Dois anos depois, atingidos por barragem em Mariana ainda não foram indenizados

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Ruínas de Gesteira, em Barra Longa, dois anos após a tragédia               José Cruz/Agência Brasil

O rompimento da barragem de Fundão, pertencente à Mineradora Samarco, afetou pelo menos 500 mil pessoas ao longo de 670 km de curso d’água da Bacia do Rio Doce. O número inclui desde pessoas que tiveram familiares mortos e casas destruídas até os que sofreram a interrupção do abastecimento de água em 39 municípios.

A tragédia provocou uma avalanche de processos judiciais, levou à criação de ações civis públicas e criou a necessidade de vários tipos de indenização. A situação mais crítica é a dos atingidos de Mariana, onde os rejeitos provocaram os maiores estragos. Um acordo para ampliar quem tem esse direito e estabelecer de que forma será calculada a indenização só foi fechado no último mês de outubro.

A maior dificuldade das vítimas, segundo a Comissão de Atingidos da Barragem de Fundão, é a definição do que faz da pessoa uma atingida. São casos como o de Marlene Agostinho Martins dos Reis, de 45 anos, que morava na cidade de Mariana, mas tinha a mãe morando em um sítio em Pedras, povoado do mesmo município que foi atingido. Embora a lama não tenha afetado a casa de Marlene, mudou sua vida. Manicure e cabeleireira, deixou o serviço depois da tragédia para cuidar da mãe. A idosa sofreu danos psicológicos severos e sua hipertensão ficou descontrolada.

Ela argumenta também que perdeu acesso a alimentos com o soterramento do sítio. “Quando eu vou na reunião com os funcionários da Samarco, perguntam assim: o que você perdeu? Eu perdi sim, porque eu dependia da minha mãe. Eu moro aqui em Mariana, mas verdura eu não comprava. Não comprava frango, ovos, fruta, queijo, leite. Verdura fresquinha, peixe. Meu tio tinha uma lagoa lá do tempo do meu bisavô. E lá a gente pescava, no rio, na lagoa. Então era uma coisa maravilhosa da gente. A gente perdeu tudo”.

Cadastro

A análise dos perfis, para saber se a pessoa tem direito à indenização por dano moral ou material, é feita pela Fundação Renova, criada para executar as metas previstas no Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC)  firmado entre a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, a União e órgãos estaduais de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Quem passa nessa triagem vai para o cadastro, o que significa que a Renova reconheceu o direito daquela pessoa de receber um valor pelo que sofreu. Os critérios para a negociação em toda a região, com exceção de Mariana, são danos morais, danos materiais e lucro cessante, que corresponde à renda que a pessoa deixa de ter até que restabeleça sua atividade profissional. Um exemplo seria um comerciante que perdeu sua loja.

Em Mariana, uma ação civil pública foi movida pelo promotor Guilherme Meneghin, do Ministério Público de Minas Gerais, que conseguiu um acordo mais amplo com a comunidade. A medida passou a assegurar a indenização a pessoas que moravam de aluguel nesses locais e, depois, quem tinha residência em outras regiões, mas trabalhava nos distritos destruídos, ou seja, perdeu sua fonte de renda.

“Eles aceitaram a proposta do MP, e qualquer pessoa atingida pode preencher o cadastro”, informa o promotor. Após a inclusão na lista, são estabelecidos critérios para o cálculo de indenização, com base no que foi citado como prejuízo. “Vamos pactuar valores comuns para cada dano”, afirma Meneghin. A Renova quer fazer o pagamento no primeiro semestre de 2018, na mesma época das demais indenizações já acertadas ou a serem pactuadas em outras regiões.

Até então, já tinha sido antecipada parte da indenização, de forma padronizada: R$ 10 mil para quem tinha casa para uso no fim de semana, R$ 20 mil para os moradores que perderam residência e R$ 100 mil para famílias de pessoas mortas pelo rejeito da Samarco.

Auxílio emergencial

Por enquanto, antes do pagamento da indenização, as pessoas aceitas no cadastro recebem um auxílio emergencial e mensal estabelecido em um salário mínimo, mais 20% desse valor para cada dependente, além do dinheiro correspondente ao preço de uma cesta básica. Foram distribuídos 8.274 cartões de pagamento para atender cerca de 20 mil pessoas. Mas também existem casos de dificuldade para acessar essa reparação, inclusive entre moradores de local atingido pela lama.

Adelina Aparecida Coelho Rola, de 52 anos, produtora rural do disitrito de Gesteira, fazia bordado para vender em uma feira, em parceria com uma senhora na cidade de Barra Longa. O rejeito destruiu a casa de sua parceira, levando toda a produção embora. “Na terça-feira nós tínhamos arrematado um monte de panos de prato para a feira. A lama levou tudo. E ela não tem mais condições de voltar a trabalhar. Veio uma depressão danada, e veio o câncer no marido, que acabou falecendo”, conta.

O rejeito também chegou na casa de Adelina, tomando o pasto onde ficava o gado de seu marido, Rafael Arcanjo Rola. Ele recebeu silagem para compensar a falta de alimento dos animais e foi instalada uma fossa ecológica piloto na propriedade, mas Adelina nunca recebeu o auxílio. “Tentei, uns falaram que eu demorei, ou que eu fui avaliada que não precisava do cartão. Aí não quis insistir”.

Indenizações por desastre em Mariana estão em risco

rio doce
O tsunami de lama destruiu o Rio Doce. Recuperação deve levar décadas

Cerca de 500 pescadores vítimas da tragédia ambiental de Mariana reúnem-se nesta terça-feira (10) em Linhares, Espírito Santo, com entidades ligadas à pesca, advogados e órgãos públicos. O encontro discutirá o impasse criado pelas empresas rés em torno das indenizações. Ao contrário do que estava previsto, Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda querem limitar a indenização apenas ao dano moral, sem pagamento de dano material. Querem ainda descontar das indenizações (cerca de R$ 10 mil a cada vítima) a ajuda financeira dada após a poluição do Rio Doce e consequente paralisação da pesca. Segundo o advogado Leonardo Amarante, que defende as vítimas do desastre, a postura das empresas está inviabilizando as negociações.

Em 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma das barragens da mineradora Samarco, que é controlada pelas empresas Vale e BHP Billton, despejou mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, que destruíram distritos e casas, deixou moradores desabrigados e matando 19 pessoas. No total 35 cidades no estado de Minas Gerais e 3 no Espírito Santo foram afetadas. As substâncias arrasaram com a mata ciliar do Rio Doce (quinta maior bacia hidrográfica do país), contaminaram suas águas e ainda provocaram a morte de 11 toneladas de peixes e outros organismos. O rompimento da barragem é considerado o maior desastre ambiental do país.