Especialistas pedem mudanças na legislação após caso Lojas Americanas
Lei em vigor não distingue gestão fraudulenta de crise comum

Da Agência Brasil

Desencadeada pela descoberta de dívidas estimadas em R$ 43 bilhões, a recuperação judicial das Lojas Americanas enfrenta a suspeita de ser o maior escândalo da história do capitalismo brasileiro. O caso, segundo especialistas, aponta as limitações da legislação atual, que pouco distingue crises comuns de empresas em dificuldades financeiras geradas por gestões fraudulentas.

Os principais gargalos, segundo advogados e juristas especializados em direito empresarial, dizem respeito a dificuldades em separar a responsabilidade de maus administradores e controladores da atuação dos funcionários. Eles também citam a falta de mecanismos eficientes para proteger acionistas minoritários e pequenos fornecedores.

Mestre em direito empresarial e cidadania, o advogado Alcides Wilhelm, com atuação em reestruturação de negócios, fusões e aquisições e direito tributário, diz que o caso das Lojas Americanas se tornou uma exceção entre os processos de recuperação judicial.

“Em tese, a recuperação judicial é um processo onde os credores são chamados a ajudar a empresa no reerguimento. O caso das Americanas acaba sendo sui generis, uma exceção. A gente ainda não pode afirmar 100%, mas tudo indica que a empresa entrou em dificuldade mediante fraudes, com demonstrações contábeis que não espelhavam a realidade. Isso é diferente de uma empresa em crise por causa da disparada do dólar ou de decisões erradas de negócios”, diz Wilhelm.

O advogado defende mudanças na legislação para que, em caso de fraude comprovada, os administradores ou controladores sejam responsabilizados como pessoas físicas, com a empresa mantendo as atividades. “Precisaríamos ter uma legislação que punisse os maus empresários, em vez da empresa”, destaca.

“Nesses casos, o dono seria afastado da administração, perderia o controle dela, o Judiciário colocaria um administrador judicial para continuar as operações e pôr a companhia à venda. Ela cobre todos os prejuízos que causou. Se sobrar dinheiro, o ex-proprietário recebe. Seria uma forma de punir os maus empresários com a perda do negócio”, explica.

Segundo Wilhelm, se essas mudanças valessem, as empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato teriam as atividades preservadas, com apenas os executivos sendo punidos e milhares de empregos sendo preservados. “As Lojas Americanas são uma empresa grande, com importante função social. A separação entre as pessoas físicas que cometeram irregularidades e a empresa seria o ideal para preservar as atividades”, avalia.

Minoritários

Jurista que participou da elaboração da nova Lei de Falências e está envolvido no projeto do Novo Marco Legal do Empreendedorismo, o advogado Renato Scardoa considera necessária a reformulação da legislação societária. Segundo ele, as mudanças devem conceder mais direitos a acionistas minoritários, afetados pela gestão dos administradores e controladores.

“Hoje, a gente não tem uma ferramenta mais célere e efetiva para que os acionistas minoritários possam processar administradores que ajam de maneira indevida. É muito difícil um acionista minoritário responsabilizar uma conduta indevida dos administradores. O ideal é uma ferramenta que facilite uma ação coletiva dos acionistas minoritários contra os administradores. E, havendo uma participação ou omissão indevida dos controladores, também contra os controladores”, explica.

Em relação a fornecedores, Scardoa diz que a nova Lei de Falências suprimiu um artigo que dava prioridade a micro e pequenas empresas no recebimento de créditos dentro da classe de credores composta por empresas. A nova lei acabou com a distinção, fazendo os fornecedores de menor porte receberem junto das grandes empresas. Segundo ele, o projeto do novo Marco do Empreendedorismo, destinado a criar uma legislação especial para negócios de menor porte, buscará restabelecer a preferência.

Divergências

Apesar da necessidade de mudanças na legislação, os especialistas divergem sobre como ela se daria. Wilhelm defende a separação entre a atuação de executivos, diretores e controladores do restante da empresa. “Nos meios doutrinários, começou-se a questionar se o instituto da recuperação é para uma empresa que possa ter cometido um crime ou uma fraude em relação a seus credores ou se a falência deveria ser buscada diretamente nesses casos, com a venda da companhia para terceiros”, disse.

Scardoa não concorda com uma reformulação da Lei de Falências. Para ele, o principal problema não está na legislação atual, mas no fato de que as Lojas Americanas têm o controle pulverizado, nas mãos de muitos acionistas em vez de poucos donos. “As respostas nesse caso estão na legislação. Na verdade, o que poderíamos encontrar seria talvez uma alteração na legislação societária, para que os acionistas minoritários processem os controladores e os administradores, e não necessariamente mexer na recuperação judicial”, diz.

Entenda as mudanças da PEC Emergencial
Proposta reinstitui auxílio em troca de medidas de ajuste fiscal

 

Da Agência Brasil

Aprovada pelo Senado e prestes a ir à Câmara dos Deputados, a proposta de emenda à Constituição emergencial (PEC Emergencial) prevê a recriação do auxílio emergencial em troca de medidas de ajustes fiscais. Em troca do aumento de gastos públicos, o governo terá de apertar os cintos. Em alguns casos, de forma permanente.

O texto aprovado pelos senadores é resultado da fusão de três PECs enviadas pelo governo federal no fim de 2019: a proposta que reformula o Pacto Federativo, a PEC Emergencial original e a PEC que desvincula o dinheiro de fundos públicos. Por falta de consenso, alguns pontos mais polêmicos ficaram de fora, como a retirada dos pisos constitucionais para gastos em saúde e educação.

O fim dos repasses de 28% da arrecadação do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também foi excluído do texto votado. A redução de até 25% dos salários dos servidores com redução proporcional de jornada, o pagamento de abono salarial abaixo do mínimo e a desvinculação de diversos benefícios da inflação, que chegaram a ser discutidos no Senado, não entraram na proposta final.

Em troca das medidas de ajuste, o texto autoriza a destinação de R$ 44 bilhões para a recriação do auxílio emergencial, benefício social que atendeu às famílias mais afetadas pela pandemia de covid-19, com créditos extraordinários do Orçamento, que ficam fora do teto de gastos. Uma cláusula de calamidade pública incluída na PEC permitiu que os custos com o novo programa sejam excluídos da regra de ouro (espécie de teto de endividamento público para financiar gastos correntes) e da meta de déficit primário, que neste ano está fixada em R$ 247,1 bilhões.

A concessão de uma nova rodada do auxílio emergencial depende de uma medida provisória com as novas regras do benefício. O valor de cada parcela não está definido.

Entenda as principais mudanças instituídas pela PEC Emergencial:

Auxílio emergencial
•        Crédito extraordinário de até R$ 44 bilhões fora do teto de gastos
•        Cláusula de calamidade que permite exclusão de despesas da meta de resultado primário e da regra de ouro. Dispositivo pode ser usado em outras crises

Contrapartidas fiscais

Gatillhos
•        Nível federal: todas as vezes em que as despesas obrigatórias sujeitas ao teto de gastos ultrapassarem 95% das despesas totais, ficarão proibidos para os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público:
o        aumento de salário para o funcionalismo
o        realização de concursos públicos
o        criação de cargos e despesas obrigatórias
o        concessão de benefícios e incentivos tributários
o        lançamento de linhas de financiamento
o        renegociação de dívidas

•        Nível estadual e municipal: regra dos 95% será facultativa, texto inclui gatilho adicional de medidas de contenção de gastos quando a relação entre as despesas correntes e receitas correntes alcançar 85%, com vigência imediata e dependente de atos do governador ou do prefeito

Incentivos fiscais
•        Até seis meses após promulgação da emenda Constitucional, presidente da República deverá apresentar plano para zerar incentivos fiscais, como subsídios e benefícios tributários. Proposta só inclui apresentação do plano, sem estabelecer obrigação de que mudanças na legislação sejam aprovadas. Não poderão ser extintos:
o        Simples Nacional
o        Subsídios à Zona Franca de Manaus
o        Subsídios a produtos da cesta básica
o        Financiamento estudantil para ensino superior

