Óbitos fora de hospitais crescem no na cidade do Rio durante a pandemia
Levantamento da Fiocruz registrou que as mortes praticamente dobraram entre abril e maio

 

Os óbitos no município do Rio de Janeiro aumentaram em 64% nos meses de abril e maio de 2020, em relação à média dos três anos anteriores no mesmo período. Além disso, análise detalhada dos registros revela um dado preocupante: praticamente dobraram as mortes fora de hospitais – em unidades de saúde (como UPAs, clínicas e outros centros e unidades básicas) e em domicílios.  Isso pode ser um indicador de que, no início da epidemia, a rede de hospitais no município não teve capacidade para atender a todos os pacientes – não só de Covid-19, mas também com outras doenças graves.

A análise dos registros de óbitos trouxe outro dado inquietante: aumentaram em grande proporção os registros de mortes em unidades de saúde e a domicílio por neoplasias (tumores), doenças endócrinas nutricionais e metabólicas (diabetes, por exemplo), do sistema nervoso e dos aparelhos digestivo, circulatório e geniturinário (órgãos genitais e urinários), entre outras não diretamente relacionadas à Covid-19.

A soma dessas informações sugere que o colapso do sistema de saúde – e não só dos hospitais – poderia já estar acontecendo em abril e maio no município do Rio de Janeiro.  “Alguns desses óbitos poderiam ter sido evitados com uma atuação mais eficaz da chamada Atenção Básica de Saúde, o que envolve agentes de saúde no território, a testagem de casos suspeitos nos centros de saúde e a triagem de casos graves nas UPAs”, comenta Christovam Barcellos, vice-diretor do Instituto de Comunicação em Saúde (Icict), da Fiocruz, geógrafo e pesquisador de saúde pública.

As constatações fazem parte da Nota Técnica “Óbitos desassistidos no Rio de Janeiro. Análise do excesso de mortalidade e impacto da Covid-19”, produzida por pesquisadores do Icict/Fiocruz. Os dados analisados são do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

O estudo contabilizou que, em abril e maio de 2020, o município do Rio teve cerca de 7.450 mortes acima da média histórica (2017-2019) do mesmo período de meses, representando um aumento de 64%. Desse total de mortes em excesso, cerca de 75% foram registradas como causadas pela Covid-19. Outras mortes podem ter ocorrido por falta de assistência a doentes crônicos, que encontraram a rede de saúde já sobrecarregada pela Covid-19.

As mortes fora de hospital apresentaram crescimentos acentuados: 110% nas unidades de saúde e 95% a domicílio.  E quando se cruzam as causas de óbitos com os locais em que ocorreram, alguns números aumentam muito. Por exemplo, as mortes por doenças infecciosas e parasitárias (que incluem a Covid-19) cresceram 785% em unidades de saúde (fora de hospitais) e 598% em domicílios (sem qualquer assistência de saúde). O total de pessoas que morreram em casa vítimas de doenças endócrinas nutricionais e metabólicas (incluindo diabetes) mais que dobrou em abril e maio deste ano: 109%. Nessa mesma proporção (109%), aumentaram os óbitos no período analisado em decorrência de doenças do aparelho respiratório registradas em unidades de saúde fora de hospitais.

Também chamou a atenção dos pesquisadores o grande volume de mortes sem diagnóstico. Nos meses de abril e maio de 2020, foi registrado um excesso de cerca de mil óbitos com causa mal definida (sem diagnóstico definitivo) em relação aos anos anteriores. Segundo o epidemiologista do Icict Diego Xavier, que participou do estudo, “isso evidencia falhas em procedimentos de vigilância epidemiológica e atenção oportuna a doentes crônicos e casos suspeitos de Covid-19”.

A Nota Técnica do Icict diz ainda: “Foi observada uma migração de óbitos que antes ocorriam em ambiente hospitalar e que, durante abril e maio de 2020, passaram a ser mais frequentes nos domicílios. Esse é o caso de cânceres, doenças metabólicas (entre as quais predominam as diabetes) doenças do sistema nervoso (com grande peso de Alzheimer) e doenças cardiovasculares e do aparelho geniturinário (com diversos casos de insuficiência renal), configurando um grave cenário de desassistência vivido naqueles dois meses e que pode permanecer ao longo da epidemia. A maior parte dessas doenças é crônica e o óbito pode ser considerado evitável por ações de prevenção e atenção básica de saúde”.

