O orçamento anual e o mito do desempenho

Claudio Garcia
Claudio Garcia é vice-presidente executivo de estratégia e desenvolvimento corporativo da Consultoria Lee Hecht Harrison

Há dez anos fui convidado para conversar com um grupo de executivos de vendas de uma grande empresa de alimentos brasileira. Em um bate-papo de preparação, o principal executivo do time me alertou para basear tudo o que falasse em evidências. Por ser um grupo bem sucedido e questionador, qualquer dúvida que eu gerasse poderia comprometer a minha credibilidade diante deles. A intenção do encontro era ajudar o grupo a ir além do já excelente estágio em que se encontrava – nos últimos cinco anos havia crescido além das metas, e os bônus pagos foram recordes. Nesse mesmo período o Brasil crescia próximo de 5% ao ano puxado pelo estímulo ao consumo interno e exportações de alimentos, que aumentavam além do PIB.

À medida que eu mostrava os indicadores da indústria e da concorrência, notei uma falha na conexão com o grupo. Apesar de atentos, não se engajavam na conversa. Achei que havia sido vítima do alerta que recebera. Ao final do encontro, o líder do grupo veio comentar a situação. O problema era outro: eu acabara de mostrar que, apesar de terem batido todos seus recordes, ainda estavam atrás dos concorrentes e do crescimento do setor.

Mais recentemente, dois anos atrás, em uma empresa de serviços, fui convidado para conduzir uma conversa semelhante. Dessa vez, tomei o cuidado de pedir acesso a dados de performance . Encontrei um grupo frustrado. Desde o início da crise as pessoas não atingiam suas metas, e os bônus não foram pagos, como na maioria das empresas no país.

Uma análise minuciosa dos dados, no entanto, mostrava algo distinto. Em seu setor, eles eram os únicos com crescimento em participação de mercado. Isso não se refletia em mais receita, já que os novos clientes consumiam menos unidades dos serviços. Mas mostrava que, apesar da crise econômica (o PIB caiu cerca de 3,5% naquele ano), eles estavam, sim, com desempenho além do padrão de sua indústria.

As duas experiências mostram um ângulo contraintuitivo: crescimento não representa, necessariamente, desempenho bom, e perda de receita ou redução de lucros não significa, rigorosamente, má performance. Tudo depende do contexto.