Não é fácil destruir um hospital. O ponto imediatamente abaixo da explosão da bomba atômica jogada sobre Hiroshima era um hospital – o Hospital Shima, que foi vaporizado instantaneamente, junto com 80 funcionários e pacientes. Três anos depois, em 1948, o hospital reabriu no mesmo local. Hospitais são instituições incrivelmente resilientes. Grandes catástrofes – naturais e humanas – apenas tornam o hospital ainda mais necessário. Em Londres, o Hospital de São Bartolomeu, datado de 1123, continua em funcionamento, tendo sobrevivido a várias guerras – duas mundiais.
No Brasil não é diferente. A Santa Casa de Misericórdia de Santos, de 1543, continua a prestar serviços à população. Em todo o País, são dezenas as instituições centenárias que resistiram, ao longo de sua história, a ditaduras e populismos, hiperinflações e planos econômicos.
Os motivos da resistência dos hospitais podem ser vários: o apoio das comunidades, que coalescem em torno das instituições ameaçadas, a filantropia de indivíduos que doam o fruto de seu trabalho para cuidar da saúde do próximo, o espírito missionário de gestores e funcionários e, também, a persistência heroica de empreendedores que, apesar de todas as evidências em contrário, continuam a acreditar que prestar assistência à saúde é uma atividade que merece investimento.
Nos últimos tempos, o Estado brasileiro tem apresentado cada vez mais essas evidências em contrário. Há um emaranhado regulatório quase infinito – entre autorizações, permissões, licenças, alvarás, comissões obrigatórias e outras burocracias do gênero, um hospital, para poder funcionar, chega a precisar de aproximadamente 50 documentos, de mais de 20 órgãos públicos diferentes. A rigidez da legislação trabalhista continua a afetar fortemente a atividade hospitalar, que é altamente dependente de mão de obra e, por sua natureza, demanda regimes diferenciados de contratação.
Gerir uma instituição de saúde, portanto, pode ser um grande desafio. A governança hospitalar está entre as mais complexas, em comparação com as demais atividades econômicas, exigindo um esforço intelectual, financeiro e tecnológico acima do padrão para atender a uma realidade cada vez mais demandante.
Para completar o quadro, existe também a questão tributária. Impostos municipais, estaduais e federais chegam a responder por um terço do valor pago por um serviço médico, o que impede que se tenha preços mais acessíveis. Como pode o impacto dos impostos nos insumos de saúde no Brasil ser maior do que nas principais potências, como os Estados Unidos e os países europeus? Mesmo assim, é o setor privado que responde pela maior parcela de investimentos feitos na área. Atualmente essa conta gira em torno de 53% (privado) e 47% (público). Na verdade, os recursos aplicados pela iniciativa privada poderiam ser ainda maiores se o governo se sensibilizasse para os desafios que o setor enfrenta.
Está em discussão uma forte majoração – chamada eufemisticamente de “unificação” – do PIS e da Cofins. Estes dois tributos federais incidem sobre o faturamento dos hospitais, na já elevada alíquota de 3,65% (0,65% de PIS + 3% de Cofins), sem direito a qualquer crédito tributário. E incidem em cascata, pois os hospitais já pagam PIS-Cofins nos insumos que adquirem para prestar o serviço hospitalar.
As discussões sobre a unificação têm girado em torno do fim desse sistema cumulativo, no qual os impostos incidem em cascata, para passar todas as empresas para o sistema não cumulativo, com uma alíquota mais alta, mas no qual as compras gerariam créditos tributários que poderiam ser descontados do valor a pagar. Reduzir essa incidência em cascata de tributos é um objetivo louvável. O País não precisa apenas de menos impostos, mas também de impostos melhores – que provoquem menos distorções às atividades econômicas e estimulem a criação de empregos e o investimento.
No setor hospitalar, o principal insumo é a mão de obra. Algo como 45% dos gastos dos hospitais são com salários, que não gerariam créditos tributários. Com o índice de desemprego na casa dos 12%, o governo brasileiro vê-se na bizarra situação de discutir uma proposta que pune as empresas por serem grandes empregadoras.
Em simulação elaborada pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), constatou-se que, se os hospitais passassem a pagar pelo regime não cumulativo a atual alíquota em vigor, de 9,25% (1,65% de PIS + 7,6% de Cofins), isso poderia representar um acréscimo de até 146% em seus gastos com PIS e Cofins. Esse acréscimo teria reflexos imediatos nos preços dos serviços, que seriam inevitavelmente repassados aos consumidores de um modo geral, que têm visto seus planos de saúde serem reajustados consistentemente acima da inflação nos últimos anos.
Os impactos disso são claros: nos últimos dois anos, quase 2 milhões de pessoas perderam os seus planos privados de assistência à saúde, voltando a ser atendidos pelo SUS. Isso significa gastos maiores para o Estado – situação que só tende a se agravar caso haja um aumento de preços. Qualquer eventual acréscimo de arrecadação com o setor de saúde privado tende a ser diluído na maior necessidade de investimentos públicos.
Poucos setores da economia brasileira enfrentam um cenário tão desafiador quanto o atual da rede hospitalar privada. O crescimento da expectativa de vida do brasileiro indica que continuaremos a ter um aumento da demanda por serviços de saúde. Mas como investir na infraestrutura necessária, se os recursos estão minguando?
Não é fácil acabar com um hospital. No entanto, de 2010 a 2015 o Brasil perdeu 536 hospitais privados, mesmo num contexto em que os serviços hospitalares são cada vez mais necessários. Um aumento do PIS-Cofins pode, nesse sentido, ser muito mais eficaz que guerras, catástrofes e ditaduras para acabar com os que restaram.
Francisco Balestrin é presidente do Conselho da Administração da Anahp