Indígenas têm menos acesso à vacinação contra covid-19, diz pesquisa
Total fica quase 30 pontos abaixo do de outros grupos da população

Da Agência Brasil

Apenas 48,7% da população indígena com mais de 5 anos de idade que vive em municípios com distritos sanitários especiais indígenas (Dsei) tinham recebido o esquema primário de vacinação contra a covid-19 até 1º de março do ano passado, revela estudo conduzido por diversas instituições e disponibilizado na internet em formato preprint. Conclusões de trabalhos divulgados nesse formato são consideradas preliminares porque ainda não foram revisadas por cientistas não envolvidos na pesquisa.

O total de indígenas imunizados com duas doses ou dose única das vacinas contra covid-19 era quase 30 pontos percentuais mais baixo que o da população não indígena, que chegava a 74,8%.

O estudo foi conduzido por pesquisadores do Centro de Integração de Dados em Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), junto com a London School of Hygiene and Tropical Medicine, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade São Paulo (USP), a Universitat Pompeu Fabra (Barcelona), a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Para o cálculo do percentual de cobertura vacinal, a população indígena nos Dsei foi estimada em cerca de 600 mil pessoas, das quais 389 mil receberam apenas uma dose (65%) e 291 mil foram consideradas com imunização básica completa. O esquema básico ou primário de vacinação não inclui nenhuma das doses de reforço, consideradas essenciais para manter imunidade duradoura contra a covid-19.

O artigo pondera que a cobertura vacinal calculada, porém, pode estar superestimada, inclusive porque o próprio governo calcula uma população indígena cerca de 10% maior nesses distritos (657 mil pessoas). Além disso, os pesquisadores lembram que há pessoas indígenas que vivem fora dos Dsei, o que impede generalizações dos resultados para toda a população indígena do Brasil.

“Baixas coberturas vacinais em muitas comunidades indígenas compostas por apenas algumas centenas de pessoas podem também ameaçar sua continuidade cultural, uma vez que a covid-19 afeta mais as pessoas mais idosas, e elas são as principais responsáveis pela transmissão cultural entre gerações”, alerta o estudo.

Uma das responsáveis pela pesquisa, Julia Pescarini, do Cidacs/Fiocruz, lembra ainda que a população indígena é mais jovem que a população brasileira em geral, com menor percentual de idosos.

“O adulto tem mais locomoção e maior possibilidade de caminhar até uma cidade mais distante e se vacinar. Agora, uma pessoa com mais de 60 anos, tem muito mais dificuldade de chegar às cidades e se vacinar. Isso explica também porque a vacinação é menor”, disse Julia.

A pesquisadora chama a atenção ainda para a cobertura vacinal das crianças de 5 a 9 anos. Em 1º de março de 2022, somente 2,6% na população indígena dos Dsei nessa faixa etária havia recebido a primeira dose, enquanto a média no Brasil era de 40,7%.

Os pesquisadores avaliaram também a efetividade das vacinas na população indígena. Para tanto, foi acompanhado um grupo de indígenas com mais de 5 anos vacinados entre 18 de janeiro de 2021 e 1º de março de 2022 e calculada a taxa de proteção contra casos sintomáticos, mortalidade e hospitalização.

Uma preocupação dos pesquisadores era a possibilidade de deficiências nutricionais prejudicarem a resposta imunológica dos indígenas à vacinação, mas os dados mostraram um desempenho similar das vacinas ao observado na população não indígena.

Julia sustenta que o monitoramento tem que ser contínuo. “Este era um alerta em março, mas é ideal que o monitoramento seja feito de forma constante para ver em quais populações é preciso fortalecer o sistema de vacinação”, disse a pesquisadora.

“O que se vê de forma geral com a covid-19 é que existe uma iniquidade por raça, posição socioeconômica, e com a população indígena, não é diferente. A população indígena, a população negra, a população das favelas têm mais dificuldades, mesmo em centros urbanos, de acessar a vacinação”, disse a pesquisadora.

Ministério inicia diagnóstico sobre saúde Yanomami
Equipe foi a Roraima para restabelecer acesso de indígenas à saúde

Da Agência Brasil

Já se encontra em Roraima a equipe do Ministério da Saúde encarregada de elaborar um diagnóstico sobre a situação da saúde dos indígenas que vivem no território Yanomami. Em nota, a pasta informou que a expectativa é que, após o levantamento, sejam definidas “ações imediatas para superar a crise sanitária” pela qual passa a população local.

“Nos últimos anos, a população Yanomami passou por desassistência e dificuldade de acesso aos atendimentos de saúde. Casos de desnutrição e insegurança alimentar, principalmente entre as mais de 5 mil crianças da região, foram registrados”, destaca o ministério.

De acordo com a pasta, há também relatos de profissionais de saúde sobre “falta de segurança e vulnerabilidade” para dar continuidade aos atendimentos, em especial de assistência médica aos indígenas.

A situação tem sido denunciada também pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR). Em abril do ano passado, a entidade entregou ao então ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, uma carta assinada por lideranças indígenas que descrevia um “cenário de guerra” na região, com morte de crianças pelos mais diversos motivos. As lideranças denunciaram também o desvio de verbas que teriam como destino a saúde indígena.

“Denunciamos, especialmente, o absoluto colapso da saúde indígena dos povos Yanomami e Yekawana que vivem um cenário de guerra, com morte de crianças de desnutrição e de malária, a desassistência para remoção e resgate de indígenas”, diz a carta ao relatar, também, “falta de coordenação entre os entes federados para o devido atendimento e proteção da saúde indígena, e o desvio de verbas destinadas à saúde indígena Yanomami”.

Primeiro passo

Segundo a atual equipe do Ministério da Saúde, a missão enviada ao território Yanomami, onde vivem mais de 30,4 mil habitantes, é o “primeiro passo” de uma nova estratégia do governo federal para, em parceria com a sociedade civil, restabelecer o acesso à saúde de qualidade dessa população.

“Os técnicos analisarão a situação saúde na região, dos atendimentos prestados e insumos disponíveis, para mapear as demandas e necessidades de saúde da população. Com esses dados, o Ministério da Saúde vai elaborar um diagnóstico completo sobre o território indígena e definir as ações imediatas que precisam ser tomadas para superar a crise sanitária e fortalecer a atenção ofertada pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami”, informou o ministério.

Ainda segundo a pasta, duas equipes técnicas estão na região. Uma delas está em Boa Vista, trabalhando com o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami, a Casa de Saúde Indígena (Casai), Secretaria Estadual de Saúde de Roraima e Secretaria Municipal de Saúde de Boa Vista.

“A outra, chamada equipe de campo, vai se deslocar entre os polos base de Surucucu e Xitei. O acesso a essas regiões é difícil e, em parte, só acontece pela parceria com o Ministério da Defesa”, acrescentou.