De acordo com Christovam Barcellos, para descobrir as causas desses números atípicos seria preciso uma investigação epidemiológica mais aprofundada.

“Estamos claramente diante de dados que indicam que houve desassistência à saúde pública no início da epidemia no município do Rio, talvez até mesmo um colapso do sistema hospitalar. Acredito que muitas dessas pessoas que morreram fora em casa ou em UPAs podem ter tido dificuldade de conseguir atendimento nos hospitais. Vale destacar que vem sendo amplamente noticiado que nos últimos três anos a rede municipal de saúde sofreu cortes de pessoal e de unidades, o que, se for verdade, pode ter contribuído para comprometer o atendimento hospitalar no pico da Covid-19”, avalia Barcellos.

UFMG e Fiocruz desenvolvem teste mais preciso e barato para covid-19
Equipe de pesquisadores concluiu trabalho em seis meses

Da Agência Brasil

O CT Vacinas, núcleo formado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), desenvolveu um teste para diagnosticar a covid-19, que diminui as chances de o resultado ser de falso negativo ou falso positivo. Trata-se de um teste Elisa, nome que deriva da abreviação de “ensaio de imunoabsorção enzimática” (em inglês, enzyme-linked immunosorbent assay), em referência à técnica usada. Pelo mundo, o método consolidou-se, há anos, como ferramenta de detecção do HIV.

Além de rápido, o teste concebido pelo CT Vacinas tem a vantagem de ser mais barato que outra opção existente, o RT-PCR (do inglês reverse-transcriptase polymerase chain reaction), cujo custo varia de R$ 280 a R$ 470 na capital paulista, conforme apurou a Agência Brasil, após contatar três redes de laboratórios.

Como os testes rápidos, o Elisa também é sorológico (feito a partir da procura por anticorpos no sangue), com a diferença de que pode ser realizado somente em laboratórios, ainda que o equipamento necessário seja relativamente simples. Após as validações iniciais, a próxima etapa é obter a certificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“No caso do Elisa, de metodologia completamente diferente [em relação aos testes rápidos], tira-se uma amostra de sangue maior, precisa-se de 1 mililitro, pelo menos. Então, é necessária uma agulha para  coletar o sangue. O processo de detecção da presença do anticorpo é muito mais sensível”, diz a coordenadora do CT Vacinas, Santuza Ribeiro.

“Por isso, mesmo que a pessoa tenha baixas quantidades de anticorpo, não se detecta naquele teste rápido, mas pode-se detectar no Elisa. Não se consegue fazer o Elisa em um balcão de farmácia, por exemplo. Por outro lado, há uma sensibilidade muito maior. Outra vantagem é que, com o Elisa, consegue-se uma redução não só de falso negativo, mas de falso positivo, que é quando se tem uma reação que parece positiva, e, na verdade, é um anticorpo contra outro vírus, que não o Sars-CoV-2, como o de gripe comum”, explica Suzana.

Com o Elisa desenvolvido pelos pequisadores do CT Vacinas, consegue-se mostrar que, em pessoas que têm anticorpos contra outras viroses, como dengue, não se detecta positivo. “O teste rápido não é capaz de diferenciar as outras infecções”, acrescenta.

Na prática, o que se faz é fixar o antígeno em uma placa de poliestireno e ligá-lo a um anticorpo com marcador enzimático. Caso haja reação de defesa do organismo contra o agente patogênico – no caso, o novo coronavírus –, na forma de anticorpos, o material depositado sobre a placa muda de cor.

Em virtude da estrutura exigida para aplicação do teste, a equipe agora busca o apoio de órgãos federais, como o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e outros entes públicos e também de empresas, para possibilitar a produção em larga escala e a disponibilização a uma parcela significativa da população. Duas pontes que estão sendo negociadas envolvem a Fundação Ezequiel Dias (Funed), do governo de Minas Gerais, e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), da Fiocruz.

