Coronavírus força empresas a se modernizar e priorizar as pessoas
A distância forçada obriga empresas a se modernizar na marra. Quem já estava preparado saiu na frente

A adoção do home office pode ser um efeito pós-pandemia

 

Por Mariana Desidério e Marina Filippe, da Exame

Assim que acovid-19 desembarcou no Brasil, no final de fevereiro, o banco digital Nubank mandou os funcionários para ca­sa. Agora, todos os 2.600 colaboradores trabalham remotamente — inclusive os fundadores Cristina Junqueira (que já estava fora, em licença-­maternidade) e David Vélez. Para garantir boas condições de trabalho em uma situação tão dura, o banco enviou computadores, monitores e até cadeiras aos escritórios caseiros.

Fechou parcerias com aplicativos de exercícios físicos que dão aula à distância, tem realizado treinamentos sobre como equilibrar vida pessoal e profissional e também estimulado o uso de seu programa interno de assistência, que conta com psicólogos, advogados e consultores financeiros. A preocupação se estende aos clientes.

O Nubank montou um fundo de 20 milhões de reais para custear atendimento médico e psicológico remoto por vídeo e bancar pedidos de supermercados e restaurantes. Quem está com dificuldade para pagar a fatura do cartão de crédito pode negociar juros reduzidos e a prorrogação do vencimento. A postura tem uma explicação objetiva, de acordo com Vélez, que também preside o banco: “Uma crise força as empresas a testar seus valores mais importantes. Funcionários e  clientes vão se lembrar de como a empresa se comportou durante os tempos difíceis, e nenhum investimento em marketing poderá mudar essa percepção depois”.

É impossível, neste início de abril, estimar quando a pandemia será domada e o país começará a sair da paralisia, provavelmente contando milhares de mortos, outro tanto de desempregados e com negócios de todos os portes quebrados. Mas empresas como o Nubank apostam que seu estilo de gestão será decisivo para atravessar a tempestade e alcançar o outro lado. Não basta que o negócio sobreviva — o que já é um  enorme desafio. Sua conduta nestes tempos extremos determinará se, ao final da pandemia, estará maior ou menor.

Para o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil), Paulo Sardinha, o mundo não será mais o mesmo depois dessa pandemia. Ele avalia que a crise que estamos vivendo está ressaltando a  fragilidade do homem perante a natureza e que um efeito possível será a valorização da humanização. “Algo que não é novidade no mundo corporativo, tanto que as empresas têm investido cada vez mais nas áreas de recursos humanos, mas que pode se tornar uma prioridade global. Mas esta transformação não virá apenas da esperança e do desejo. Ao fim da pandemia, será necessária uma forte mudança de comportamento da sociedade. E isso vai exigir investimentos em tecnologias disruptivas, que visem a qualidade de vida das pessoas, e em educação, disseminando a importância de práticas voltadas para prevenção de saúde”, observa Paulo, que considera a área de RH, com a bagagem que já reúne em buscar a humanização das organizações, tendo bastante a oferecer no momento que há de vir.

Nesse sentido, ações como as que têm sido praticadas pelo Nubank, devem  se tornar frequentes . Vélez acabou de ser pai pela terceira vez e está se dividindo entre o trabalho e a família. Junqueira, mãe de duas filhas, uma com 5 anos e a outra com 2 meses, tradicionalmente sai do trabalho todo dia às 17h para buscar a mais velha na escola. Quando a segunda filha nasceu, entrou em licença-maternidade. Proporcionar condições para a mulher conciliar todos os seus papéis é parte do pacote de benefícios intangíveis que o banco digital oferece para atrair e reter funcionários competentes e que acreditam em sua filosofia. “Se estão em uma empresa que não leva em conta suas necessidades, os bons profissionais vão embora. Não tenho dúvida de que essa visão é condição essencial para atingir a excelência que a gente quer no trabalho”, afirma Junqueira. Nos últimos dias, ela fez pequenas pausas na licença para ajudar a coordenar a estratégia de resposta da empresa.

O Nubank é campeão também de diversidade entre seus funcionários — o que impulsiona a inovação. O pragmatismo e o alto nível de exigência ajudaram o banco digital brasileiro a se tornar a maior fintech (empresa de tecnologia financeira) da América Latina e podem fazer a diferença na prova de fogo a que o setor está sendo submetido com a pandemia. As fintechs nasceram e cresceram no ambiente de liquidez farta dos últimos anos e agora precisam aprender a operar na carestia. O Nubank diz que se encontra em situação financeira sólida para enfrentar a crise: gera caixa operacional desde 2017, não depende de novos aportes de capital para pagar as despesas mensais e encerrou 2019 com mais de 13 bilhões de reais em caixa. No ano passado, teve receita de 2,1 bilhões de reais e prejuízo de 313 milhões de reais por causa dos investimentos feitos para manter o crescimento acelerado, condição para as companhias de tecnologia se manterem no jogo. O plano era seguir nesse ritmo em 2020, porém a covid-19 pode forçar a uma reavaliação da tática de guerra. Menos na área que o banco digital considera mais importante: por ora, o Nubank afirma que as contratações de funcionários previstas serão mantidas e não há previsão de demissões.

Foram as empresas de tecnologia que conseguiram entender e efetivamente atender aos desejos de mais qualidade de vida e propósito que estavam latentes no mercado de trabalho no início dos anos 2000. Lideradas por jovens, com um método de operação ágil e mentalidade inovadora para romper padrões corporativos estabelecidos, acabaram com as hierarquias, dando voz aos funcionários. O movimento começou no Vale do Silício, na Costa Oeste dos Estados Unidos. A empresa de tecnologia Alphabet, dona do Google, com sede na Califórnia, incentiva o funcionário a definir sua rotina tanto quanto possível. O lema que norteia as decisões em um ambiente de autonomia é: faça a coisa certa. Na empresa de entretenimento via streaming ­Netflix, o funcionário pode ter férias ilimitadas, mas é cobrado para ter alta performance. A migração dos colaboradores para o trabalho remoto em decorrência da covid-19 vem testando o discernimento dos funcionários — e a empatia dos líderes — em todo o Brasil. É uma situação que já vinha, aos poucos, fazendo parte do cotidiano. As aulas de ioga dadas na empresa passaram para a internet. Com a quarentena, crianças e bichos de estimação apareceram de vez nas reuniões de trabalho virtuais (e deveriam ser encarados com naturalidade). Há algumas semanas, a gerente de recursos humanos do Google Brasil, Carol Azevedo, que fica baseada em São Paulo, precisou interromper uma reunião porque o filho de uma colega se machucou. “Não é condescendência. É uma cultura que acredita que o funcionário tem senso de responsabilidade e vai fazer o melhor que pode”, afirma a executiva. Na fintech brasileira Ebanx, a autonomia dos funcionários também é a regra. Independentes mas não sozinhos: para minimizar a sensação de solidão que o distanciamento forçado pela covid-19 traz, a fintech está realizando happy hours virtuais com a equipe.

A migração para o home ­office é uma grande oportunidade para reforçar a relação de confiança entre a empresa e o funcionário, que também precisa ajustar sua rotina familiar para desempenhar­ bem suas funções. “Se o gestor confia que o funcionário está executando o melhor que pode e no horário correto, mesmo fora do escritório, o grau de estresse de ambos é menor,  e o clima e a produtividade melhoram”, diz Betania Tanure, diretora da consultoria de gestão que leva seu nome. O brasileiro é dedicado. No país, 7% da população trabalha mais de 50 horas semanais, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Fica em 25 em um ranking de 40 nações.

Não é fácil para nenhuma empresa medir em números o impulso que as políticas de recursos humanos modernas dão a seus resultados. Metas adequadas ao ramo de atividade devem ser estabelecidas com clareza, sob pena de criar distorções e um clima negativo na equipe — o contrário do que é almejado. Se, para uma companhia, alta produtividade significar excesso de horas trabalhadas e for recompensada com remuneração variável agressiva, podem ser premiados não os melhores funcionários, mas os que lidam melhor com a pressão. Em um momento dra­mático como o atual, que, a despeito de todo o apoio dos empregadores, demanda um grande esforço dos funcionários para manter as atividades, companhias de todos os portes poderão medir pelo nível de engajamento da equipe o efeito de suas políticas. O melhor retorno a esperar será a sobrevivência. A travessia não tem data para terminar.