OMS anuncia retomada de testes com hidroxicloroquina para covid-19
Pesquisa que invalidou cloroquina não apresenta argumentos, afirma OMS

Após a análise de um estudo publicado pela revista médico-científica The Lancet, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), anunciou hoje (3) durante coletiva de imprensa que o grupo responsável retomará os protocolos com a cloroquina e sua variante mais recente, a hidroxicloroquina.

“Como vocês sabem, na última semana o Grupo Executivo dos Testes de Solidariedade [nome dado ao grupo de pesquisa que busca medicamentos eficazes contra o SARS-CoV-2] decidiu suspender o ramo de testes com hidroxicloroquina por preocupação no uso da droga. Essa foi uma decisão de precaução. Com base nos dados disponíveis, os membros recomendaram que não há razões para suspender o protocolo de testes”, afirmou Tedros.

A suspensão durou 10 dias (o anúncio foi feito em 25 de maio). Os testes com a hidroxicloroquina serão retomados com 3.500 pacientes em 35 países, informou o diretor-geral. Vários especialistas do mundo inteiro já haviam se manifestado contra a metodologia de mineração de dados usada pela Surgisphere – empresa responsável por coletar números para o estudo. “A OMS está comprometida em acelerar o desenvolvimento de terapias eficazes, vacinas e diagnósticos [contra a covid-19]  como parte do nosso compromisso em servir o mundo com ciência, resolução de problemas e solidariedade”, complementou.

Hidroxicloroquina na Covid-19: a responsabilidade do médico e da instituição
Joberto Acioli *

Joberto Acioli é médico e advogado do Pessoa & Pessoa Advogados Associados

Resultados excelentes obtidos em laboratório com o uso da Hidroxicloroquina, com doses inalcançáveis em seres humanos, trouxeram a possibilidade teórica de sua utilização como tratamento de pacientes com a Covid-19. Este achado trouxe-nos a um cenário surreal onde todas as pessoas, mesmo sem nenhuma formação médica ou científica, sentem-se aptas a opinar e até mesmo decidir sobre o uso desta terapêutica, frise-se, experimental.

Medicamentos têm efeitos desejáveis e também efeitos prejudiciais, devendo este fato ser ponderado pelo médico ao intervir, já que, ao alterar ou ao não alterar o curso da doença em um paciente sob seus cuidados, o médico toma para si, e para a instituição ao qual é vinculado, alguma responsabilidade sobre o desfecho do evento.

A Hidroxicloroquina é uma droga de uso autorizado pela Anvisa para o tratamento de outras doenças. Seu uso, no cenário atual, é entendido como um uso off-label e experimental.

O SARS-Cov-2 é um novo coronavírus identificado como agente etiológico da pandemia de Covid-19. Pessoas que testam positivo para o vírus podem evoluir sem sintomas, desenvolver doença leve, moderada ou severa e, mesmo, vir a óbito.

Segundo a Organização Panamericana da Saúde (OPAS), mesmo sem nenhuma terapêutica específica, mais de 80% dos casos evolui para a cura, sem necessitar de internamento e sem usar nenhum medicamento específico[1]. Daí a dificuldade em se confirmar a eficácia de qualquer terapêutica sem um estudo científico adequadamente elaborado, não sendo cientificamente válidos, relatos de que “muitos pacientes” usando esta ou aquela medicação sobreviveram, já que mais de 80% também evoluiriam bem.

Direciona-se aqui o foco da discussão para a responsabilidade inerente ao médico ou à instituição que adota a prescrição da Hidroxicloroquina para seus pacientes e em que medida se encontram obrigados a ressarcir eventuais danos decorrentes desta tentativa de tratamento ou os danos decorrentes da não utilização deste fármaco.

Conforme já explicado, a prescrição de terapêutica específica no tratamento da Covid-19 é experimental, necessitando, obrigatoriamente, seguir a clara regulamentação contida especialmente no Capítulo XII do Código de Ética Médica (CEM) neste sentido. Nos Art. 100 e 101 e no Parágrafo Único do Art. 102.[2], está disposto que a autorização por órgãos competentes, a exemplo do Ministério da Saúde, é obrigatória, mas não suficiente.

Nos trechos supracitados, identifica-se ao menos três requisitos cumulativos necessários para o uso experimental de uma terapêutica em humanos, quais sejam: (i) a existência de protocolo aprovado, (ii) a aceitação por órgãos competentes e (iii) a obtenção de consentimento livre e esclarecido para a realização da pesquisa.

Ou seja, o médico não está autorizado a utilizar qualquer medicamento, de forma experimental, na dose que desejar e no momento que desejar!

Há critérios para esta e qualquer outra pesquisa com seres humanos e tais critérios precisam ser respeitados, de forma a preservar-se a dignidade da pessoa humana. Não é autorizada a livre prescrição de nenhum medicamento. Ao abrir mão destes limites, o médico torna-se, sim, vulnerável à responsabilização por eventuais resultados negativos decorrentes de sua conduta.

Também, levando-se em conta o princípio bioético da autonomia do paciente é obrigatória a anuência do paciente ao tratamento experimental, o que deve ser precedido de informação suficiente sobre efeitos colaterais do tratamento e possíveis resultados adversos, sem menosprezá-los ou majorá-los, incluídos os danos à visão e risco de arritmias letais.

Neste ponto cumpre lembrar, também, que nenhum médico é obrigado a prescrever a medicação experimental, sem respaldo científico para seu uso e sem reconhecimento, em nenhum país, como droga eficaz no tratamento da Covid-19.

O médico tem uma obrigação de meio, e não de resultado, devendo colocar à disposição do paciente todos os recursos, sem perder de vista que a cura não pode ser um compromisso, já que organismos vivos não respondem matematicamente, e resultados adversos podem ocorrer.

Em uma situação de dano ao paciente, será avaliada a responsabilidade do médico e da instituição à qual ele está associado e os fatos serão apurados conforme se mostram, de forma objetiva, cabendo que, no momento da prescrição, sejam avaliados de igual maneira, sem o açodamento nem emoções, dois inimigos de decisões médicas.

Outrossim, são frequentes as acusações de erro médico, pelo que se recomenda, fortemente, a aplicação dos Termos de consentimento para os vários atos médicos praticados no decorrer da relação médico-paciente. Esta formalização das explicações feitas mesmo para atos protocolares já arraigados é uma realidade à qual é preciso se ajustar e se acostumar.

[1] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875

[2] (É vedado ao médico:) ART. 100. Deixar de obter aprovação de protocolo para a realização de pesquisa em seres humanos, de acordo com a legislação vigente.

Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.

ART. 102. § único. A utilização de terapêutica experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes e com o consentimento do paciente ou de seu representante legal, adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis consequências.

Covid-19, hidroxicloroquina e a autonomia do paciente
Joberto Acioli *

Joberto Acioli é advogado e sócio do Pessoa & Pessoa Advogados Associados

Este texto trata da prescrição off-label da hidroxicloroquina para pacientes portadores da Covid-19, assunto que tem tomado um espaço muito amplo na mídia leiga e, também, nos comunicados entre profissionais e instituições na área da saúde, resultando em pressão para tomada de decisões que precisam ser objetivas. Reitera-se a necessidade e o âmbito do consentimento livre e esclarecido, tão necessário nesta, assim como em qualquer outra modalidade diagnóstica e terapêutica, um marco ao respeito à autonomia do paciente.

Mesmo em situações de calamidade e emergência cumpre que as decisões médicas sejam balizadas pela ciência. Ocorre que o extenso e intenso apelo da mídia tem nublado a objetividade das mentes pensantes e dificultado a ponderação adequada, influenciando, em um ou outro sentido, no pronunciamento e formação de opinião pelas autoridades de saúde.

A análise de como o tema tem sido exposto na mídia permite identificar o envolvimento de interesses os mais variados, no uso desta ou daquela forma de tratamento, por vezes deixando em evidência a intenção de barganhar com vidas para se obter dividendos políticos ou econômicos. E os agentes de saúde não podem se permitir envolver neste clima de campanha eleitoral ou ideológica, em defesa de causas outras que não a saúde daqueles sobre sua responsabilidade.

Vários estudos multicêntricos estão em curso no mundo, inclusive capitaneados pela Organização Mundial da Saúde[1], alguns organizados no Brasil[2], com alguns resultados parciais trazidos à tona, no entanto nenhum dos estudos até aqui realizados e publicados logrou apontar evidências comprováveis no sentido do que se possa esperar com o uso da hidroxicloroquina.

Outrossim, há evidência suficiente na forma de registro de milhares de mortes que têm ocorrido ao redor do mundo sem que ou governos de países – desenvolvidos ou não – todos com acesso à hidroxicloroquina, tenham sido capazes de conter estas evoluções severas ou fatais.

Sob outro ângulo, o da mídia eletrônica, amplamente acessível, de rápida e intensa difusão, há resultados isolados de êxito, nos quais não foi possível verificar o papel isolado da hidroxicloroquina na evolução, mas que tiveram grande apelo daqueles atingidos pelas notícias. Vale aqui ressaltar que Medicina, além da arte de tratar, é uma ciência; e que uma verdade científica não se forma com o número de vezes que um determinado fato é alardeado na mídia, mas com sua relevância e significado científicos.

Exatamente por isso, não pode o agente de saúde balizar sua decisão com relação ao paciente, tomando como parâmetro único aquela decisão que tomaria para si em uma mesma situação. Ao paciente deve também ser permitida tal escolha consciente e informada, tanto quanto possível à luz da situação.

É de se notar que, em discussões no meio médico, algumas vezes até de forma anedótica, tem sido difundida a opção de alguns médicos por serem tratados com a hidroxicloroquina, caso venha a receber o diagnóstico da Covid-19. E esta opção não se discute. É pessoal e tomada por um indivíduo supostamente bem informado. Mas cumpre que seja tomado o cuidado para que tal decisão não ultrapasse a pessoa do médico e seja utilizada para substituir a vontade do paciente.