Santuza destaca, ainda, que o teste Elisa para covid-19 surgiu do aprimoramento de um saber que já circulava no núcleo, sinalizando para a importância do investimento estável em ciência. “No CT Vacinas, a gente já havia desenvolvido um teste muito semelhante, para outras doenças, inclusive não virais, para leishmaniose, doença de Chagas e malária. A mudança que foi feita consistiu em colocar como componente do teste uma molécula capaz de detectar o anticorpo contra o covid-19.”

“Testamos três opções e encontramos o antígeno N, componente da partícula viral, como a melhor molécula para detectar o anticorpo contra covid-19. Isso foi uma demanda específica que tivemos da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), com financiamento da fundação, inicialmente, e depois recebemos recursos do governo federal, por meio da Rede Virus, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. De acordo com a coordenadora do CT Vacinas, trata-se de uma molécula distinta da que está sendo usada no desenvolvimento de vacinas.

A proposta foi apresentada pela Fapemig no início de março, diz Santuza, ao destacar o sucesso da equipe, que completoo o desafio em três meses: “A gente ficou muito feliz, porque não sabia se teria capacidade de realizar em um tempo tão curto.”

Pesquisa mostra regressão de danos em bebês expostos ao vírus Zika

Um estudo, publicado esta semana na revista científica Nature Medicin, relatou dois casos de bebês que nasceram com microcefalia associada à exposição das mães ao vírus Zika durante a gravidez e que apresentaram desenvolvimento normal do cérebro após o parto.

Com 28 autores, a pesquisa, desenvolvida em parceria do Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz) com a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, foi publicada em forma de artigo com o título “Neurodesenvolvimento infantil tardio e alterações neurossensoriais no segundo ano de vida em um grupo de crianças expostas ao Zika vírus”, em tradução livre do inglês.

Uma das autoras do estudo, a pediatra Maria Elizabeth Moreira, pesquisadora do IFF/Fiocruz, explica que foram acompanhadas 216 mulheres grávidas que apresentaram os sintomas do vírus Zika em 2016, quando o Rio de Janeiro teve surto da doença.

“As crianças são acompanhadas desde a exposição da mãe ao Zika, mães que tiveram os sintomas de rash cutânea, febre. Elas fizeram o exame PCR, que detecta a patologia na fase adulta da doença. Aí, desde a gravidez, essas mães foram sendo seguidas, passando pelo nascimento dos bebês e pelo desenvolvimento dos bebês até o terceiro ano de vida, que eles estão chegando agora”.

Pesquisa

De acordo com a pesquisadora, a microcefalia associada ao Zika resulta da destruição do parênquima cerebral, ou seja, da massa encefálica. “Por isso que a tábua óssea, que define o tamanho do perímetro cefálico, colapsa e a cabeça fica pequena”, explica. Entre as 216 mães que entraram no grupo do estudo, oito tiveram filhos com microcefalia.

Segundo Elizabeth Moreira, os dois bebês que apresentaram recuperação após o nascimento não tinham a destruição do parênquima cerebral, ou seja, eram casos menos graves da doença, filhos de mães que tiveram Zika no final da gravidez.

“Um dos bebês era todo pequeno, tinha perímetro cefálico, peso e comprimento pequenos, porque havia uma insuficiência placentária e o bebê tinha uma restrição de crescimento intra-útero. Quando o bebê nasce e começa a receber nutrientes e estimulação adequadas, o perímetro cefálico volta a crescer, porque ele não tinha a destruição do parênquima, ele só tinha a cabeça pequenininha e era todo pequenininho”, disse.

O segundo bebê nasceu com a moleira fechada, patologia conhecida como craniosinostose, mas com o cérebro normal. “A gente sabe que o cérebro da criança cresce até mais ou menos os 3 anos de vida, por isso que a moleira nasce aberta. Se ela fecha antes do tempo, vai impedir o crescimento do cérebro embaixo. Então esse tem que passar por uma cirurgia para liberar o crescimento do cérebro e foi o que aconteceu. O bebê fez a cirurgia, abriu a tábua óssea e o cérebro, que estava normal embaixo voltou a crescer normalmente”, explica Elizabeth Moreira.

