Do Valor Econômico
A pandemia acelerou este ano os processos de fusões e aquisições de companhias fragilizadas pela crise. De um lado, estão grupos capitalizados que buscam melhorar sua eficiência com a compra de rivais. De outro, empresas com dinheiro em caixa estão fechando transações para diversificar seus negócios.
Nos primeiros cinco meses do ano, o volume de transações atingiu a marca de 693, alta de 37,23% sobre o mesmo período do ano passado e 20,3% acima de janeiro a maio de 2019, segunda a consultoria espanhola TTR. O número supera, portanto, a base de 2019, antes do início da crise que, inicialmente, paralisou essas transações.
Em valores, as operações atingiram R$ 221,6 bilhões, alta de 334,50% sobre igual período do ano passado e 83% acima de 2019. A TTR inclui em suas estatísticas transações que não envolvem necessariamente assessores financeiros na intermediação. Dados da Dealogic mostram a mesma tendência. A consultoria registrou 237 transações de janeiro a maio deste ano, ante 185 sobre janeiro a maio do ano passado. Em valor, as operações alcançaram US$ 49,671 bilhões (R$ 250 bilhões, ante US$ 5,941 bilhões (R$ 29,9 bilhões), aumento de 736% sobre os cinco meses de 2020.
Para este ano, as projeções de especialistas, assessores e bancos ouvidos pelo Valor apontam para um volume de operações superior a 2020, voltando a patamares pré-covid-19. Com o cenário de juros em baixa e maior liquidez, ganha força o movimento de consolidação de empresas nacionais. O câmbio apreciado, que torna os ativos mais baratos, também estimula a entrada de empresas estrangeiras. Mas, diante das incertezas econômica e política, esse tipo de investidor costuma ficar mais receoso para fechar negócios no país.
“O avanço dessas operações não são necessariamente para concentração de mercado. Há negócios para capturar sinergias e entrada em novos mercados”, observa Sílvio Laban, professor do Insper, a respeito da mudança de perfil das transações recentes no país. “O movimento que estamos vendo é muito mais de empresas não concorrentes do que as que disputam o mesmo mercado. Vamos ver mais compras de empresa não-competidoras, mas, sim, complementares”, aponta Ulysses Reis, coordenador do MBA de Varejo da Fundação Getúlio Vargas.
Há consenso de que setores de tecnologia e operações financeiras continuarão liderando o total de transações. Mas saúde, educação, varejo e agronegócio devem protagonizar importantes negociações. Para os próximos meses, dois negócios de peso na área petroquímica estão para serem anunciados – a venda da Oxiteno, que pertence ao grupo Ultra, e a venda da fatia da Odebrecht na Braskem, transação que pode ser a maior do ano.
No setor aéreo, a concentração poderá ser maior, se as conversas da Azul com a Latam avançarem. O setor de moda aguarda os próximos passos da Arezzo, que tentou comprar a Hering, mas foi atravessada pelo grupo Soma. Ainda há conversas entre Vivara e H.Stern, que estão na fase de diligência dos números, diz uma fonte.
O setor de saúde movimentou, recentemente, em apenas sete dias, R$ 1,5 bilhão em negócios com a conclusão de sete transações envolvendo os principais grupos do país. O setor de educação passa pelo mesmo movimento, diz Carlos Mello, sócio do escritório Souza, Mello e Torres Advogados. O escritório de Mello assessorou a Fael, faculdade de ensino a distância comprada pela gigante Ser. “Veremos os maiores players em educação comprando empresas médias do setor”, diz Mello.
Com o mercado de capitais aquecido, com empresas indo à bolsa em 2020 e 2021, as ações viraram a principal moeda nos movimentos de fusões e aquisições, diz Gustavo Miranda, responsável pela área de banco de investimento do Santander. “Empresas de capital aberto também voltaram à bolsa para se capitalizar, preparando-se para expansão”, diz.
Foram os casos da Renner, que levantou quase R$ 4 bilhões (e estuda comprar pequenos negócios, como startups de tecnologia, diz fonte), e da rede de hospitais D’Or, que fez em dezembro um dos maiores IPOs da história da bolsa, com R$ 11,4 bilhões, e mais R$ 1,8 bilhão em uma oferta subsequente em março.
Há o efeito do barateamento de ativos. “Isso fez com que investidores voltassem mais os olhos para as empresas abertas. Mas também há grupos fechados, sem maiores dificuldades financeiras, que estão pensando: ‘Já cheguei até aqui, sobrevivi à crise, qual meu próximo passo?”, diz Douglas Carvalho, sócio da Target Advisor, butique de fusões e aquisições (M&A). Para ele, ainda há uma questão de “timing” certo. “Tem muita companhia que sabe que podem vir outras crises, e o ano eleitoral está chegando, o que gera instabilidade. Há outras empresas que entendem que é a hora de realizar [o lucro, se desfazendo de sua posição]. Isso tudo aumenta os M&As.”
Pedro Quintão, responsável pela área de M&As do Bradesco BBI , lemra que há uma corrida pela digitalização, sobretudo nas áreas de varejo e operações financeiras. Isso obriga as companhias a fecharem acordos com empresas com outras ‘expertises’ para reforçar a própria estrutura. É o caso, por exemplo, de Magazine Luiza, Via e B2W. Só o Magalu fez 16 aquisições de plataformas e startups de janeiro de 2020 a abril deste ano.
O Bradesco BBI, Itaú BBA e Santander estão com maior fluxo de mandatos neste ano em relação ao ano passado. “As incertezas sobre o futuro em junho deste ano são menores em relação ao mesmo período do ano passado”, diz Quintão.
Para Cristiano Guimarães, diretor-executivo do Itaú BBA, os cheques deverão ser maiores. “Veremos transações relevantes. Com a pandemia, surgiram operações não consideradas antes da crise.”
Leonardo Dell’Oso, da consultoria PwC, concorda. Segundo ele, o mercado nacional sempre foi de operações de porte médio.
Segundo Guimarães, apesar da volatilidade nos últimos dois meses, a atividade econômica dá sinais de retomada. “Querendo ou não, a pandemia toca em diversos outros temas, com questões políticas e econômicas. Mas a percepção é que o mercado vai melhorar.”