Como qualquer medida terapêutica tomada fora de uma “situação de emergência”, cumpre que o paciente seja extensa e adequadamente informado sobre o que está sendo proposto e as opções disponíveis, ou ausência delas, de forma a permitir a tomada compartilhada de decisões sobre o tratamento.

Isto sob pena de responsabilização, do médico ou da instituição, por eventuais consequências deste resultado, ainda que, no balanço final, sejam positivos os resultados da decisão.

Tal particular, tal seja, a possibilidade de responsabilização do médico que prescreve, foi bem resumido nas palavras recentes do Ministro da Saúde[3]:

“No momento, o que a gente faz é disponibilizar para aqueles pacientes de gravidade média e avançada. A prescrição médica, o CRM, a caneta está na mão deles. Se quiser comunicar ao paciente dele, ‘olha, não tenho nenhuma evidência, acho que poderia usar esse medicamento, com tal e tal risco, podemos ter isso, e se responsabilizar individualmente, não tem óbice nenhum e ninguém vai reter receita de ninguém”.

Neste aspecto, por oportuno, vale trazer à luz o fato de que não se pode tomar como justificativa para a supressão da vontade do paciente a “situação de emergência” na saúde pública, pois esta não significa uma emergência naquele caso específico sendo tratado.

Tal premissa aplica-se, principalmente, mas não de forma exclusiva, aos pacientes em fase inicial da doença e, muito menos é aplicável, àqueles que não receberam confirmação do diagnóstico, encontrando-se, ainda, à espera de resultado de exames laboratoriais. Nenhuma emergência, qualquer que seja a definição utilizada, é vislumbrada nestes casos.

Os médicos e instituições devem organizar-se para fornecer informação adequada e obter o consentimento esclarecido dos pacientes e, quando indicado, de seus familiares e responsáveis, também no contexto da COVID-19, estejam estes pacientes inseridos no contexto de estudos clínicos ou não.

Tão ou mais importante que a obtenção do termo de consentimento esclarecido assinado pelo paciente é o próprio entendimento e aceitação da terapêutica proposta. E as ações para este esclarecimento devem estar registradas tanto no terno quanto no prontuário.

O esclarecimento deve incluir a ausência de evidências científicas para o uso de determinada terapêutica, as opções e alternativas disponíveis naquela realidade onde ele se encontra inserido, inclusive a possibilidade ou limitação para a utilização de medidas de suporte, que nem sempre estarão acessíveis, durante a evolução, que pode ser branda, moderada ou severa.

Principalmente, não podem ser suprimidas as possíveis complicações do uso deste fármaco, estas já conhecidas em dosagens habituais e ainda desconhecidas em doses máximas tais como preconizadas por alguns protocolos de pesquisa.

Sabe-se que, mesmo em doses habituais, há riscos para pacientes com cardiopatias, arritmias, patologias na retina, do fígado e dos rins. Também deve ser considerada a possibilidade de interações entre a hidroxicloroquina e outros medicamentos de uso diário e obrigatório pelo paciente.

O Ministério da Saúde[4] publicou as “Diretrizes Para Diagnóstico e Tratamento da COVID-19”, ratificando a NOTA INFORMATIVA Nº 6/2020-DAF/SCTIE/MS, de 1° de abril de 2020, que orienta sobre a possibilidade de uso do medicamento, em casos confirmados e, a critério médico, como terapia adjuvante no tratamento de formas graves, em pacientes hospitalizados, sem que outras medidas de suporte sejam preteridas.

Em 08.04.2020, houve deliberação, ainda não publicada, pela SESAB (Secretaria de Saúde do Estado da Bahia), no seguinte sentido: “a recomendação é que os pacientes hospitalizados recebam os medicamentos o mais precocemente possível após a internação[5]”.

Protocolos para uso da droga também estão sendo autorizados pelos governos dos estados do Piauí, Ceará e Pará[6].

Ainda que publicadas e confirmadas estas deliberações de órgãos do Executivo, elas não terão o condão de suprimir a necessidade de obtenção do consentimento, devidamente esclarecido, do paciente.

Daí a necessidade de preparo das instituições, com a elaboração de protocolos para fornecimento de informação acessível e suficiente, assim como a formatação de termos adequados para o registro desta decisão, compartilhada, pelo uso da modalidade de tratamento que, frise-se, ainda não se firmou como capaz de trazer resultados positivos e previsíveis para os doentes portadores da Covid-19.

[1] <In: https://www.who.int/dg/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-on-covid-19—23-march-2020>

[2] https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46669-ministerio-da-saude-acompanha-9-estudos-para-obter-novos-tratamentos-contra-coronavirus

[3] Coletiva de Imprensa _ 09/04/2020.

In: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/04/07/interna_nacional,1136634/mandetta-libera-medicos-a-prescrever-cloroquina-contra-coronavirus.shtml

[4] https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/07/ddt-covid-19.pdf

[5] http://www.saude.ba.gov.br/2020/04/08/bahia-autoriza-tratamento-que-associa-hidroxicloroquina-e-azitromicina-para-pacientes-com-coronavirus/

[6] https://www.pi.gov.br/noticias/governador-autoriza-compra-de-cloroquina-e-hidroxicloroquina-para-tratamento-da-covid-19/