Por Anaïs Fernandes e Victor Rezende, do Valor Econômico
A deterioração das condições financeiras no Brasil, que já vinha impondo uma perspectiva menos positiva para a atividade econômica em 2022, acelerou nas últimas semanas, sobretudo com a percepção de quebra do atual regime fiscal, e tem contribuído para que mais casas passem a projetar um Produto Interno Bruto (PIB) na faixa de zero a 0,5% em 2022.
Condições financeiras dizem respeito a uma série de variáveis que, no fundo, refletem, por exemplo, a facilidade de acesso a crédito, o apetite de empresas para investir e a disposição de consumo.
O Índice de Condições Financeiras (ICF) da ASA Investments alcançou 2,6 pontos na sexta-feira passada, nível superior ao de março de 2020 (2,13 no dia 18), mês em que a pandemia teve início no país. O índice já é também 84% do observado no pior momento da série (3,11, em setembro de 2015), quando o governo Dilma Rousseff encaminhou um Orçamento para 2016 com projeção de déficit.
O valor do ICF reflete desvios-padrão em relação à sua média histórica, que seria o patamar neutro. Quando está negativo, mostra condições financeiras frouxas, ou seja, que dão apoio à atividade; no terreno positivo, o ICF aponta condições apertadas, ou seja, desfavoráveis ao crescimento econômico.
Apenas um mês atrás, o ICF estava em 1,7 ponto e no dia 15 de outubro, pouco antes da discussão sobre um Auxílio Brasil de R$ 400 com parte dos custos fora do teto de gastos, ainda estava abaixo do nível de 2 pontos. “Estamos em um momento de baixa visibilidade. É difícil apontar qual será o desfecho, mas não tem como não chamar de quebra de regime fiscal. E o primeiro impacto disso, em termos de condições financeiras, é forte, abrupto, como vimos nos últimos dias”, diz o economista-chefe da ASA, Gustavo Ribeiro, ao citar a depreciação do câmbio e prêmios de risco mais elevados.
Construído com base em metodologia do Banco Central, o ICF da ASA Investments agrega variáveis de preços (commodities, petróleo e câmbio) e de mercado (índices de bolsas nacionais e internacionais, medidas de risco-país e taxas de juros aqui e no exterior). Ele difere dos cálculos do BC, porém, ao retirar a tendência histórica de queda dos juros locais e internacionais para capturar o movimento do juro real neutro (que não contrai nem acelera a atividade).
Considerando que o cenário, antes tido como alternativo, de condições financeiras apertadas por mais tempo tem se tornado realidade – inclusive, em dimensão e magnitude mais fortes do que o imaginado há pouco tempo, diz Ribeiro -, a ASA cortou sua projeção para o PIB em 2022 de 1,5% para 0,4%. Os riscos, no entanto, ainda estão enviesados para baixo. “Vivenciamos um aperto bastante significativo e abrupto de condições financeiras e isso pega no crescimento”, diz Ribeiro, ao indicar que um PIB entre zero e 0,5% no próximo ano parece adequado.
A perspectiva de médio prazo da economia brasileira também está muito pior do que Cassiana Fernandez, economista-chefe para Brasil do J.P. Morgan, imaginava um mês atrás. “Projetamos um PIB de 0,9% em 2022 e claramente o cenário é de que vamos ter um crescimento ainda menor”, afirma.
“A incerteza em relação à condução da política fiscal aumentou muito. Chegamos, inclusive, a um ponto em que se começa a questionar outra vez a sustentabilidade da dinâmica da dívida pública e isso levou a uma significativa reprecificação dos ativos no mercado e a um aperto das condições financeiras de forma geral”, diz Fernandez.
Além dos impactos mais diretos em variáveis como o câmbio, a mudança de regime fiscal também vai levar à discussão sobre o nível do juro neutro, observa Ribeiro. Para ele, a taxa de equilíbrio terá de ser mais alta do que os 3% em termos reais estimados pelo BC. Assim, o nível de juros para estabilizar a inflação também será mais alto, diz.
Para Ribeiro, não será mais possível o BC manter o ritmo no ciclo de aperto. Na decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana, a alta na Selic deve ser de 1,5 ponto percentual, com a taxa indo a 10,5% em 2022, estima.
Diante de uma Selic mais elevada, que deve ultrapassar os 10% no atual ciclo, a Genoa Capital também cortou sua projeção para o PIB em 2022 de 1% para 0,5%. “O saldo de maior expansão fiscal com piora das condições financeiras é claramente negativo. A direção é sempre para baixo”, afirma o economista-chefe Igor Velecico.
Marcos Ross, economista-chefe do Haitong, diz ver dois canais principais para transmissão, à economia real, da piora recente nas condições financeiras. O primeiro é o do crédito. As curvas de juros, observa Ross, antecipam um ciclo mais forte de aperto monetário. “Uma empresa que vai pegar um crédito de longo prazo não toma a Selic, toma um juro composto já precificando o futuro. Pegar crédito agora já está caro. Poderia estar um pouco menos se as curvas não tivessem estressado tanto.”
O economista do Haitong nota, ainda, que empresas com dívidas em dólar são “machucadas” financeiramente por um câmbio que, em uma semana, sai de R$ 5,45 e bate R$ 5,75, como aconteceu na semana passada. “Trinta centavos causam um estrago”, afirma Ross.
O Índice de Condições Financeiras do Safra está na região restritiva desde setembro, observam os economistas do banco em relatório. A piora se deve à subida dos juros locais, mas a contribuição baixista das taxas internacionais também diminuiu. “As incertezas fiscais e a persistência inflacionária têm pressionado a curva de juros brasileira e apertado as condições financeiras. Esse ambiente prejudica as perspectivas para a atividade econômica”, afirmam. O Safra espera um PIB de 1,1% em 2022.
Para o Haitong, o risco fiscal recente aumentou a chance de recessão econômica em 2022. O banco ajustou sua previsão de PIB em 2021 para 4,9%, o que deixaria uma “herança estatística” de 0,1% para 2022. Segundo Ross, isso seria compatível com um PIB na faixa de -0,1% a +1,9% no ano que vem. O Haitong vê crescimento de 0,5%.
Fernandez, do J.P. Morgan, diz que não pode negar a chance de um PIB negativo em 2022. O problema, observa, não é só o aperto das condições financeiras, mas também incertezas sobre a política econômica no médio prazo.
“Se não consigo dar previsibilidade ao setor privado, que vai tomar decisões de investimento, as pessoas vão esperar. É o grande risco que corremos. O mais importante desta semana [passada] é que houve redução da previsibilidade sobre a economia brasileira. Hoje, eu não consigo nem saber o que o BC vai fazer na decisão do Copom e se estamos indo para um ciclo que vai levar a Selic para abaixo de 10% ou acima de 11%”, diz a economista, que, no momento, vê a Selic em 9,75% no fim do ciclo.