Por Barbara Bigarelli, do Valor Econômico
As empresas gastaram tempo, esforços e recursos para melhorar a experiência de contratação, admissão e ingresso dos funcionários nos últimos anos, mas o processo de demissão e saída tradicionalmente é feito de forma protocolar. Esse olhar menos cuidadoso para a jornada de desligamento está mudando. “Falar de uma demissão mais humanizada e do ciclo de saída é um dos grandes temas de 2022, porque as empresas se deram conta que a forma como o funcionário é demitido ou deixa a companhia é importante para a reputação. Se a experiência for ruim, ele se torna detrator da marca e isso afasta a atração de talentos”, avalia Rafael Souto, CEO da consultoria Produtive.
Uma pesquisa da consultoria, feita com mais de 5 mil profissionais demitidos, indicou que para mais da metade o desligamento não foi bem conduzido. No LinkedIn, é fácil encontrar depoimentos de profissionais que passaram por um desligamento descrito como frio e desrespeitoso. “Há um ano, por meio de uma ligação de dois minutos e 33 segundos, fui informada do meu desligamento depois de oito anos de empresa. Estava no puerpério, com dois bebês. Retornei uma ligação perdida do chefe e fui informada que não precisa voltar”, afirmou uma coordenadora de marketing em um post que viralizou na semana passada. Ela conseguiu recolocação meses depois após a demissão, e disse ao Valor que é importante trazer o tema à tona, “porque os próprios comentários do post normalizaram essa situação”.
A pandemia jogou luz para o tema diante de processos de reestruturação, eliminação de vagas e da necessidade, com o isolamento, de promover demissões de forma remota. Conduzir esses processos de forma virtual e em massa rendeu manchetes. A demissão de 900 funcionários da empresa americana Better pelo Zoom foi considerada agressiva e desrespeitosa e o CEO Vishal Garg foi temporariamente afastado e precisou se explicar publicamente.
As consultorias de outplacement Produtive e Career Group viram um aumento de 30% nas demandas relacionadas a preparação de líderes para desligamento e programas de apoio para recolocação e transição de carreira em 2020 e 2021. Segundo Fabio Cassettari, sócio do Career Group, com a pandemia o foco de muitas empresas para uma demissão mais humanizada deixou ser direcionado apenas para altos executivos e passou a abranger outros perfis de profissionais. Foi o que ocorreu com a startup MaxMilhas.
Em abril de 2020, diante da crise no setor aéreo provocada pela pandemia, com 90% de voos cancelados, a empresa precisou desligar, de modo remoto, 167 funcionários, de todas as áreas e níveis. Luiza Rubio, diretora de gente e gestão, disse que aquele foi um dos momentos mais difíceis de sua carreira. “A empresa estava crescendo, estávamos contratando, e precisamos demitir 40% do time de uma hora para outra.”
Para conduzir o processo de forma humanizada, ela disse que o RH preparou um “script” para alinhar a comunicação com os demitidos, capacitou a liderança rapidamente e definiu que todos receberiam a notícia ao mesmo tempo, para não gerar a sensação de “eu serei o próximo?”. “Além disso, o Max [Oliveira, CEO e fundador] fez uma live com todos da empresa contextualizando, explicando que não era performance, era mercado, e dizendo que iríamos ajudar todos que estavam saindo.”
A empresa ofereceu extensão de plano de saúde para muitos, o RH se disponibilizou a revisar currículos, mas a maior ação, segundo Rubia, foi a criação de uma planilha com o nome, experiência e funções dos 167 desligados. “Pedimos autorização para compartilhar em grupos de RH, e essa lista começou a rodar entre startups, em empresas de outras áreas e, quatro meses depois, metade deles já estavam recolocados.”
Ao longo de 2021, a startup se recuperou e hoje emprega 430 profissionais. “Nosso turnover hoje está baixíssimo, em 1,8%”, diz a diretora. De aprendizado, Rubia afirma que ficou claro que faz diferença uma liderança que dá contexto, se posiciona de forma clara e aberta.
A advogada Lorena Lage, especialista em direito para startups do Lage & Oliveira Advogados, diz que a procura por aconselhamento jurídico para realizar um desembarque humanizado cresceu na pandemia. O tempo médio para um processo que começou com uma demissão mal resolvida dura de dois a seis anos, diz Lage, embora não seja somente o risco de passivo trabalhista que move o novo foco das empresas no desligamento. “As startups estão muito preocupadas em atrair talentos e em não gerar profissionais detratando sua marca, e mesmo as empresas tradicionais, que costumavam separar verba para ajuizamento de ações de passivo trabalhista, têm percebido que é ruim para a reputação”, diz.
“Falar de demissão humanizada passou a ser quase que obrigatório atualmente”, diz Sheila Ceglio, diretora de recursos humanos da Pfizer no Brasil. A empresa já possuía dois guias de orientação para demissões, um voltado a gestores e outro para profissionais, com informações práticas para consulta e leitura após a comunicação. Na pandemia, diante da necessidade de fazer o desembarque de modo virtual, os guias foram ajustados. “Como RH, buscamos preparar os líderes, trabalhar bem a mensagem do desligamento.”
Essa mensagem, segundo Ceglio, precisa ser passada com atenção e com empatia. “Antes da comunicação de um desligamento, buscamos garantir a conversa de alinhamento entre o gestor que efetuará a comunicação e o parceiro de recursos humanos.” No caso de eliminação de posição ou reestruturação, a empresa oferece um pacote adicional de desligamento, que é composto por um valor financeiro mais a extensão prolongada de plano médico.
A Ativy, grupo de tecnologia com sete startups e 360 funcionários, também estendeu o plano de saúde por três meses aos funcionários que precisou demitir durante a pandemia. Ter empatia e humanizar uma demissão significa também, segundo Danielli Ramos, Chief Happiness Officer da empresa, pensar no dia e data que o processo será realizado. “Não demitimos em retorno de férias ou às sextas-feiras e, sempre que possível, optamos por fazer isso de forma presencial.”
A empresa também faz um “bate-papo de despedida”, para passar um feedback ao funcionário e, no caso de demissão voluntária, entender os motivos que levaram o profissional a deixar a empresa. “Percebemos que era importante aguardar um tempo para realizar essa conversa, porque o profissional já assimilou sua saída e pode trazer informações com mais calma e clareza”, diz Ramos. A entrevista de desligamento passou a ser realizada dez dias após a saída. “Uma vez descobrimos que uma pessoa ficou chateada por um problema que teve com um cliente e aí o nosso CEO foi conversar com ela e pediu desculpas.”
Para padronizar processos de desembarque, capacitar a liderança para esse momento e trabalhar melhor a gestão de indicadores sobre saídas e retenção, a Suzano criou há cerca de um ano a “Jornada Marcar”. “Hoje, temos uma empresa que ajuda a cruzar as informações de saída-para entender pontos de liderança, cultura e retenção. Com esses dados, começamos a ter dados para alimentar outras jornadas do colaborador pois identificamos quais são as principais ‘dores’ da organização”, diz Argentino Oliveira, diretor de gente e gestão da companhia.
Até dezembro de 2021, 900 funcionários da fabricante de celulose, de todas as áreas de negócio, passaram pelo treinamento de “desembarque humanizado” na plataforma da Universidade Suzano. “A missão da jornada é ‘marcar’ o desembarque de maneira empática, transparente e justa, respeitando a individualidade e o momento de vida e de carreira de cada pessoa”, diz Oliveira. O executivo defende que é preciso dar o mesmo peso, em termos de investimento e cuidado, para a contratação, ingresso até o desligamento, e diz que tratar a saída de um funcionário não deve ser um tabu. “Faz parte da jornada de cada pessoa entrar, fazer suas contribuições, se desenvolver e, eventualmente, sair da companhia.”
Para Souto, da Produtive, esse olhar é crucial considerando que os ciclos de carreira estão mais curtos e as pessoas saem, mas também podem voltar. Nos Estados Unidos, repensar a experiência completa de saída ganha força porque a rotatividade de funcionários está aumentando. O tempo de permanência médio no emprego é de 4,1 anos e mais de 4 milhões de americanos pediram demissão em novembro, de acordo com o Bureau of Labor Statistics. Muitos jovens estão indo às redes sociais demonstrar sua insatisfação com o trabalho, as empresas ou o status de suas carreiras. Recentemente, no Tik Tok, vídeos com a hashtag #QuitMyJob (“eu me demito”) ganharam milhões de visualizações.