Três substâncias, duas opiniões distintas. Feitos à base de anfetaminas, os emagrecedores anfepramona, femproporex e mazindol viraram tema de intenso debate após o Congresso liberar seu uso no Brasil, sob o apoio das sociedades médicas, embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) siga afirmando que os riscos à saúde são maiores que os benefícios.
Os medicamentos, conhecidos como anorexígenos, atuam no sistema nervoso central para gerar aversão a comida e inibir o apetite e, por isso, são utilizados em tratamentos para perda de peso. Em 2011, eles foram vetados após análise da Anvisa, órgão ligado ao Ministério da Saúde, mas uma nova lei aprovada pelos parlamentares e sancionada pela Presidência da República no mês passado retirou essa trava.
A volta dos remédios divide opiniões. De acordo com a agência reguladora, os medicamentos trazem riscos a pessoas com predisposições a doenças cardíacas e psiquiátricas, e seus benefícios contra a obesidade são limitados. Pelos mesmos motivos, as substâncias também foram proibidas nos Estados Unidos e na Europa, com exceção da anfepramona, comercializada no mercado americano.
“Quando a Anvisa fez essa avaliação, em 2011, ficou comprovado que os efeitos adversos eram perigosos, que as pessoas ficavam dependentes, que havia riscos para os sistemas cardiovascular e neurológico e que os benefícios eram limitados. A perda de peso, por exemplo, não era consistente”, afirma à BBC Brasil o médico Jarbas Barbosa, diretor-presidente da Anvisa.
“O que encontramos foi que esses medicamentos trazem riscos graves e resultados inexpressivos”, acrescenta.
Mas entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso) comemoram o retorno dos medicamentos ao país.
“Se há grupo de medicamentos com consenso entre sociedades médicas (sobre seu uso) e dispensado (liberado) em outros países, acreditamos que é direito do médico brasileiro ter esses medicamentos em seu arsenal contra a obesidade, mesmo com as limitações dessas substâncias”, defende Fábio Trujilho, presidente da SBEM.
Apesar de celebrar a liberação, as entidades alertam que de fato há riscos associados aos remédios e que, por isso, precisam ser usados em casos específicos e por curtos períodos de tempo, uma vez que podem causar dependência química.
“É um medicamento para usar no paciente obeso – não para quem quer perder dois ou três quilos”, ressalta Trujilho. “Essas substâncias não podem ser receitadas para pacientes que consumam outros remédios, e o tratamento não pode ultrapassar três meses”, explica.
Fabricar ou não fabricar
Em meio à polêmica, a indústria farmacêutica afirma ter recebido com preocupação a volta dos emagrecedores.
“É algo que enfraquece a posição da Anvisa, que deveria ser a única responsável pela liberação de produtos farmacêuticos”, diz Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma).
“Passaram as anfetaminas, e podem agora passar quaisquer produtos.”
Mesmo com a nova lei, avalia Mussolini, a indústria farmacêutica não deve voltar a produzir os inibidores, já que não será possível registrá-los na Anvisa. Por isso, diz, esse mercado não irá mudar no curto-prazo. “Sabemos que em vários países esses produtos foram contestados pela sua falta de segurança e de eficácia. Então não enxergamos que a indústria nacional vá fabricar esses medicamentos.”
Para ele, as farmácias de manipulação devem absorver esse mercado, como já faziam no passado. Mas restam dúvidas sobre a origem da matéria-prima que devem utilizar, que precisará ser importada. Com as substâncias banidas em mercados desenvolvidos, os produtos podem vir de países com pouca regulação sanitária.
Até 2011, os remédios consumidos no país que incluíam esses inibidores de apetite eram produzidos principalmente por empresas brasileiras, como Aché Laboratórios (Dualid S e Desobesi-M), Medley (Inibex S e Absten S) e Libbs Farmacêutica (Fagolipo). Mas após o veto da Anvisa, as empresas abandonaram esse mercado e se voltaram para classes de remédios contra a obesidade aprovadas pela agência – porém mais caras.
Produtos como o Saxenda, da dinamarquesa Novo Nordisk S/A, são utilizados no tratamento da obesidade e liberados no Brasil. O medicamento dá sensação de saciedade maior, mas sem os efeitos colaterais das anfetaminas – em seu caso, eles podem ser outros, como desidratação e pancreatite aguda.
O problema, argumenta Trujilho, é seu custo mensal: em torno de R$ 700, contra os até R$ 60 dos inibidores de apetite à base de anfetaminas. “Torna o acesso mais difícil”, diz.
Efeitos colaterais
A anfepramona, o femproporex e o mazindol são drogas anfetamínicas, produtos sintéticos que estimulam a atividade do sistema nervoso central e, por isso, afetam o comportamento do paciente de diferentes maneiras.
Além de causar perda de apetite, elas causam insônia e dão maior sensação de energia. Ao liberar neurotransmissores que aceleram o metabolismo, as substâncias aumentam a pressão arterial e a frequência cardíaca. Nesse processo, a pessoa queima mais calorias e, dessa maneira, perde peso.
Porém, essas substâncias trazem efeitos colaterais graves, principalmente em pessoas com predisposição a transtornos psiquiátricos.
“Essas drogas têm ação sobre neurotransmissores como a dopamina, a noradrenalina e a serotonina, além de outros. Seus mecanismos de ação atuam em mecanismos comuns aos que estão presentes em quadros como psicoses, esquizofrenia, depressão e pânico”, afirma Táki Athanássios Cordás, psiquiatra e coordenador do programa de transtornos alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Cordás, que foi um dos que colaboraram com o parecer da Anvisa de 2011, diz que é comum pacientes apresentarem quadros psicóticos desencadeados pelos inibidores de apetite, que foram para o mercado negro após a proibição.
“Tenho vários casos de pacientes que passaram a tomar essas drogas e apresentam quadros paranóides, de perseguição, quadros depressivos.”
O principal risco, afirma, é que a maioria da população desconhece sua predisposição a ter enfermidades psiquiátricas – e o uso das substâncias para emagrecimento pode ter efeitos inesperados e “acordar” outras doenças. “O endocrinologista não será o profissional que irá ver as consequências em seu consultório. Os efeitos serão sentidos pelos psiquiatras e cardiologistas.”
“É uma medicação que pode aumentar tendências suicidas”, acrescenta a endocrinologista Renata Sacramento, do Hospital São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro. “Alguns pacientes dizem que se sentem horríveis. Para alguns, funciona, mas é a minoria”, afirma.
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