Fundos públicos e desvinculação de receitas
•        Desvinculação do dinheiro de fundos públicos: superávit financeiro dos fundos deverá amortizar dívida pública da União, dos estados e dos municípios. Após as amortizações, recursos poderão ser aplicados livremente, sem atender à finalidade original de cada fundo.
•        Exceções: alguns fundos federais poderão manter receitas orçamentárias reservadas para eles.
o        Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP)
o        Fundo Penitenciário Nacional (Funpen)
o        Fundo Nacional Antidrogas (Funad)
o        Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)
o        Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé)
o        Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal.
•        Receitas de interesse da defesa nacional e relacionadas à atuação das Forças Armadas também poderão ser desvinculadas

Calamidade pública
•        Na vigência de calamidade pública, haverá um regime orçamentário excepcional, nos moldes do Orçamento de Guerra em vigor no ano passado. Com regras mais flexíveis, regime também dispensa o cumprimento da regra de ouro e das metas de resultado primário
•        Decretação do estado de calamidade pública será atribuição exclusiva do Congresso Nacional, que deverá aprovar proposta do Poder Executivo
•        Proposta do Executivo precisará provar urgência e necessidade dos gastos fora do regime fiscal regular
•        Gastos extras não podem resultar em despesa obrigatória permanente
•        Ficam autorizados no estado de calamidade pública:
o        contratação simplificada de pessoal, em caráter temporário e emergencial
o        contratação de obras, serviços e compras com dispensa de licitação
o        concessão ou ampliação de benefício tributário que gere renúncia de receita
o        contratação de operações de crédito sem limites ou condições
o        empresas em débito com a seguridade social poderão assinar contratos com o Poder Público
•        Superávit financeiro (excedente obtido com a emissão de títulos públicos ou com financiamentos bancários) apurado em 31 de dezembro do ano anterior poderá cobrir gastos com o combate à calamidade pública e o pagamento da dívida pública.
•        Lei complementar poderá definir outras medidas de exceção fiscal durante a vigência da calamidade pública

Inativos e pensionistas
•        Gastos com inativos e pensionistas serão incluídos no teto de gastos dos Legislativos municipais. Hoje, o teto só inclui salários dos vereadores. Despesa não pode ultrapassar a soma da receita tributária, do Fundo de Participação dos Municípios e das demais transferências constitucionais
•        Gastos com pensionistas não poderão ultrapassar limites estabelecidos em lei complementar. Atualmente, a Constituição estabelece teto apenas para despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, sem citar os pensionistas

Políticas públicas
•        Determinação de que que órgãos e entidades façam, individual ou conjuntamente, uma avaliação das políticas públicas e divulguem os resultados
•        Plano Plurinual, LDO e Lei Orçamentária Anual deverão observar os resultados do monitoramento e da avaliação das políticas públicas

Repasses duodecimais
•        Proibição da transferência para fundos públicos de sobras de repasses aos Poderes Legislativo, Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Dinheiro deverá ser restituído aos Tesouros locais ou ser descontado dos próximos repasses

Dívida pública
•        Previsão de lei complementar para regulamentar a sustentabilidade da dívida pública
•        Todos os níveis de governo (federal, estadual, municipal e Distrito Federal) deverão manter a dívida pública em níveis sustentáveis, em parâmetros a serem estabelecidos pela lei complementar
•        Essa lei poderá autorizar ações de ajuste fiscal em caso de crise nas contas públicas
•        Lei que define parâmetros para o Orçamento do ano seguinte, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deverá estabelecer diretrizes e metas de política fiscal compatíveis com a sustentabilidade da dívida pública

Precatórios
•        Aumenta em cinco anos, de 2024 para 2029, prazo para que estados e municípios paguem seus precatórios, dívidas determinadas por sentenças judiciais definitivas (sem a possibilidade de recursos)

Coronavírus força empresas a se modernizar e priorizar as pessoas
A distância forçada obriga empresas a se modernizar na marra. Quem já estava preparado saiu na frente

A adoção do home office pode ser um efeito pós-pandemia

 

Por Mariana Desidério e Marina Filippe, da Exame

Assim que acovid-19 desembarcou no Brasil, no final de fevereiro, o banco digital Nubank mandou os funcionários para ca­sa. Agora, todos os 2.600 colaboradores trabalham remotamente — inclusive os fundadores Cristina Junqueira (que já estava fora, em licença-­maternidade) e David Vélez. Para garantir boas condições de trabalho em uma situação tão dura, o banco enviou computadores, monitores e até cadeiras aos escritórios caseiros.

Fechou parcerias com aplicativos de exercícios físicos que dão aula à distância, tem realizado treinamentos sobre como equilibrar vida pessoal e profissional e também estimulado o uso de seu programa interno de assistência, que conta com psicólogos, advogados e consultores financeiros. A preocupação se estende aos clientes.

O Nubank montou um fundo de 20 milhões de reais para custear atendimento médico e psicológico remoto por vídeo e bancar pedidos de supermercados e restaurantes. Quem está com dificuldade para pagar a fatura do cartão de crédito pode negociar juros reduzidos e a prorrogação do vencimento. A postura tem uma explicação objetiva, de acordo com Vélez, que também preside o banco: “Uma crise força as empresas a testar seus valores mais importantes. Funcionários e  clientes vão se lembrar de como a empresa se comportou durante os tempos difíceis, e nenhum investimento em marketing poderá mudar essa percepção depois”.

É impossível, neste início de abril, estimar quando a pandemia será domada e o país começará a sair da paralisia, provavelmente contando milhares de mortos, outro tanto de desempregados e com negócios de todos os portes quebrados. Mas empresas como o Nubank apostam que seu estilo de gestão será decisivo para atravessar a tempestade e alcançar o outro lado. Não basta que o negócio sobreviva — o que já é um  enorme desafio. Sua conduta nestes tempos extremos determinará se, ao final da pandemia, estará maior ou menor.

Para o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil), Paulo Sardinha, o mundo não será mais o mesmo depois dessa pandemia. Ele avalia que a crise que estamos vivendo está ressaltando a  fragilidade do homem perante a natureza e que um efeito possível será a valorização da humanização. “Algo que não é novidade no mundo corporativo, tanto que as empresas têm investido cada vez mais nas áreas de recursos humanos, mas que pode se tornar uma prioridade global. Mas esta transformação não virá apenas da esperança e do desejo. Ao fim da pandemia, será necessária uma forte mudança de comportamento da sociedade. E isso vai exigir investimentos em tecnologias disruptivas, que visem a qualidade de vida das pessoas, e em educação, disseminando a importância de práticas voltadas para prevenção de saúde”, observa Paulo, que considera a área de RH, com a bagagem que já reúne em buscar a humanização das organizações, tendo bastante a oferecer no momento que há de vir.

Nesse sentido, ações como as que têm sido praticadas pelo Nubank, devem  se tornar frequentes . Vélez acabou de ser pai pela terceira vez e está se dividindo entre o trabalho e a família. Junqueira, mãe de duas filhas, uma com 5 anos e a outra com 2 meses, tradicionalmente sai do trabalho todo dia às 17h para buscar a mais velha na escola. Quando a segunda filha nasceu, entrou em licença-maternidade. Proporcionar condições para a mulher conciliar todos os seus papéis é parte do pacote de benefícios intangíveis que o banco digital oferece para atrair e reter funcionários competentes e que acreditam em sua filosofia. “Se estão em uma empresa que não leva em conta suas necessidades, os bons profissionais vão embora. Não tenho dúvida de que essa visão é condição essencial para atingir a excelência que a gente quer no trabalho”, afirma Junqueira. Nos últimos dias, ela fez pequenas pausas na licença para ajudar a coordenar a estratégia de resposta da empresa.

O Nubank é campeão também de diversidade entre seus funcionários — o que impulsiona a inovação. O pragmatismo e o alto nível de exigência ajudaram o banco digital brasileiro a se tornar a maior fintech (empresa de tecnologia financeira) da América Latina e podem fazer a diferença na prova de fogo a que o setor está sendo submetido com a pandemia. As fintechs nasceram e cresceram no ambiente de liquidez farta dos últimos anos e agora precisam aprender a operar na carestia. O Nubank diz que se encontra em situação financeira sólida para enfrentar a crise: gera caixa operacional desde 2017, não depende de novos aportes de capital para pagar as despesas mensais e encerrou 2019 com mais de 13 bilhões de reais em caixa. No ano passado, teve receita de 2,1 bilhões de reais e prejuízo de 313 milhões de reais por causa dos investimentos feitos para manter o crescimento acelerado, condição para as companhias de tecnologia se manterem no jogo. O plano era seguir nesse ritmo em 2020, porém a covid-19 pode forçar a uma reavaliação da tática de guerra. Menos na área que o banco digital considera mais importante: por ora, o Nubank afirma que as contratações de funcionários previstas serão mantidas e não há previsão de demissões.

Foram as empresas de tecnologia que conseguiram entender e efetivamente atender aos desejos de mais qualidade de vida e propósito que estavam latentes no mercado de trabalho no início dos anos 2000. Lideradas por jovens, com um método de operação ágil e mentalidade inovadora para romper padrões corporativos estabelecidos, acabaram com as hierarquias, dando voz aos funcionários. O movimento começou no Vale do Silício, na Costa Oeste dos Estados Unidos. A empresa de tecnologia Alphabet, dona do Google, com sede na Califórnia, incentiva o funcionário a definir sua rotina tanto quanto possível. O lema que norteia as decisões em um ambiente de autonomia é: faça a coisa certa. Na empresa de entretenimento via streaming ­Netflix, o funcionário pode ter férias ilimitadas, mas é cobrado para ter alta performance. A migração dos colaboradores para o trabalho remoto em decorrência da covid-19 vem testando o discernimento dos funcionários — e a empatia dos líderes — em todo o Brasil. É uma situação que já vinha, aos poucos, fazendo parte do cotidiano. As aulas de ioga dadas na empresa passaram para a internet. Com a quarentena, crianças e bichos de estimação apareceram de vez nas reuniões de trabalho virtuais (e deveriam ser encarados com naturalidade). Há algumas semanas, a gerente de recursos humanos do Google Brasil, Carol Azevedo, que fica baseada em São Paulo, precisou interromper uma reunião porque o filho de uma colega se machucou. “Não é condescendência. É uma cultura que acredita que o funcionário tem senso de responsabilidade e vai fazer o melhor que pode”, afirma a executiva. Na fintech brasileira Ebanx, a autonomia dos funcionários também é a regra. Independentes mas não sozinhos: para minimizar a sensação de solidão que o distanciamento forçado pela covid-19 traz, a fintech está realizando happy hours virtuais com a equipe.

A migração para o home ­office é uma grande oportunidade para reforçar a relação de confiança entre a empresa e o funcionário, que também precisa ajustar sua rotina familiar para desempenhar­ bem suas funções. “Se o gestor confia que o funcionário está executando o melhor que pode e no horário correto, mesmo fora do escritório, o grau de estresse de ambos é menor,  e o clima e a produtividade melhoram”, diz Betania Tanure, diretora da consultoria de gestão que leva seu nome. O brasileiro é dedicado. No país, 7% da população trabalha mais de 50 horas semanais, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Fica em 25 em um ranking de 40 nações.

Não é fácil para nenhuma empresa medir em números o impulso que as políticas de recursos humanos modernas dão a seus resultados. Metas adequadas ao ramo de atividade devem ser estabelecidas com clareza, sob pena de criar distorções e um clima negativo na equipe — o contrário do que é almejado. Se, para uma companhia, alta produtividade significar excesso de horas trabalhadas e for recompensada com remuneração variável agressiva, podem ser premiados não os melhores funcionários, mas os que lidam melhor com a pressão. Em um momento dra­mático como o atual, que, a despeito de todo o apoio dos empregadores, demanda um grande esforço dos funcionários para manter as atividades, companhias de todos os portes poderão medir pelo nível de engajamento da equipe o efeito de suas políticas. O melhor retorno a esperar será a sobrevivência. A travessia não tem data para terminar.