Perspectivas do “novo normal” no Judiciário provoca incógnitas
Webinar promovido pela ANDES debateu se a Justiça manterá o trabalho remoto pós-pandemia

Marcelo Buhatem, Rogério de Oliveira, Felipe Deiab e Sérgio Cavalieri discutiram sobre o futuro do Judiciário

 

A crise provocada pelo novo coronavírus provocou reflexos em todos os setores da sociedade. No Judiciário, por exemplo, conhecido por sua estrutura tradicional e secular, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), regulamentou a realização de sessões virtuais ou audiências por videoconferência durante o período da pandemia por Covid-19. Mas será que esse cenário permanecerá mesmo após o fim da pandemia, como será o “novo normal” do Judiciário.  Essas questões foram discutidas em webinar realizado na tarde desta sexta-feira (07), promovido pela Associação Nacional de Desembargadores (ANDES). No debate, que teve a participação do presidente da ANDES, Marcelo Buhatem, do desembargador aposentado e ex-presidente do TJRJ Sérgio Cavalieri, do procurador do TCE/RJ Felipe Deiab, além do desembargador e diretor cultural da ANDES, Rogério de Oliveira, pode-se observar que há quem considera que os julgamentos virtuais chegaram para ficar, mas também os defensores da retomada da rotina antes da Covid-19.

Cavalieri, por exemplo, acredita que o “novo normal” do Judiciário passa pela manutenção de audiências virtuais e do trabalho remoto. Para ele, a solução implementada para manter os tribunais em funcionamento não será apenas algo pontual de uma necessidade momentânea, mas sim um novo modelo de trabalho que vai permanecer. “Não defendo o afastamento total do juiz da comarca, mas não será necessário que ele esteja presente todos os dias. A tecnologia da informação nos trouxe facilidades que a Justiça precisa aproveitar”, defendeu.

O desembargador aposentado elogiou o desempenho do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no atual momento e destacou que isso é resultado de um trabalho que já vinha sendo feito ao longo de várias gestões, que perceberam como era importante informatizar o judiciário. “Investiu-se em tecnologia e, por isso, a Justiça estava preparada, apesar de nunca ter se imaginado que enfrentaríamos uma pandemia como essa”, relata Cavalieri, que foi presidente do TJRJ de 2005 a 2006 e lembra que havia muita resistência contra o projeto de informatizar os tribunais. “Sempre dissemos que era um caminho sem volta”, relembra.

Buhatem reforçou os elogios à eficiência do Judiciário nos últimos meses e destacou que somente o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) despachou mais de 255 mil processos desde março. Entretanto, ele vê com ressalvas a perspectiva de se manter julgamentos virtuais ou trabalho remoto de juízes mesmo após o fim da pandemia. Nessa discussão, o presidente da ANDES avalia que é preciso considerar que vivemos em um país de tamanho continental, onde em muitos municípios a presença física do juiz é a própria representação do Poder Judiciário, fator este que não tem o mesmo valor nos grandes centros.

“Os julgamentos por vídeo conferência e o trabalho remoto dos magistrados foram as opções viáveis para assegurar o direito à Justiça. Mas é preciso pensar com cuidado como balancear isso quando essa crise passar”, pondera.

Deiab concordou com a avaliação do presidente da ANDES. Segundo ele, é preciso reconhecer que a informatização da Justiça foi fundamental para que os processos não parassem. “Entretanto, faz falta o contato presencial, pois a letra fria muitas vezes esconde a vida como ela é”, observou o procurador do TCE, citando como exemplo casos de divórcio, em que conversar com o casal e saber a história de vida, proporciona uma nova visão sobre o caso.

Para o diretor cultural da ANDES, o futuro do Judiciário passa por incorporar cada vez mais as tecnologias de informação e, assim, diminuir a necessidade da presença física nos tribunais. Ele prevê que as futuras gerações vão se surpreender quando for comentado que, no passado, era preciso ir aos tribunais para acompanhar um julgamento. No entanto, não significa que não há questões a serem aperfeiçoadas. “Se por um lado o trabalho remoto reduz os custos para a sociedade, por outro ele exige que o juiz utilize a estrutura que tem em casa, como luz e internet. Talvez seja necessário pensar uma forma de compensar isso”, observa.

Homenagem a Sylvio Capanema

O webinar também foi marcado por uma homenagem ao desembargador Sylvio Capanema, que faleceu em junho vítima da Covid-19. O ex-presidente do TJRJ Sérgio Cavalieri relembrou um texto que havia feito na ocasião da aposentadoria de Capanema, em 2008. Além do trabalho como magistrado, ele também se destacou como advogado, professor e foi vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ).