Reduzir a litigiosidade é desafio para o judiciário brasileiro
Webinar realizado pela ANDES debateu as causas e consequência do elevado número de processos que atolam os tribunais

 

 

Da Redação

Um dos grandes desafios do judiciário brasileiro é reduzir o congestionamento de processos que os tribunais enfrentam. São mais de 77 milhões de ações judiciárias em tramitação na Justiça que expõem um cenário de elevada litigiosidade que alcança os tribunais. Na avaliação de juízes e advogados que participaram do webinar “Litigiosidade na Justiça Brasileira – Causas e Consequências”, promovido nesta quinta-feira (17) pela Associação Nacional de Desembargadores (ANDES), é preciso rever aspectos que estimulam essa judicialização, que traz enormes prejuízos para o país, como a lentidão na tramitação de processos e a elevação de custos do judiciário. Participaram da mesa virtual o presidente da ANDES, o desembargador Marcelo Buhatem, o juiz federal Roberto Veloso, o juiz do TJ-SP Felipe Viaro e os advogados Maucir Fregonesi e Luciano Timm.

Para todos os participantes, sem dúvida nenhuma, diminuir o alto grau da litigiosidade é um dos principais desafios do sistema judiciário. O presidente da ANDES observou que, por mais eficiente que a Justiça possa ser, a enorme quantidade de processos que chegam anualmente aos tribunais explica a imagem de lentidão que a população tem da Justiça. “Não é razoável que o tempo médio de duração de um processo seja de cinco anos e dois meses. Isso demonstra a inaplicabilidade efetiva dos princípios da eficiência e da celeridade processual”, afirmou Buhatem, que questionou a razão desse alto grau de litigiosidade.

Na avaliação do advogado Luciano Timm, o país apresenta um sistema judiciário que incentiva esse comportamento. Ele observou que se fosse uma questão cultural, outros países, como os Estados Unidos, em que a história foi marcada por diversos momentos de enfrentamento, teriam que ser mais litigantes. No entanto, não os são. Ele citou o exemplo da Justiça do Trabalho, que, com a reforma realizada, modificou alguns incentivos e teve como resultado a queda de 40% de litigância.

De uma forma geral, as pessoas veem como vantajosa a litigiosidade. Isso fica exposto em uma pesquisa citada por Timm, que apontou os principais motivos do litígio. Entre eles está o baixo custo de um processo, as pessoas avaliam que barato iniciar uma ação na justiça. O juiz Felipe Viaro citou o exemplo dos processos de execução de documento, em que 96% das ações tramitam em gratuidade, sendo que apenas 20% alcançam sucesso. “Entretanto, há um impacto econômico, pois a Justiça precisa de todo um aparato que consome recursos para atender toda essa demanda”, observa Viaro.

Outros dois motivos presentes na pesquisa citada por Timm, são a perspectiva de ganho, o que faz o indivíduo torcer para que possa processar e o uso instrumental, quando uma das partes vai a justiça, como forma de ganhar tempo e não para resolver a situação. Rever as questões das custas processuais, permitir que a prova possa ser feita fora do judiciário e estabelecer a norma de que juízes e advogados sigam os precedentes são, para o advogado, medidas fundamentais para mudar o cenário. “O anglossaxão não entra na justiça contra um precedente já existente, pois ele já sabe qual vai ser a decisão. No Brasil, isso não acontece, pois nem sempre as decisões seguem os precedentes”, observa.

O advogado Maucir Fregonesi destacou o peso da área tributária para a taxa de congestionamento dos tribunais. Segundo o CNJ, cerca de 39% dos processos pendentes de julgamento são de execução fiscal. “Em matéria tributária, a judicialização traz um elevado fator de insegurança jurídica e isso, para atividade empresarial, é muito caro”, relata.

Ele avalia que situações de má interpretação da legislação e a complexidade próprio sistema tributário contribuem para disputas no judiciário. “Temos em nosso ordenamento jurídico um sistema tributário extremamente rígido, m que tudo que pode ser instituído por qualquer ente tributante (união, estado ou municípios) está na constituição federal e qualquer deslize do legislador infraconstitucional há um risco muito grande de uma ação de inconstitucionalidade”, explica.

Entretanto, Fregonesi aponta que o ente tributante, muitas vezes, se vale de algumas normas que, mesmo em uma análise de sua comissão jurídica, poderia ter alguns indícios de resvalar em inconstitucionalidade, mas ainda assim o órgão público prefere instituir a lei naqueles termos. “Ele sabe que grande parte dos contribuintes não questionarão aquele tributo”, relata o advogado.

Tecnologia como aliada

A tecnologia tem sido uma importante aliada da Justiça no objetivo de dar mais celeridade a tramitação dos processos. O juiz Roberto Veloso apontou inciativas como a digitalização de processos e o uso de Inteligência Artificial (IA). Um exemplo é o tribunal em que ele mesmo atua, que está em um estágio avançado no funcionamento no uso de IA. Com a digitalização e migração para o sistema eletrônico, a IA será capaz de fazer a triagem dos processos, o que facilitará a percepção das demandas repetitivas. No Supremo Tribunal Federal, está sendo implantado um sistema para facilitar o recebimento, provimento e análise dos recursos. “O maior beneficiário da racionalização de recursos e adoção das tecnologias será o cidadão”, afirma Veloso.

Também partidário da incorporação da incorporação da tecnologia no dia a dia da justiça, Viaro avalia que é preciso estimular a reprodução de boas práticas realizadas nos tribunais, principalmente quando resulta em mais celeridade. “Há agentes que se aproveitam da morosidade do sistema para postergar ainda mais o andamento de um processo”, critica.

Cultura do litígio aumenta os custos do Judiciário e lota os tribunais com milhões de processos
Em live sobre conciliação, presidente da ANDES alertou que sistema judiciário pode colapsar se não houver mudanças

 

Da Redação

O presidente da ANDES, Marcelo Buhatem, e o desembargador Werson Rêgo na live sobre conciliação

É preciso mudar a cultura do litígio no Brasil. Essa é a avaliação do presidente da Associação Nacional de Desembargadores (ANDES), Marcelo Buhatem, e do desembargador Werson Rêgo, da 25ª Câmara Cível Consumidor do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Durante a live sobre Conciliação promovida pela ANDES, nesta quinta-feira, no Instagram, ambos concordaram que há um entendimento da sociedade de que apenas ações judiciais podem garantir o direito à Justiça.

 

Como consequência, o Judiciário enfrenta o desafio de ter que atender mais de 78 milhões de processos, além de inflar os custos de um setor que já sofre com a falta de recursos.

“Um processo no Brasil custa entre R$ 3.500 e R$ 4.300. Se nada for feito e a demanda continuar crescendo, não haverá recursos suficientes para que o judiciário atenda todos os processos. Haverá um colapso de todo o Sistema”, alertou o presidente da ANDES.

A solução, na avaliação dos dois, é fazer com que a população entenda que há meios adequados de prestação de justiça, além do próprio judiciário, que deveria ser a utilizado para pacificar conflito de interesses que não pudessem ser resolvidos pelos métodos extrajudiciais. “Há um sentimento de litigiosidade muito grande e a sociedade foi estimulada a isso. O estado, por muito tempo, exerceu um papel paternalista e não ajudou a desenvolver um senso de responsabilidade no cidadão”, ponderou o desembargador.

O presidente da ANDES apontou que a solução através do diálogo também traz benefícios para as partes, como economia de tempo e dinheiro, já que serão menos gastos com honorários dos advogados e com as custas judiciais, além de um menor desgaste emocional. “Incentivar a resolução de conflitos por métodos extrajudiciais é salutar para o sistema judiciário e para toda a sociedade”, afirmou Buhatem, que defendeu a proposta de estabelecer como condição para processos de menor complexidade, de até 40 salários mínimos, que o autor prove que tentou primeiro uma solução extrajudicial com quem provocou o prejuízo.

O desembargador da 25ª Câmara Cível lembrou o caso de um processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal que se tratava de uma cobrança de R$ 300. Esse julgamento, na mais alta corte do país, é uma demonstração de como os tribunais são demandados por conflitos que deveriam ser resolvidos extrajudicialmente. Werson avalia que seria fundamental que o juiz, quando houvesse a petição inicial, questionasse se houve tentativa comprovada de se resolver a situação antes de judicializar. Ele citou como exemplo a própria Câmara em que atua.

O desembargador explicou que a 25ª Câmara Cível se apoia na teoria do desvio produtivo do consumidor, que é exatamente o reconhecimento de que a tentativa da parte de resolver o problema diretamente com o fornecedor, quando infrutífera por descaso do fornecedor, ao ser levada ao judiciário, merece uma compensação autônoma. “A perda de tempo do consumidor para resolver a situação extrajudicialmente é causa eficiente de um dano de natureza extrapatrimonial, então o juiz vai lá e penaliza aquele fornecedor que deveria ter sido eficiente na solução do problema”, explicou.

Por outro lado, quando não há nenhuma evidência de que o consumidor procurou resolver o problema diretamente com o fornecedor, não sendo o caso de atingimentos de atributos da sua personalidade, a Câmara entende que não há dano moral. “É uma maneira objetiva que encontramos para mostrar que queremos estimular a solução extrajudicial”, destacou.

Ambos também destacaram que o advogado tem um papel fundamental para essa mudança de cultura. Entretanto, Werson observou que ainda há uma deficiência na formação dos profissionais de Direito, pois faz pouco tempo em que as universidades passaram a inserir nos currículos os métodos extrajudiciais de resolução de conflito. O desembargador lembrou que a ideia transmitida era a de competição nos tribunais, em que os advogados seriam adversário e um deveria vencer o outro. “Agora, o advogado está aprendendo que é um facilitador do diálogo, que ele faz parte do Sistema de Justiça e que também precisa contribuir para que se tenha uma sociedade harmonizada e pacificada”, explicou.

Webinar vai debater o Orçamento Judiciário
Evento promovido pela ANDES será transmitido no YouTube

 

 

Da Redação

A Associação Nacional de Desembargadores (ANDES) promove na sexta-feira, às 17h, webinar Orçamento do Judiciário: Exigências Constitucionais, Sociais e Limitações Fiscais. Vão participar o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas; o ex-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), desembargador Henrique Calandra; o ex-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Nelson Missias de Morais; o presidente da ANDES, desembargador Marcelo Buhatem e o diretor cultural da ANDES, desembargador Rógerio de Oliveira.  O evento será transmitido no Youtube, através do link https://youtu.be/ReX4OscKMug.

Perspectivas do “novo normal” no Judiciário provoca incógnitas
Webinar promovido pela ANDES debateu se a Justiça manterá o trabalho remoto pós-pandemia

Marcelo Buhatem, Rogério de Oliveira, Felipe Deiab e Sérgio Cavalieri discutiram sobre o futuro do Judiciário

 

A crise provocada pelo novo coronavírus provocou reflexos em todos os setores da sociedade. No Judiciário, por exemplo, conhecido por sua estrutura tradicional e secular, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), regulamentou a realização de sessões virtuais ou audiências por videoconferência durante o período da pandemia por Covid-19. Mas será que esse cenário permanecerá mesmo após o fim da pandemia, como será o “novo normal” do Judiciário.  Essas questões foram discutidas em webinar realizado na tarde desta sexta-feira (07), promovido pela Associação Nacional de Desembargadores (ANDES). No debate, que teve a participação do presidente da ANDES, Marcelo Buhatem, do desembargador aposentado e ex-presidente do TJRJ Sérgio Cavalieri, do procurador do TCE/RJ Felipe Deiab, além do desembargador e diretor cultural da ANDES, Rogério de Oliveira, pode-se observar que há quem considera que os julgamentos virtuais chegaram para ficar, mas também os defensores da retomada da rotina antes da Covid-19.

Cavalieri, por exemplo, acredita que o “novo normal” do Judiciário passa pela manutenção de audiências virtuais e do trabalho remoto. Para ele, a solução implementada para manter os tribunais em funcionamento não será apenas algo pontual de uma necessidade momentânea, mas sim um novo modelo de trabalho que vai permanecer. “Não defendo o afastamento total do juiz da comarca, mas não será necessário que ele esteja presente todos os dias. A tecnologia da informação nos trouxe facilidades que a Justiça precisa aproveitar”, defendeu.

O desembargador aposentado elogiou o desempenho do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no atual momento e destacou que isso é resultado de um trabalho que já vinha sendo feito ao longo de várias gestões, que perceberam como era importante informatizar o judiciário. “Investiu-se em tecnologia e, por isso, a Justiça estava preparada, apesar de nunca ter se imaginado que enfrentaríamos uma pandemia como essa”, relata Cavalieri, que foi presidente do TJRJ de 2005 a 2006 e lembra que havia muita resistência contra o projeto de informatizar os tribunais. “Sempre dissemos que era um caminho sem volta”, relembra.

Buhatem reforçou os elogios à eficiência do Judiciário nos últimos meses e destacou que somente o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) despachou mais de 255 mil processos desde março. Entretanto, ele vê com ressalvas a perspectiva de se manter julgamentos virtuais ou trabalho remoto de juízes mesmo após o fim da pandemia. Nessa discussão, o presidente da ANDES avalia que é preciso considerar que vivemos em um país de tamanho continental, onde em muitos municípios a presença física do juiz é a própria representação do Poder Judiciário, fator este que não tem o mesmo valor nos grandes centros.

“Os julgamentos por vídeo conferência e o trabalho remoto dos magistrados foram as opções viáveis para assegurar o direito à Justiça. Mas é preciso pensar com cuidado como balancear isso quando essa crise passar”, pondera.

Deiab concordou com a avaliação do presidente da ANDES. Segundo ele, é preciso reconhecer que a informatização da Justiça foi fundamental para que os processos não parassem. “Entretanto, faz falta o contato presencial, pois a letra fria muitas vezes esconde a vida como ela é”, observou o procurador do TCE, citando como exemplo casos de divórcio, em que conversar com o casal e saber a história de vida, proporciona uma nova visão sobre o caso.

Para o diretor cultural da ANDES, o futuro do Judiciário passa por incorporar cada vez mais as tecnologias de informação e, assim, diminuir a necessidade da presença física nos tribunais. Ele prevê que as futuras gerações vão se surpreender quando for comentado que, no passado, era preciso ir aos tribunais para acompanhar um julgamento. No entanto, não significa que não há questões a serem aperfeiçoadas. “Se por um lado o trabalho remoto reduz os custos para a sociedade, por outro ele exige que o juiz utilize a estrutura que tem em casa, como luz e internet. Talvez seja necessário pensar uma forma de compensar isso”, observa.

Homenagem a Sylvio Capanema

O webinar também foi marcado por uma homenagem ao desembargador Sylvio Capanema, que faleceu em junho vítima da Covid-19. O ex-presidente do TJRJ Sérgio Cavalieri relembrou um texto que havia feito na ocasião da aposentadoria de Capanema, em 2008. Além do trabalho como magistrado, ele também se destacou como advogado, professor e foi vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ).