EUA e Europa investem em regras e prevenção para evitar acidentes com barragens

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Prevenção busca evitar acidentes como o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG)

Representantes de diversos países debateram nesta quarta-feira (21), no 8º Fórum Mundial da Água, como tragédias ambientais ocorridas no passado ajudaram os governos a se preparar para evitar acidentes como o rompimento de barragens e represas. O assunto foi discutido na Sessão Especial sobre Desenvolvimento Econômico e Segurança de Bacias Hidrográficas: Riscos, Ações Preventivas e Monitoramento, durante a tarde de hoje.

Desde fenômenos ocorridos em 1970 nos Estados Unidos até o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em 2015, as experiências internacionais costumam mostrar que os trabalhos de prevenção, monitoramento e correção de estruturas danificadas são a melhor estratégia para lidar com a segurança de barragens.

De acordo com David Palumbo, integrante do Escritório de Reclamações (United States Bureau of Reclamation) – agência federal vinculada ao Departamento de Interior que supervisiona o gerenciamento de recursos hídricos nos EUA – o primeiro grande desastre que acendeu o alerta para as autoridades americanas foi o rompimento da represa do rio Teton, no estado de Idaho, em 1976, tão logo a mesma foi enchida completamente, causando a morte de 11 pessoas. De lá pra cá, explicou, são feitas inspeções anuais nas barragens, com o objetivo de se identificar os possíveis problemas e tomar as medidas corretivas.

Decisão de risco

Antes de exibir um gráfico mostrando que o risco de fracasso é monitorado com base na probabilidade de perdas de vidas, que vai de uma a dez mil, David Palumbo explicou que um dos momentos-chave das políticas nacionais hoje é o da tomada de decisões. “Após as inspeções, há uma decisão a ser tomada com base no risco. Se determinarmos que os riscos são altos demais, começam os estudos para ações corretivas e depois modificação”, afirmou.

As iniciativas dos Estados Unidos foram confirmadas pelo coronel James DeLapp, do Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA. “Eu diria que as prioridades são continuar implementando as estratégias que mostramos. Estamos usando todos os recursos, mas muito da nossa estrutura está ficando velha e temos que melhorar. Temos que ser cuidadosos em como gastar esses recursos nas áreas mais importantes”, disse ele.

Resposta rápida

Na Europa, a resposta rápida para qualquer tipo de incidente foi o segredo dos países da Península Ibérica para superar tragédias do passado. Segundo o português Pedro Serra, consultor da TPF-Planege Cenor, uma das principais empresas de engenharia de Portugal, cada uma das represas do país têm suas regras, que buscam, na impossibilidade de impedir grandes problemas, ao menos reduzir os danos.

“Eles têm um plano interno: se algo acontecer de errado, alguém na empresa tem que saber o que precisa ser feito. E planos externos também: se tiver algum risco de colapso, então as autoridades nacionais são chamadas para tomar medidas para evitar perda de vidas”, informou. Para ilustrar a complexidade da gestão de barragens, Pedro Serra contou que no sul do país foi necessário construir uma estrutura com mais de 600 milhões de metros cúbicos de água para implantar o plano de irrigação do Alentejo, região seca do país.

Tragédia de Mariana

A presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Suely Araújo, também participou do painel. Ao responder a perguntas da plateia sobre o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, há pouco mais de dois anos, ela disse que, ao se deparar com uma “tragédia dessa dimensão”  ficou clara a necessidade de se estabelecer uma “política de prevenção efetiva”. Até hoje, atingidos pela tragédia ainda não foram indenizados.

Como prioridades para a região nos próximos meses, Suely destacou o manejo de rejeitos da área diretamente afetada e a retomada da operação da Hidrelétrica Risoleta Neves, conhecida como Candonga. “Talvez as questões sociais sejam mais complexas do que as econômicas. A gestão dos problemas sociais, como pagamento das indenizações e conseguir que as comunidades voltem a ter atividades econômicas, ainda precisa ser feita”, acrescentou.

Mudanças climáticas aumentam disputas judiciais por água e desafiam juízes

Em todo o mundo, juízes se deparam com a díficil tarefa de conciliar a aplicação de leis com a complexidade de decidir quem tem mais direito sobre a água em uma disputal judicial.

“Cada vez vemos mais leis da água que estão fortemente subsidiadas pelos avanços científicos, no entendimento dos fenômenos naturais, que envolve o complexo meio ambiente onde a água está inserida”, disse o presidente executivo da Associação Internacional para Direito da Água (Aida), Stefano Burchi, durante a conferência de juízes e promotores no 8º Fórum Mundial da Água.

Pela primeira vez, juristas estão reunidos no fórum para tratar das perspectivas, desafios e soluções no âmbito do direito para problemas envolvendo a água e seus usos. O evento começou no dia 18 e vai até 23 de março, em Brasília.

Para Burchi, nesse contexto, as mudanças climáticas aumentam os conflitos judiciais – por causa de escassez ou excesso de água, a concorrência pelo uso do recurso e o impacto sobre os bens materiais. “As águas subterrâneas, por exemplo, são um recurso complexo e se tornam mais importantes de forma estratégica quando se conjugam com os recursos hídricos superficiais. Trata-se de algo que está assumindo um valor. E tenho testemunhado gerações de juízes que tem tentado decifrar os meandros das evidências hidrogeológicas”, contou.

Com essa demanda crescente, juízes têm de tomar decisões, recorrendo não somente às leis, como também à ciência. “Não tenho inveja de vocês juízes que serão convocados a interpretar a lei, principalmente nesse ambiente contemporâneo, quando as leis se tornam mais complexas, expostas a desafios complexos ocasionados pela mudança do clima”, disse Burchi.

“Corrupção no setor hídrico”

O representante do Programa de Governança da Água da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Hakam Tropp, alerta que esse cenário exige de governo, instituições públicas, setor privado e organizações civis ações que priorizem a transparência, responsabilização e participação. E, para ele, a Justiça ainda tem pela frente a missão de impedir “a corrupção no setor hídrico”.

“Algo que estamos observando é que há um risco grande de corrupção no setor hídrico e ela pode se dar em diferentes níveis. Já somos testemunhas da corrupção em pequena escala, como, por exemplo, fazer um gato no hidrômetro”, disse. “Isso é algo que torna o setor menos capaz de responder aos desafios da água e que leva à falta recursos financeiros para investimentos”, ressaltou.

Para Tropp, é possível intensificar o trabalho de prevenção em relação à corrupção, por exemplo, a partir dos princípios da governança. “Agimos só depois do fato acontecido, mas como colaborar para evitar que esses problemas aconteçam? Com transparência, responsabilização e participação”, disse, chamando o Judiciário para participar e complementar o trabalho de profissionais do setor de recursos hídricos.

Resiliência

Para o diretor do Programa Global da Água da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), Mark Smith, a Justiça pode ajudar na adaptação para o enfrentamento das mudanças climáticas com infraestrutura e tecnologias sustentáveis; aspectos sociais e políticos; e aprendizado e conhecimento.

“São os quatro elementos da resiliência no enfrentamento às mudanças climáticas”, disse. Para Smith, a resiliência é fortalecida pela biodiversidade e diversidade econômica e toda lei ambiental que protege a biodiversidade e a Justiça ambiental merece esforços.

No âmbito da infraestrutura, é preciso considerar obras concluídas como barragens e transposições, além da infraestrutura natural, como alagadiços e florestas. “O direito ambiental e sua aplicação é um componente crítico na avaliação de impactos ambientais para que a infraestrutura seja construída de maneira adequada e transparente”, explicou.

Sobre os aspectos sociais, políticos e de conhecimento, Smith explicou que as comunidades precisam reagir aos impactos das mudanças. Para isso, precisam participar do processo de governança em diferentes instituições. “O aspecto legal tem a ver com garantir que as organizações sejam equipadas para adaptar-se à medida que as mudanças climáticas causam impacto”, disse.

Injustiça ambiental

Para o juiz norte-americano Michael Wilson, da Suprema Corte do Havaí, não é possível falar em Justiça, mas sim em injustiça ambiental. “Trata-se de uma emergência declarada. Estamos criando a maior injustiça internacional e ambiental por causa do planeta que estamos passando adiante”, disse, sobre os estudos que mostram que não será possível limitar o aquecimento global e como isso impactará as gerações futuras.

Segundo Wilson, os juristas reunidos no fórum estão na vanguarda da Justiça ambiental. “O mundo com aumento de 2 ou 3 graus [Celsius] é ilegal. Onde vocês veem na lei que isso é condizente com as condições de vida?”, questionou. “O nosso juramento é de resgatar as espécies, de constituir uma Justiça verde, para assegurar que pelo menos tentamos mudar o futuro”, disse, criticando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que defende a economia do carbono e diz que o aquecimento global é um mito.

O juiz da Suprema Corte criticou ainda o alto número de assassinatos de ativistas ambientais, quatro por semana, segundo ele, fazendo um paralelo ao assassinato da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, defensora dos direitos humanos. “Pessoas perdem suas vidas quando defendem seus valores”, disse.

País tem 917 municípios em crise hídrica; maioria está no Nordeste

O Brasil tem 917 municípios em crise hídrica, informou o ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, ao participar do 8° Fórum Mundial da Água. Esse número corresponde aos municípios que estão em situação de emergência por seca ou estiagem até o dia 13 de março.

O ministro destacou que a crise hídrica não é mais um problema somente do Nordeste, onde estão a maioria das cidades. Do total de municípios, 211 estão na Bahia, 196 na Paraíba, 153 no Rio Grande do Norte, 123 em Pernambuco, 94 no Ceará, 40 em Minas Gerais, 38 em Alagoas, 18 no Rio de Janeiro, 17 do Rio Grande do Sul, além de registros em outros estados.

No fórum, o ministro destacou que é preciso fazer investimentos para ampliar e modernizar o sistema de abastecimento do país.

Segundo ele, o país tem cerca de 11% da água doce do planeta, mas a distribuição territorial não é uniforme. “Temos de intensificar a cooperação entre os órgãos governamentais. É importante que os estados estejam integrados, otimizar as estratégias de uso racional”, disse.

Ela acrescentou que também é “determinante” revitalizar o Rio São Francisco, buscar integração entre baciais das regiões do Brasil e investir em saneamento básico.

“No momento em que constatamos que a escassez hídrica e a insegurança hídrica não mais se reportam apenas ao Nordeste, é fundamental que as intervenções passem por um diálogo federado”, acrescentou o ministro.

Segurança hídrica mundial custa US$ 650 bilhões ao ano, diz presidente do CMA

O presidente do Conselho Mundial da Água (CMA), Benedito Braga, defendeu o compartilhamento de bacias hidrográficas entre os países e o investimento “em massa” de recursos para garantir a segurança hídrica de todos os países. Ao discursar na abertura oficial do Fórum Mundial da Água, Benedito Braga afirmou que os governos deveriam colocar a água como “cerne’ dos eventos que promoverem.

De acordo com Braga, para os países garantirem a segurança hídrica necessária, presente nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, é preciso que haja “investimento em massa” da ordem de US$ 650 bilhões por ano até 2030. “Precisamos de mais vontade política de governos para garantirmos a segurança hídrica. Precisamos de mais financiamento para garantir os objetivos de desenvolvimento sustentável na ONU”, disse.

Segundo ele, o desenvolvimento neste campo depende do engajamento também de outros setores, como energia e saneamento. “Esse fórum deve comprovar que compartilhamento de uma bacia hidrográfica não deve ser um fardo, e sim um incentivo e oportunidade para melhorar a governança”, afirmou Braga, que discursou na abertura do evento após o presidente Michel Temer.

Antes de desejar uma semana “muito frutífera” aos participantes do fórum, Benedito Braga defendeu que a comunidade hídrica faça valer, em diferentes ocasiões, a capacidade de “colocar a água no cerne dos eventos”. “Tenho certeza que vamos conseguir atingir patamar de segurança hídrica juntos”, afirmou.

Antes do conselheiro, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, deu as boas vindas aos participantes e abordou a crise hídrica que vive a capital federal. Ele atribuiu o desabastecimento de Brasília e de suas vizinhas, que motivou um racionamento de água há mais de um ano, ao “expressivo crescimento populacional”, à falta de investimentos em infraestrutura e ao baixo volume de chuvas nos últimos três anos.

“O Fórum Mundial da Água deve deixar um legado para essa e futuras gerações. Precisamos compartilhar água. Para isso, precisamos compartilhar saberes, opiniões, ideias experiências. Devemos cooperar”, disse.