A pesquisa também mostrou que em 31,5% dos casos (68 crianças) tiveram efeitos negativos no desenvolvimento neurológico entre 7 e 32 meses de idade. Exceto as afetadas por alterações de parênquima cerebral, de 49 crianças com anormalidades logo após o nascimento, 24 delas, ou 49%, tiveram avaliações normais no segundo e terceiro anos de vida. Complicações em exames oculares foram detectados em nove de 137 crianças que fizeram o teste e dificuldades auditivas ocorreram em 13 de 114 crianças avaliadas.

Acompanhamento

De acordo com a pesquisadora, o resultado do estudo mostra a importância de fazer o acompanhamento neurológico precoce de todos os bebês, mesmo os que não apresentam microcefalia.

“A grande questão que esse estudo traz é que os bebês sem microcefalia também podem apresentar atraso no desenvolvimento, 30% deles podem apresentar isso. E o diagnóstico tem que ser feito a tempo de você poder fazer algum tipo de estimulação precoce para minimizar os problemas relacionados a atraso no desenvolvimento. Então esses bebês precisam ser seguidos periodicamente, com testes de desenvolvimento, para que você possa encaminhar precocemente à estimulação”, disse.

O IFF/Fiocruz acompanha, atualmente, um total de 87 crianças com microcefalia associada a problemas como toxoplasmose, citomegalovírus e questões genéticas, além do vírus Zika.

Fiocruz vai produzir antirretroviral para o SUS

A partir de agosto, o Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fundação Oswaldo Cruz (Farmanguinhos/Fiocruz) vai produzir e fornecer para o Sistema Único de Saúde (SUS) o antirretroviral Duplivir, usado no tratamento de pessoas que vivem com o vírus HIV/Aids.

No início de junho, a instituição, ligada ao Ministério da Saúde, concluiu a produção de três lotes-piloto do medicamento, num total de 30 milhões de doses, já distribuídas para as unidades farmacêuticas. Até o fim do ano, serão produzidos em Farmanguinhos mais 75 milhões de comprimidos do Duplivir para o SUS.

A coordenadora de Desenvolvimento Tecnológico de Farmanguinhos, Alessandra Esteves, disse que a fabricação do medicamento pela instituição pública foi possível por um acordo de transferência de tecnologia com a fabricante nacional Blanver, no modelo chamado de Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP).

“O parceiro privado, nesse acaso a Blanver, transfere a tecnologia de produção, que a gente chama de reversa. A gente absorve primeiro a parte de embalagem, depois o controle de qualidade e por último a produção do medicamento em si, o que aconteceu agora em junho com os lotes pilotos”.

Ela explicou que, durante o período da transferência, que leva cinco anos, o parceiro privado tem a garantia do fornecimento do produto para o governo, já que o Farmanguinhos começa o processo adquirindo a expertise na embalagem do remédio produzido pelo parceiro, avançando para a análise e, apenas na última etapa, passa a dominar o processo completo da produção.

Com a etapa dos lotes-piloto concluída, Alessandra disse que o Farmanguinhos será incluído como local de fabricação do Duplivir pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O Duplivir reúne em um único comprimido dois princípios ativos, o fumarato de tenofovir desoproxila e a lamivudina, o que reduz a quantidade de comprimidos ingeridos diariamente e melhora a qualidade de vida do paciente, segundo Alessandra.

Programa

A coordenadora destacou que a produção nacional e pública fortalece o programa de HIV/Aids do Ministério da Saúde, que já é reconhecido internacionalmente.

“Nós somos uma fábrica pública de medicamentos, então é o próprio governo dominando a tecnologia de produção e atendendo a população do jeito que necessita. Além disso, a gente está impulsionando a economia local, com a questão da geração de emprego e renda. Com a nacionalização dos insumos ativos, a gente passa a dominar essa parte tecnológica no país. É uma questão importante, porque traz a soberania e a independência nacional”.

Segundo Alessandra, a demanda anual varia de 70 milhões a 150 milhões de unidades, e Farmanguinhos terá capacidade de suprir toda a necessidade do país. O medicamento tinha preço de mercado de R$ 3 por comprimido, com a parceria o valor caiu para R$ 1,90, o que representou, nos últimos cinco anos, uma economia de R$ 258 milhões para os cofres públicos.