Veja como grandes hospitais do Brasil usam inteligência artificial – e os efeitos para os pacientes
Gestão de leitos e centros cirúrgicos, análise de exames de imagem em tempo real para apoio ao diagnóstico e até monitoramento a distância de pacientes estão entre as principais aplicações da IA em unidades hospitalares

Publicado inicialmente no Estadão. Leia aqui.

(Foto: Site tctech.com.br)

Não tem como escapar. O uso da inteligência artificial (IA) nos hospitais brasileiros está se tornando cada vez mais imprescindível, não apenas para otimizar a gestão hospitalar, a eficiência operacional e aprimorar a assistência à saúde, mas também para melhorar a qualidade do atendimento ao paciente. O avanço tecnológico vem sendo implementado nas unidades hospitalares brasileiras há cerca de oito anos, com um salto nos últimos dois.

Levantamento feito no ano passado pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), em parceria com a Associação Brasileira de Startups de Saúde, procurou identificar quem usava essa ferramenta e quais os resultados alcançados. Dos 122 hospitais associados à Anaph na época, 45 responderam à pesquisa. Desses, 62,5% informaram que utilizam ou utilizaram a inteligência artificial de alguma forma e metade afirmou ter tido resultados práticos, enquanto 23% disseram que ainda não observou benefícios.

Uma das principais aplicações de IA informadas pelos hospitais da pesquisa é em chatbots de atendimento. Mas a ferramenta vai muito além disso e seu uso engloba áreas estratégicas de gestão de leitos e centros cirúrgicos; análise de risco de não comparecimento de indivíduos com exames agendados; análise de exames de imagem em tempo real para apoio ao diagnóstico e até mesmo no monitoramento à distância de parâmetros clínicos de pacientes com hipertensão arterial.

Estadão ouviu nove grandes hospitais brasileiros para saber de que maneira estão usando a inteligência artificial e quais os resultados obtidos até agora. Confira os principais exemplos.

Rede D’Or

Em 2020, a rede de hospitais iniciou as primeiras experiências em inteligência artificial, mas foi em 2022 que a IA começou a ser implantada de fato, especialmente na área de radiologia nas principais unidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. O setor é o que está mais avançado, especialmente para o auxílio no diagnóstico de doenças pulmonares.

Assim como outros hospitais, a Rede D’Or usa a ferramenta LUNIT para a interpretação dos exames de raio-X de tórax: o algoritmo faz a primeira leitura da radiografia e o radiologista realiza a segunda leitura, melhorando a assertividade da análise dos dados.

“Além disso, todos os hospitais possuem uma ferramenta de reconhecimento de voz para elaborar o laudo. O profissional de saúde dita o laudo, não precisa digitar, e a ferramenta transcreve o que ele está falando. Isso é uma inteligência artificial de processamento de linguagem natural para transformar a linguagem falada na escrita”, explica Rosana Rodrigues, pesquisadora do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR).

Além disso, uma ferramenta de IA está sendo treinada para detecção, caracterização e quantificação de doenças pulmonares, como a fibrose pulmonar e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Por enquanto, cerca de 100 mil imagens de enfisema pulmonar, de mais de 300 exames tomográficos, estão sendo trabalhadas para que a máquina possa identificar futuramente os padrões em suas análises, sendo capaz de indicar ausência ou presença de enfisema pulmonar, seus subtipos, sua extensão e estratificar os pacientes por gravidade.

Hospital Sírio-Libanês

A instituição utiliza inteligência artificial desde 2018, tanto para otimizar a eficiência operacional, quanto para melhorar a qualidade do atendimento ao paciente.

Segundo Ailton Brandão, médico cardiologista e pesquisador do laboratório de ciências de dados aplicada (DataLab), uma das bases para o sucesso do uso da ferramenta é a estruturação de uma estratégia de dados robusta – já que a qualidade dos modelos desenvolvidos de IA dependem fundamentalmente da qualidade das informações que são inseridas. “E sempre com políticas rigorosas de privacidade e segurança. Quando falamos em saúde, precisamos de ainda mais cautela”, diz.

Um dos modelos de IA em funcionamento há mais tempo no hospital é a “Agenda Inteligente”, criada com o objetivo de reduzir o “no-show” de pacientes em exames de imagem agendados – especialmente os de ressonância magnética. De acordo com Antonildes Assunção, médico cardiologista e cientista de dados do hospital, a ferramenta correlaciona uma série de informações do paciente que agenda o procedimento, como endereço e a distância da residência dele até a unidade hospitalar, qual o convênio médico ou se o exame será feito particular, qual a profissão, entre outros indicadores. Tudo isso ajuda a calcular o risco de o paciente faltar ao exame.

Quando o risco se mostra aumentado, entra em ação a parte humana para evitar a ausência: uma das estratégias é ligar para a pessoa e não depender somente da confirmação por e-mail ou mensagens no celular.

“Com essa ferramenta conseguimos reduzir em 20% o ‘no-show’ numa área de alto custo do hospital, que são os exames de imagem. Além de produzirmos informação com mais qualidade, conseguimos definir estratégias mais eficientes para ocupação desse horário por outras pessoas. Isso reduz custos para o hospital e melhora a experiência do paciente”, avalia Assunção.

Outra ferramenta de IA em uso no Sírio-Libanês é a que acelera a realização dos exames de imagem (ressonância magnética), reduzindo o tempo do paciente dentro da máquina. Segundo Assunção, o algoritmo consegue compor a imagem mais rapidamente e com a mesma qualidade – o que gerou uma eficiência de 20% na realização dos exames. “Conseguimos reduzir o tempo do paciente dentro da máquina e liberamos o equipamento mais rápido. É um exame cuja eficiência aumentou muito”, explica.

Além disso, um segundo algoritmo analisa as imagens capturadas antes do médico olhar, avaliando possíveis riscos de hemorragia cerebral, por exemplo. “Além de automatizar o processo, antes essa análise dependia exclusivamente do olhar humano”, ressalta Brandão. “Não tenho dúvidas de que a presença da IA nos hospitais é uma tendência. Essa é uma área que reduz custos operacionais, oferece suporte diagnóstico aos médicos e melhora a experiência do paciente”, diz.

Hospital Alemão Oswaldo Cruz

A unidade vem incorporando iniciativas de desenvolvimento e aplicação de inteligência artificial desde 2021, por meio de conexões com diversas startups.

Um dos projetos de IA envolve a criação de um sistema de score de saúde utilizando ‘Processamento de Linguagem Natural’ (PLN) para analisar informações não estruturadas nos prontuários dos pacientes submetidos a check-ups. Isso possibilita uma avaliação abrangente da saúde dos indivíduos e uma visão populacional para as empresas clientes do serviço.

A ideia de estabelecer um score (e consequentemente a classificação de maior risco) é dar uma visão global da saúde do paciente e evitar um cuidado fragmentado.

Nesse projeto, um dos principais indicadores é o número de potenciais pacientes beneficiados com a aplicação da IA. Por exemplo: em uma única empresa cliente do serviço de check-up foram triados 291 pacientes utilizando a inteligência artificial. Destes, mais de 28% foram identificados como de maior criticidade, incluindo casos de pacientes crônicos e com histórico de eventos de alta complexidade. Essa análise individualizada permite uma intervenção mais rápida e precisa de quem demanda maior atenção, resultando em benefícios diretos e indiretos tanto para o paciente quanto para a empresa.

O risco de uma crise nos hospitais privados
Adelvânio Francisco Morato*

Adelvânio Francisco Morato é Presidente da Federação Brasileira de Hospitais

A capacidade do Sistema de Saúde está sendo colocado à prova a cada semana que passa e cresce o número de casos de Coronavírus Covid-19 no país. Estados e municípios têm feito todo o esforço possível para aumentar a estrutura de atendimento da rede pública, que enfrenta o desafio de ter que continuar absorvendo os pacientes de casos usuais, e ter suporte para atender aqueles contaminados pela nova doença. E dentro desse cenário, a rede hospitalar privada tem, na medida do possível, reunido recursos para ajudar o SUS. Diariamente, a imprensa relata novas ações, como pesquisas de medicamentos sendo feitos em hospitais privados, parcerias para abertura de leitos, doação de equipamentos e insumos, entre outras iniciativas.

Contudo, uma parcela relevante da rede privada hospitalar sofre com as consequências que o Coronavírus vem provocando. O cenário é tão preocupante que muitos hospitais de pequeno e médio porte especulam o risco de fecharem as portas durante essa crise, pois os gastos dispararam, mas as receitas estão em queda. Houve a necessidade de investir em treinamento, pois o atendimento aos pacientes contaminados exige cuidados diferenciados. Também existe uma incapacidade em diversas unidades de reposição de estoque devido à dificuldade financeira. Os insumos estão sendo utilizados em grande quantidade e a reposição demanda recursos que muitos não dispõem.

Para piorar, a epidemia tem inflacionado o mercado de insumos hospitalares. Alguns itens chegam a registrar um aumento de mais de 400% no valor do seu preço. Segundo levantamento da FBH, há hospitais que compravam, antes do surto da doença, uma caixa com cem luvas por R$ 16,65 e agora compram por R$ 22,50. A unidade de álcool gel, que antes era vendida por R$8,50 a unidade, agora sai por R$ 24,90. Mas o que mais chama a atenção é o salto no valor de um caixa máscaras com 150 unidades, que antes eram compradas por R$ 5,20 e agora os preços chegam a variar de R$ 40,00 a R$ 80,00.

Esses preços estão fora da realidade das unidades de pequeno porte, que não têm escala para negociar valores com os fornecedores e ficam numa situação difícil: ou se endividam para ter os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) ou ficam sem itens básicos para a segurança de seus profissionais e dos próprios pacientes. Por isso, a Federação vem defendendo a criação de uma linha de crédito para essas compras, bem como que haja a autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na ANVISA, em especial os que servem ao diagnóstico e tratamento de pacientes crônicos e os que protejam os prestadores de serviços de serviço na área saúde.

Há também a suspensão de procedimentos eletivos que têm acontecido em todo o país, resultado direto da política de quarentena. Sabemos que a saúde de muitos pacientes depende da realização de exames e cirurgias que têm sido adiadas, situação esta que também afeta diretamente a sustentabilidade de muitos hospitais. Essas unidades estão registrando perda de receita devido à queda no volume desses procedimentos. Há hospitais no Rio em que o volume de procedimentos médicos caiu 90%. No Ceará, a redução chega a 80% e em Goiás, metade dos procedimentos foi cancelada. Essa baixa demanda ocorre porque tanto as operadoras de planos de saúde quanto o SUS estão cancelando cirurgias, exames e consultas eletivas. Soma-se a isso a elevação dos custos, forma-se um cenário nada animador para a sustentabilidade dos hospitais.

E o que talvez a sociedade desconheça é que a rede privada vem registrando um achatamento nos últimos dez anos. Quase 67% dos hospitais fechados estão em municípios afastados dos grandes centros. No desafio de se manter sustentável, são os estabelecimentos de pequeno e médio porte que mais enfrentam dificuldades para sobreviver. Prova disso é que eles representam quase 95% do total de fechados.

É imprescindível que o Governo esteja aberto a ouvir o que a rede privada vem pleiteando e, principalmente, que tenha a percepção de como o agravamento de uma crise no setor vai provocar impactos direto no atendimento do SUS. No interior, não são raros os hospitais privados que também são a referência de atendimento, inclusive para pacientes da rede pública. O fechamento desses estabelecimentos vai provocar uma sangria no sistema de saúde, que já sofre cronicamente com a falta de leitos. E isso pode acontecer no pior momento possível para o país.