Uma em cada sete mulheres, aos 40 anos, já passou por aborto no Brasil
Pesquisa mostra que 52% delas dizem ter abortado com menos de 19 anos

Da Agência Brasil

A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 mostra que uma em cada sete mulheres, com idade próxima aos 40 anos, já fez pelo menos um aborto no Brasil. O levantamento realizado em novembro de 2021 ouviu 2 mil mulheres em 125 municípios.

O estudo foi coordenado pela antropóloga e professora da Universidade de Brasília, Débora Diniz; pelo professor visitante da Columbia University, Marcelo Medeiros; e pelo professor da Universidade Estadual do Piauí, Alberto Madeiro.

Panorama

O levantamento indica que mais da metade (52%) do total de mulheres que abortou tinham 19 anos de idade ou menos, quando fizeram seu primeiro aborto. Deste contingente (abaixo de 19 anos), 46% eram adolescentes entre 16 e 19 anos e 6%, meninas entre 12 e 14 anos. Pele legislação, praticar sexo ou atos libidinosos com menor de 14 anos é considerado crime de estupro de vulnerável, independentemente de haver consentimento da criança, sob pena de prisão de 8 a 15 anos.

Nesta edição, a taxa de aborto mostrou queda no comparativo com as duas PNAs anteriores, realizadas em 2010 e 2016. Em 2021, cerca de 10% das mulheres entrevistadas afirmaram ter feito pelo menos um aborto no decorrer de suas vidas, comparado com 13%, em 2016, e 15%, em 2010. A pesquisa concluiu que a queda pode ser explicada pela tendência crescente do uso de métodos contraceptivos reversíveis na América Latina e no Caribe.

Em 2021, 21% das mulheres que abortaram realizaram um segundo procedimento, chamado aborto de repetição. Entre elas, estão predominantemente mulheres negras.

Parte das entrevistadas (39%) usou medicamento para interromper a gestação. A pesquisa cita que o medicamento mais usado é um indicado para prevenção e tratamento da úlcera gástrica. Além disso, 43% das mulheres foram hospitalizadas para finalizar o aborto.

“Nessas situações, temos relatos traumáticos de perseguição, convocação da polícia, mulheres algemadas nos hospitais. Então, há impacto na saúde pública pela ocupação de leitos, na saúde das mulheres porque, por alguma razão, utilizaram medicamentos inseguros, indevidos ou foram para a clandestinidade em clínicas inseguras, ou porque não tem a informação sobre como é um aborto. Por isso, procuram os hospitais”, disse a antropóloga e uma das autoras do estudo Débora Diniz.

A pesquisa indicou, ainda, que a gravidez não-planejada foi comum entre as mulheres no Brasil. Duas em cada três mulheres grávidas (66%) não havia planejado a gravidez. Débora Diniz aponta a educação sexual como parte da solução “para que esse último recurso, do aborto, não seja utilizado”.

Perfil

O levantamento mostrou que o perfil das mulheres que abortaram é semelhante de outras pesquisas: elas são de todas as idades do ciclo reprodutivo, religiões, escolaridades, raças, classes sociais, estado civil e regiões do país.

No entanto, a pesquisadora Débora Diniz confirma que “apesar de serem mulheres comuns, que estão em todos os lugares, há uma concentração maior no grupo das mais vulneráveis. São mulheres negras, indígenas, residentes no Norte e do Nordeste, com menor escolaridade e muito jovens”.

As 2 mil entrevistadas na PNA 2021 foram escolhidas aleatoriamente entre mulheres alfabetizadas, com idades de 18 a 39 anos e residentes em áreas urbanas. A metodologia da pesquisa usa uma questionário face a face com perguntas sociodemográficas, como idade, religião e renda.

Outro questionário com perguntas sobre aborto é preenchido pela própria mulher e depositado em uma urna lacrada. Os coordenadores da pesquisa entendem que a técnica para coletar informações sensíveis diminui a taxa de respostas falsas, por resguardar o anonimato das entrevistadas.

Aborto Legal

No Brasil, o aborto é legalizado em três circunstâncias: gravidez decorrente de estupro, se representar risco de morte materna e no caso de anencefalia fetal (não formação do cérebro do feto).

No entanto, na prática, o cenário tem sido diferente. A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, disse à Agência Brasil “que meninas e mulheres têm enfrentado barreiras para acessar o aborto, nas situações já previstas em lei”. Para ela, a consequência é que “quando o direito ao aborto é negado, por exemplo, a uma vítima de estupro, as evidências apontam que essa mulher vai fazê-lo de forma insegura, clandestina”.

Na avaliação da ministra, o Poder Executivo deve assegurar que todas as meninas e mulheres tenham seus direitos garantidos e “que tenham acesso a informações sobre esses direitos e como acessá-los”.

O Ministério das Mulheres lembra que, em 2013, foi assinada a Lei do Minuto Seguinte para viabilizar atendimento integral e multidisciplinar às vítimas de estupro nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). “Esse atendimento é fundamental para a prevenção de gravidez e de infecções sexualmente transmissíveis, entre outros cuidados de saúde física e psicossocial [da vítima]”, enfatiza a ministra Cida Gonçalves.

Todos hospitais credenciados ao SUS, que oferecem serviços de ginecologia e obstetrícia, devem realizar abortos nos casos previstos em lei. Entretanto, de acordo com o site Mapa Aborto Legal, apenas 42 hospitais realizavam o procedimento de fato, em setembro de 2022.

Em nota oficial enviada à Agência Brasil, o Ministério da Saúde declara que “está empenhado em fortalecer a Política de Atenção Integral à Saúde das Mulheres, a partir da ótica da inclusão e do diálogo sobre o contexto da saúde sexual e reprodutiva; e em fortalecer também a Rede Cegonha, que inclui o atendimento a mulheres em situação de abortamento”.

Daqui para frente

Em janeiro deste ano, o governo federal tornou sem validade a portaria do Ministério da Saúde que determinava ao médico a comunicação à polícia da justificativa para interrupção da gravidez, mesmo nos casos previstos em lei, e que também fossem preservadas as evidências do cometimento do estupro.

No mesmo mês, o governo brasileiro se desligou da Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família, assinada em 2020, por entender que representa uma posição das nações contra o aborto.

Para Débora Diniz a análise da ação que descriminaliza o aborto nas doze primeiras semanas de gestação, no Supremo Tribunal Federal (STF), é urgente.

“Em uma democracia, os poderes Legislativo e Judiciário têm igual legitimidade para solução de uma violação de um direito fundamental, como é a saúde e a questão do aborto”, argumentou. “É sobre não prender. É sobre cuidar e prevenir. É sobre a vida, a dignidade, em particular da juventude vulnerável deste país”, diz a pesquisadora.

Anvisa autoriza pesquisa com vacina tetravalente para gripe Influenza
No ensaio clínico serão incluídos participantes entre 6 e 35 meses

Da Agência Brasil

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, nesta quinta-feira (16), a autorização para o início do ensaio clínico Fase III da vacina para a gripe influenza tetravalente (fragmentada e inativada) QIV-IB, desenvolvida pelo Instituto Butantan, de São Paulo.

O estudo pretende avaliar a imunogenicidade e segurança da vacina em lactentes e crianças de seis a 35 meses. Segundo a agência, a diferença entre o ensaio clínico aprovado hoje (FLQ-02-IB) e o anterior (FLQ-01-IB), de fevereiro, é a idade dos participantes.

Enquanto no primeiro os participantes teriam que ter três anos ou mais de idade, no ensaio clínico aprovado agora (FLQ-02-IB) serão incluídos participantes entre seis e 35 meses, além da dose da vacina ajustada para a idade.

O processo de produção da vacina tetravalente é semelhante ao da trivalente (fragmentada e inativada) do Instituto Butantan (TIV-IB) que já é utilizada nas campanhas nacionais de vacinação contra a gripe Influenza, do Programa Nacional de Imunizações (PNI)/Ministério da Saúde.

Enquanto uma das vacinas trivalentes contém o vírus B (linhagem Yamagata – TIV-Y-IB) e a outra o vírus influenza B (linhagem Victoria – TIV-V-IB), a vacina tetravalente possui as duas cepas da linhagem B na mesma formulação.

“Dessa forma, espera-se obter uma vacina influenza tetravalente análoga à trivalente, mas com uma proteção adicional contra uma segunda cepa B, determinada sazonalmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A adição da segunda cepa B de influenza (quarta cepa na vacina) ocorreu na transição da vacina influenza sazonal bivalente para a trivalente, após a pandemia de influenza H1N1 em 2009”, explicou a Anvisa.

Pesquisa

De acordo com o protocolo clínico, a ideia é incluir cerca de 1,9 mil participantes – entre 6 a 35 meses – em 10 centros distribuídos entre São Paulo, Roraima, Sergipe e Pernambuco. O tempo da participação será de aproximadamente seis meses após esquema completo de vacinação, enquanto o total do tempo do estudo estimado será cerca de 12 meses.

Ensaios clínicos

Ensaios clínicos são os estudos de um novo medicamento, realizados em seres humanos. A fase clínica serve para demonstrar a segurança e eficácia do medicamento experimental para a indicação proposta. Havendo a comprovação de que os benefícios superam os riscos, o remédio experimental poderá ser registrado pela Anvisa e disponibilizado no mercado brasileiro, desde que haja a solicitação por parte da empresa desenvolvedora/patrocinadora do desenvolvimento clínico.

Indígenas têm menos acesso à vacinação contra covid-19, diz pesquisa
Total fica quase 30 pontos abaixo do de outros grupos da população

Da Agência Brasil

Apenas 48,7% da população indígena com mais de 5 anos de idade que vive em municípios com distritos sanitários especiais indígenas (Dsei) tinham recebido o esquema primário de vacinação contra a covid-19 até 1º de março do ano passado, revela estudo conduzido por diversas instituições e disponibilizado na internet em formato preprint. Conclusões de trabalhos divulgados nesse formato são consideradas preliminares porque ainda não foram revisadas por cientistas não envolvidos na pesquisa.

O total de indígenas imunizados com duas doses ou dose única das vacinas contra covid-19 era quase 30 pontos percentuais mais baixo que o da população não indígena, que chegava a 74,8%.

O estudo foi conduzido por pesquisadores do Centro de Integração de Dados em Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), junto com a London School of Hygiene and Tropical Medicine, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade São Paulo (USP), a Universitat Pompeu Fabra (Barcelona), a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Para o cálculo do percentual de cobertura vacinal, a população indígena nos Dsei foi estimada em cerca de 600 mil pessoas, das quais 389 mil receberam apenas uma dose (65%) e 291 mil foram consideradas com imunização básica completa. O esquema básico ou primário de vacinação não inclui nenhuma das doses de reforço, consideradas essenciais para manter imunidade duradoura contra a covid-19.

O artigo pondera que a cobertura vacinal calculada, porém, pode estar superestimada, inclusive porque o próprio governo calcula uma população indígena cerca de 10% maior nesses distritos (657 mil pessoas). Além disso, os pesquisadores lembram que há pessoas indígenas que vivem fora dos Dsei, o que impede generalizações dos resultados para toda a população indígena do Brasil.

“Baixas coberturas vacinais em muitas comunidades indígenas compostas por apenas algumas centenas de pessoas podem também ameaçar sua continuidade cultural, uma vez que a covid-19 afeta mais as pessoas mais idosas, e elas são as principais responsáveis pela transmissão cultural entre gerações”, alerta o estudo.

Uma das responsáveis pela pesquisa, Julia Pescarini, do Cidacs/Fiocruz, lembra ainda que a população indígena é mais jovem que a população brasileira em geral, com menor percentual de idosos.

“O adulto tem mais locomoção e maior possibilidade de caminhar até uma cidade mais distante e se vacinar. Agora, uma pessoa com mais de 60 anos, tem muito mais dificuldade de chegar às cidades e se vacinar. Isso explica também porque a vacinação é menor”, disse Julia.

A pesquisadora chama a atenção ainda para a cobertura vacinal das crianças de 5 a 9 anos. Em 1º de março de 2022, somente 2,6% na população indígena dos Dsei nessa faixa etária havia recebido a primeira dose, enquanto a média no Brasil era de 40,7%.

Os pesquisadores avaliaram também a efetividade das vacinas na população indígena. Para tanto, foi acompanhado um grupo de indígenas com mais de 5 anos vacinados entre 18 de janeiro de 2021 e 1º de março de 2022 e calculada a taxa de proteção contra casos sintomáticos, mortalidade e hospitalização.

Uma preocupação dos pesquisadores era a possibilidade de deficiências nutricionais prejudicarem a resposta imunológica dos indígenas à vacinação, mas os dados mostraram um desempenho similar das vacinas ao observado na população não indígena.

Julia sustenta que o monitoramento tem que ser contínuo. “Este era um alerta em março, mas é ideal que o monitoramento seja feito de forma constante para ver em quais populações é preciso fortalecer o sistema de vacinação”, disse a pesquisadora.

“O que se vê de forma geral com a covid-19 é que existe uma iniquidade por raça, posição socioeconômica, e com a população indígena, não é diferente. A população indígena, a população negra, a população das favelas têm mais dificuldades, mesmo em centros urbanos, de acessar a vacinação”, disse a pesquisadora.

Pesquisa revela que covid-19 pode permanecer por longo tempo
Sintomas podem persistir por pelo menos três meses após a fase aguda

Da Agência Brasil

Uma pesquisa realizada com brasileiros revela que quase 60% das pessoas que contraíram covid-19 desenvolveram a doença por longo tempo, com sintomas que permaneceram pelo menos por três meses após a fase aguda. Realizado pela Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o estudo usou um questionário online destinado a pessoas que tinham contraído a doença. Para a análise, foram considerados 1.230 participantes que apresentaram  diagnóstico de covid-19 confirmado por teste PCR.

Deste total, 720 pessoas mantiveram sintomas por três meses, ou mais, e 496 disseram que não estavam totalmente recuperados no momento da pesquisa. Os efeitos prolongados da doença foram mais frequentes entre os não vacinados.  Além disso, mais de 80% das pessoas com covid-19 longa demandaram serviços de saúde por causa da persistência dos sintomas.

Fadiga, ansiedade, perda de memória e queda de cabelo foram alguns dos principais sintomas apontados. Foram citados mais de 50 sintomas persistentes, agrupados em dez categorias: cardiovasculares/coagulação, dermatológicos, endócrino-metabólicos, gastrointestinais, músculoesqueléticos, renais, respiratórios, neurológicos e de saúde mental, além de sintomas gerais, como dor e tontura.

Os resultados do estudo foram publicados em janeiro. Entre os pesquisadores que assinam a nota técnica, estão Claudio Maierovitch, Vaneide Pedi, Erica Tatiane da Silva e Mariana Verotti, da Fiocruz Brasília, além de Rafael Moreira e Marcos Pedrosa, da Fiocruz Pernambuco. A publicação analisa os sintomas da covid-19 longa no Brasil e o acesso ao diagnóstico e ao tratamento.

“A falta de dados inviabiliza o desenho de estratégias para alertar a população sobre os riscos de desenvolver esta forma de covid-19 e de serviços de assistência para atender às pessoas que sofrem de sequelas prolongadas”, diz a equipe técnica responsável pela pesquisa.

O objetivo do estudo foi justamente contribuir para o preenchimento das lacunas desses dados. Protocolos de monitoramento de pacientes com sequelas persistentes, investimentos em atividades de reabilitação com abordagem multidisciplinar e atenção especial à covid-19 longa nas populações mais socialmente vulnerabilizadas estão entre as recomendações do documento.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 10% a 20% dos pacientes considerados livres do Sars-CoV-2 e da doença aguda podem apresentar covid-19 longa, isto é, entre 2,8 milhões e 5,6 milhões de brasileiros poderão precisar de cuidados de saúde por sofrer desta forma da doença. Tal condição refere-se a uma variedade de sintomas que permanecem ou até aparecem pela primeira vez até três meses após a infecção por Sars-Cov-2, sintomas que não podem ser explicados por outros motivos e que trazem prejuízos à saúde e à qualidade de vida.

Embora o mecanismo exato que leva à covid-19 longa ainda seja desconhecido, acredita-se que a doença esteja associada ao processo inflamatório causado pelo vírus, que começa no pulmão e se espalha para outros órgãos e tecidos. Apesar de mais frequentemente observada em idosos, mulheres e pacientes graves na fase aguda, a covid longa pode se manifestar em qualquer pessoa.

O tratamento varia conforme os sintomas apresentados, e o desfecho depende de fatores como a gravidade desses sintomas, a existência de outras doenças crônicas e o acesso ao cuidado e à reabilitação. “Estudo recente sugere que as vacinas e, principalmente, as doses de reforço, podem amenizar o quadro ou diminuir as chances de desenvolver a covid-19 longa”, destaca a nota técnica, reforçando que a população deve ser informada sobre a importância de evitar infecções sucessivas e sobre os riscos de desenvolver sequelas.