Os efeitos colaterais da pandemia nos hospitais privados
Suspensão de cirurgias eletivas afeta a saúde financeira de hospitais que podem ter leitos fechados

Hospitais não tem como cobrar do SUS ou das operadoras de saúde os valores gastos com tratamento de pacientes de coronavírus

 

Por Elenilce Bottari/ Agência de Notícias EuroCom

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, orientou hospitais a suspenderem temporariamente a realização de cirurgias eletivas em todo o país. A receita prescrita pelo ministro para garantir a disponibilidade de leitos de internação no enfrentamento da doença, no entanto, traz um grave efeito colateral para a saúde financeira dos hospitais privados. Eles respondem por 63% dos cerca de 420 mil leitos de todo o país, mas, com a suspensão de parte de suas receitas, muitos correm o risco de entrar em colapso e fechar vagas de internação antes mesmo do pior momento da pandemia, previsto para os próximos meses.

Levantamento feito pela Federação Brasileira de Hospitais (FBH) revela que a rede privada já começa a sentir os efeitos da medida. A ociosidade no Rio de Janeiro, que tem uma das maiores redes hospitalares do país, já alcança 90%. No Ceará, a demanda por serviços caiu 80%.

“Nós entendemos que a atitude do governo é assertiva e que não tem outra maneira de frear a pandemia que não seja o isolamento social. Mas a grande preocupação da federação são os pequenos e médios hospitais, até mesmo, alguns grandes. Eles não têm uma estrutura econômica para suportar a suspensão de suas cirurgias eletivas e outros procedimentos que fazem parte de sua rotina e garantem a receita necessária para manter a máquina funcionando”, avalia o presidente da FBH, Adelvânio Francisco Morato.

Segundo o dirigente, os hospitais têm um “preço fixo” que garante o seu quadro permanente de profissionais e seu custeio operacional.

“Independentemente de haver 10, 20 ou 50 pacientes, o custo para manter a estrutura funcionando é o mesmo, não vai mudar. São os profissionais que fazem com que toda a cadeia produtiva do hospital funcione. Estes profissionais representam cerca de 50% dos custos destes hospitais. Com a suspensão destes procedimentos, vivemos hoje um risco de desospitalização. E isto, a médio prazo, poderá levar ao fechamento de leitos e ao encolhimento da rede em um momento crucial para a população”, avalia Morato.

Para ele, a situação é preocupante e precisa ser revista.

“Existe uma frase que define bem o problema e é preciso que se diga: o coronavírus vai causar mais falidos do que falecidos. Isto porque a estrutura hospitalar brasileira de pequeno e médio portes não têm como suportar a suspensão de suas receitas. E não estamos falando da Avenida Paulista, mas dos interiores deste Brasil continental. É muito difícil falar da questão financeira num momento como este, mas somos heróis, somos médicos. As pessoas que mais pagam tributos neste país. E quando esta pandemia acabar, e ela vai passar, não vamos ter rede hospitalar suficiente para atender a população nos seus devidos municípios e estados”, explica Morato.

Dados do SUS dão uma ideia do volume de perdas. Somente em janeiro, antes do início da crise, foram realizadas 181 mil cirurgias eletivas no país, que responderam por 20% do total de procedimentos médicos realizados.

A recomendação do ministério da Saúde atinge também as consultas ambulatoriais que estão sendo drasticamente reduzidas. De acordo com a Agência Nacional de Saúde, em 2018, foram 2.844.285.716 atendimentos ambulatoriais feitos aos pacientes de planos de saúde.

Morato alerta para outro efeito colateral que a suspensão dessas rotinas pode provocar:

“Sabemos que cerca de 80% de consultas médicas são relacionadas a doenças crônicas. A mudança na rotina vai afetar diretamente a saúde destes pacientes que precisam ir regularmente ao médico. São pessoas com diabete, hipertensão, entre outras doenças que, se não tiverem suas doenças sobre controle, engrossarão as fileiras dos grupos de risco. Neste momento, tão importante quanto o isolamento social, é priorizar a saúde da população”, alerta o médico.

FALTA DE INSUMOS DE PROTEÇÃO E DE KITS DE DIAGNÓSTICO AGRAVAM CRISE

O presidente da FBH alerta que hospitais enfrentam desabastecimento e hiperinflação no custo de insumos

Enquanto assiste ao encolhimento de suas receitas, a rede privada de hospitais enfrenta também outro efeito colateral da pandemia:  o desabastecimento e a alta de preços de insumos básicos. Desde a confirmação do primeiro caso de coronavírus em 26 de março, os hospitais têm dificuldade para comprar materiais como máscaras, aventais e álcool em gel. Segundo pesquisa da FBH, alguns destes insumos aumentaram em até 400 %.

“Quando falamos de pandemias em um hospital, são fundamentais os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) dos nossos profissionais, mas estes insumos não estão chegando aos nossos hospitais.  Os governantes tinham que olhar isto. Os equipamentos estão aumentando 300 a 400%.  Uma caixa de máscaras que você compra a R$ 4,60, hoje ela está custando até R$ 80 e você não encontra para comprar. A unidade de álcool em gel saiu de R$8,50 para R$ 24,90 e virou motivo de briga nas redes de supermercados. As pessoas compram de forma indiscriminada e não há controle, o que provoca desabastecimento na rede hospitalar.  Uma caixa com cem luvas que custava R$ 16,65 e agora sai por R$ 22,50.  Onde estão os órgãos de controle que deveriam estar fiscalizando isto?”, questiona Morato.

Segundo Morato, embora respondam pela maior parte da rede, os hospitais particulares também ficaram de fora da distribuição de kits de diagnósticos:

“Nos Estados Unidos, o presidente Trump fez um exame e gastou um dia para ter o diagnóstico, ou seja, nem mesmo eles estavam preparados para isto. A China consegue este resultado em 20 minutos. A Fiocruz está constituindo estes kits e alimentando os hospitais públicos de referência que o Ministério da Saúde colocou em todos os estados. Mas quando estamos falando de pandemia não existe público ou privado. Somos todos hospitais. Então não pode ter esta diferenciação.  Não adianta eu ter uma suspeita, se eu não tiver condições de concretizar o diagnóstico. E precisamos disto para ter o controle da pandemia”, observa o presidente da FBH.

Enquanto aguarda por um cronograma de ação que garanta condições mínimas para o enfrentamento da doença, a rede privada enfrenta ainda outro problema. Até o momento, a Agência Nacional de Saúde Suplementar ou mesmo o governo federal não definiram qualquer mecanismo para que hospitais privados possam cobrar a conta dos atendimentos dos pacientes de coronavírus que já estão sendo atendidos pela rede:

“O governo não estipulou qualquer mecanismo para cobrança, não existe um código que os hospitais possam lançar no sistema para cobrar das operadoras de saúde ou mesmo do SUS esta conta. E não podemos deixar de atender a um paciente que chega com suspeita de coronavírus”, reclama o presidente da FBH.

A federação vem participando de inúmeras reuniões com o governo federal e as secretarias estaduais, mas até o momento não houve qualquer definição para a rede privada:

“O governo precisa desonerar a folha de funcionários e a tributação destes hospitais, precisa facilitar a chegada destes kits de diagnósticos e de EPIs. Precisamos de condições de trabalho, de equipamentos de EPIs, de kits de diagnósticos e de respiradores. Precisamos todos estar prontos para o turbilhão que ainda está por vir”.