de pensar com clareza, de tomar decisões e nos tornamos mais lentos. Quando esses comportamentos entram no “piloto automático”, os efeitos são ainda mais devastadores.
Tendo em conta que as mulheres ainda se deparam com um ambiente de trabalho que foi criado pelos homens e suas necessidades, os princípios vigentes permanecem: quanto mais se investe tempo e esforço, mais se avança na carreira, reforçando, assim, as crenças e comportamentos descritos.
Hoje somente 40% das mulheres que entram nas organizações aspiram se tornar executivas seniores, é o chamado gap de ambição de liderança feminina de acordo com a pesquisa Women in theWorkplace 2015. Mesmo entre as que manifestam o desejo de se tornarem líderes há uma preocupação se vão conquistar a posição e se serão capazes de gerenciar suas vidas pessoais e profissionais.
Quando o foco são as que já estão em posições executivas, há frequentes relatos sobre os desafios de realizar um trabalho perfeito, a culpa por não conseguir equilibrar vida pessoal e profissional e a ambivalência frente ao poder, conforme artigo publicado em 2018 pela Korn Ferry.
Outro olhar relevante recai sobre o conceito de sucesso. Apesar de ser um atributo de valoração individual, a expert em liderança feminina Sally Helgesen e o coach executivo Marshall Goldsmith afirmam, em livro recém lançado, que ele tende a variar também com o gênero. Para os homens e para a maioria das organizações, conquistar pacotes de remuneração atrativos e posições de destaque são os principais indicadores de sucesso. Já as mulheres bem-sucedidas consideram dinheiro e posição importantes, mas tendem a atribuir um alto valor também à qualidade de suas vidas no trabalho, ao propósito e impacto de suas contribuições, assim como observado nas pesquisas relativas as novas gerações. A miopia organizacional aliada a essa distinta forma de análise de custo benefício, pode tornar as mulheres que já estão em posições executivas menos realizadas e mais propensas a deixar empregos que ofereçam altos salários e posições de destaque, mas que comprometam de forma significativa suas qualidades de vida. Na perspectiva futura, esse é um fator preocupante tendo em vista a saída dos profissionais baby boomers e, segundo dados da consultoria Deloitte, aumento da presença dos Millennials e Geração Z que são atraídos por bons salários e culturas positivas, mas consideram o ambiente diverso e a flexibilidade fatores críticos para sua retenção.