Karina Toledo | Agência FAPESP
Um sistema para monitorar a circulação de variantes do novo coronavírus na cidade de São Paulo está sendo implementado por meio de uma parceria entre a prefeitura local, a rede de laboratórios Dasa e a FAPESP.
A meta é analisar semanalmente 384 amostras de secreção nasofaríngea coletadas de moradores de todas as regiões da capital atendidos na rede pública de saúde e que testaram positivo para o SARS-CoV-2. No Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP), o material será submetido a um teste de RT-PCR capaz de identificar a presença de cinco cepas virais: Alfa (B.1.1.7, identificada no Reino Unido), Beta (B.1.351 ou sul-africana), Delta (B.1.617, da Índia), Gama (P.1, de Manaus) e Zeta (P.2, do Rio de Janeiro). Caso o resultado seja negativo para todas, a amostra será sequenciada para que seja possível identificar a linhagem presente.
Além disso, todos os meses, 25% das amostras que passaram pelo teste de RT-PCR serão selecionadas aleatoriamente para sequenciamento completo do genoma viral – trabalho que será feito pela equipe da Dasa.
“Já recebemos amostras coletadas no fim de maio e início de junho e começamos a análise. Também pretendemos estudar, retrospectivamente, material coletado desde janeiro deste ano. Um dos objetivos é tentar descobrir quando e por onde a variante P.1 entrou na capital e como ela se disseminou. E também se a cepa indiana já circula pela cidade”, conta a professora da USP Ester Sabino, que coordena a iniciativa ao lado de Carlos Fortaleza, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu.
As amostras para análise serão selecionadas de forma proporcional à população de cada região da cidade (norte, sul, leste, oeste, centro e sudeste), sem viés de gravidade. As equipes da prefeitura também fornecerão aos pesquisadores algumas informações sobre os pacientes, como sexo, idade, local de moradia, se já foi ou não imunizado, data da coleta da secreção nasofaríngea e de início dos sintomas.
“Como estamos trabalhando com dados amostrais, é preciso que eles sejam representativos da população e que estejam bem distribuídos no tempo e no espaço. Ou seja, os dados devem ser uma maquete do que está acontecendo no município. A ideia é que possamos olhar para essa miniatura perfeita e saber como está a distribuição de variantes no momento”, explica Fortaleza, que foi responsável pelo desenho do projeto.
Por meio de técnicas estatísticas – com base no tamanho da população paulistana e admitindo uma margem de erro de até 5% –, o grupo calculou que seria necessário analisar 384 amostras por semana para conseguir mapear a circulação de variantes para as quais não se sabe, a priori, a proporção em que estão presentes.
De acordo com Fortaleza, o objetivo do projeto é implementar um sistema de vigilância genômica sensível (que não deixe passar despercebida nenhuma variante em circulação), representativo (capaz de mostrar a proporção das variantes de forma semelhante à distribuição real), oportuno (capaz de produzir dados a tempo de medidas de controle serem adotadas) e flexível (adaptável a todas as situações) para embasar ações de combate à doença.
Luiz Eugênio Mello, diretor científico da FAPESP, conta que a iniciativa partiu da Prefeitura de São Paulo e foi “catalisada” pela FAPESP. “Buscamos transformar o que deveria ser um trabalho de rotina da prefeitura em um trabalho dentro das linhas apoiadas pela Fundação. Há neste projeto um elemento indutor importante e com ele pretendemos sugerir novos desenhos organizacionais, em que a academia, o governo e o setor privado interajam de forma rápida e efetiva”, conta.
Benefícios
Como destaca José Eduardo Levi, pesquisador do IMT-USP e da rede de laboratórios Dasa, a vigilância genômica representa um dos três pilares principais de combate à COVID-19, sendo os outros dois a vacinação e as medidas de testagem e isolamento social.
“O vírus está evoluindo bem na nossa frente e, com essa estratégia, poderemos identificar precocemente variantes que poderão gerar uma nova onda e intervir o mais rapidamente possível”, afirma.
Com base na sequência genômica, explica Levi, é possível inferir se uma nova cepa eventualmente detectada pode ser considerada uma “variante de preocupação” (VOC, na sigla em inglês). “Caso seja localizado em um bairro um cluster de amostras que sugiram preocupação, será possível, por exemplo, distribuir máscaras e reforçar medidas de isolamento e de vacinação de forma direcionada. Outro exemplo: se começarmos a observar em uma região casos graves em indivíduos vacinados, poderemos trocar o tipo de imunizante no local”, sugere.
Segundo Sabino, as análises realizadas no âmbito do projeto vão ajudar a entender a dinâmica de espalhamento de novas variantes em São Paulo e isso pode levar à identificação de hubs de disseminação do vírus que poderão ser alvos de intervenções do poder público.
“O fato de a FAPESP se colocar à disposição da política pública, algo que já vinha acontecendo por meio de programas como o PPSUS [Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde], representa algo muito importante: a ciência em benefício da vida. Essa junção de saberes – epidemiológico, virológico e de biologia molecular – com o trabalho prático dos técnicos da prefeitura permite construir pontes e, a partir delas, coisas muito importantes para a saúde pública podem surgir”, avalia Fortaleza.