Os bastidores da engrenagem política brasileira nunca estiveram tão expostos. Se antes o silêncio acobertava certas práticas, o estardalhaço nos faz, agora, perceber com mais nitidez a interferência da corrupção e de interesses isolados em nosso percurso como sociedade.
Muito do que ocorre politicamente no Brasil acomete, com uma intensidade cruel, o bem da Saúde. E essa intromissão se manifesta de algumas formas. Toda vez que um projeto de lei ou medida provisória é anunciado, por exemplo, as câmaras legislativas se movimentam sobre esse tema. Alguns agem para defender o espírito do projeto – seja a diminuição de impostos, um novo benefício ao cidadão, uma discussão a respeito de normatização para operadoras de saúde ou um debate de patente de medicamentos. Mas há, também, grupos organizados à espreita de uma oportunidade para negociar contrapartidas financeiras.
Não faltam exemplos de agentes políticos que abraçam uma causa exclusivamente para auferir alguma vantagem econômica, para si ou para o grupo a que pertencem, aproveitando-se de interesses industriais e que representam, muitas vezes, bilhões de investimentos mundiais. O caso das empreiteiras, hoje em evidência, expressa perfeitamente essa dinâmica. Nós já estamos cansados de saber como isso funciona, não é verdade? E também sabemos que a Saúde é um palco óbvio e frequente de tais práticas. Sentimos como nunca a conexão desses episódios com o futuro que nos alcança.
Outra situação que atrasa os avanços no setor habita as chamadas agências reguladoras, que teoricamente deveriam minimizar a assimetria de informações e de poderes entre consumidores e indústria, ou provedores de serviços. Essas entidades têm o papel de atenuar as diferenças e, ao mesmo tempo, fomentar o segmento. No entanto, o que ocorre, atualmente, é a segregação de projetos, interesses e condutas entre as diretorias que compõem essas instituições. E o que mais elucida esta nossa reflexão: muitos estão lá por nomeação estritamente política.
As duas grandes agências que regulam a Saúde demonstram a mesma patologia política. Ainda que o sujeito seja indicado pelo setor e possua todas as qualificações recomendadas para tal posição, sempre existe, no desenho atual, a necessidade de um padrinho. Se não há esse consentimento, a indicação, por mais técnica, competente e unânime que seja, provavelmente não irá muito longe.
Essa é a famigerada nomeação usada para escambo político e empresarial. Com ela, vem a constante incerteza de que a estrutura política que ampara a Saúde representa, de fato, o cidadão.
Quando tomamos consciência do estágio de nação e de setor que vivenciamos, a defasagem em relação aos debates internacionais é ainda mais notória. A exemplo das reuniões do board da IHF, a International Hospital Federation, das quais participo, a mediação de interesses por órgãos reguladores, por exemplo, é um assunto de caráter técnico e assimilado. Já mais maduras, as discussões estão amparadas pelo entendimento de que toda ação tem por fim a garantia de cidadania e, claro, a estabilidade econômica como um todo. A pergunta feita nesses encontros é: como garantir uma assistência à saúde que seja satisfatória individualmente e que, ao mesmo tempo, cumpra com o pacto do acesso universal?
Eu gostaria de não mais precisar reforçar que a Saúde é extremamente sensível a gastos desnecessários, corrupção e visões fragmentadas, até porque movimenta trilhões de dólares em todo o mundo; que o aumento da longevidade do ser humano e das doenças terão impactos excepcionais na Previdência e no tratamento do paciente; que a revisão dos alicerces políticos é uma imposição. Mas, enquanto os cordões político, econômico e ideológico não tiverem uma visão ética e socialmente responsável como tecido condutor de suas operações, ainda teremos que falar sobre isso.
Francisco Balestrin é presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP)