Atividades econômicas usam 3,2 trilhões de metros cúbicos de água em 2015

A pesquisa Contas Econômicas Ambientais da Água (Ceaa), divulgada hoje (16), no Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que 3,2 milhões de hectômetros cúbicos (hm³) de água, o equivalente a 3,2 trilhões de metros cúbicos, foram retirados do meio ambiente pelas atividades econômicas e famílias para distribuição e uso próprio em 2015. Um hectômetro cúbico corresponde a um milhão de metros cúbicos, enquanto um metro cúbico representa mil litros.

O estudo inédito foi feito em conjunto pelo IBGE, Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas (ANA),  contou com apoio da Agência Internacional de Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável e segue metodologia da Organização das Nações Unidas (ONU).

O levantamento mescla informações de fluxo físico e monetário do setor de água. O pesquisador responsável pelo levantamento no IBGE, economista Michel Lapip, ressaltou que as informações obtidas são fundamentais para a sociedade e para a elaboração de políticas públicas pelos governos. Salientou que poucos países, além do Brasil, já elaboraram suas contas econômicas da água.

O total de recursos hídricos renováveis no Brasil, isto é, toda a água disponível na superfície do território, era de 6,2 trilhões de metros cúbicos em 2015. Por habitante, isso equivale a 30,3 mil caixas d’água de mil litros. Em 2013, o total de recursos hídricos era de 7,4 trilhões de m³ e, em 2014, de 7,6 trilhões de m³.

A atividade econômica que mais contribuiu em 2015 para o volume total de água retirada foi eletricidade e gás, com participação de 97,3%, em função da operação das hidrelétricas brasileiras.

Michel Lapip destacou, entretanto, que esse setor se caracteriza pelo uso não consuntivo, em que a água é retirada de um rio e retorna na mesma qualidade e quantidade. “O consumo dele é ínfimo”, afirmou à Agência Brasil.

Excluindo a atividade de eletricidade e gás e as águas das chuvas que passam pelas redes pluviais, o retorno global de água para o meio ambiente alcançou 27 mil hm³, sendo que 25,6% desse retorno ocorreram por meio dos sistemas de esgoto e 74,4% foram lançados diretamente no meio ambiente.

Consumo de água atinge 30,6 bilhões de metros cúbicos em 2015

Já o consumo total de água, correspondente ao volume de água utilizada menos a água que volta para o meio ambiente, somou 30,6 bilhões de metros cúbicos em 2015, o que significa que empresas e famílias consomem apenas 0,5% dos recursos hídricos.

As atividades econômicas que apresentaram maior consumo de água foram agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (77,6%); indústrias de transformação e construção (11,3%); água e esgoto (7,4%).

O uso de água das famílias per capita, isto é, por pessoa, em 2015, foi de 108,4 litros por dia. Em 2013, atingiu 111 litros/dia e, em 2014, 114 litros diários.

A pesquisa revela, ainda, que 68% da água do abastecimento correspondem às famílias e 32% a atividades econômicas. As famílias pagaram 58,7% dessa água de distribuição em 2015, ficando os restantes 41,3% de gastos para as atividades econômicas.

Lapip destacou que a maior parte da água que chega na atividade econômica não vem do setor de abastecimento. “Ela capta direto. Então, ela não é paga para o setor de abastecimento”.

Em relação à vazão de esgoto enviado, 78,6% são destinados às famílias e 21,4% às atividades econômicas. Do mesmo modo que ocorre com os gastos com a água de distribuição, as famílias ficam com o maior percentual de gastos com serviços de esgoto (58,8%), enquanto as atividades econômicas arcam com 41,2%.

Valor da produção de água de distribuição e serviços de esgoto atinge R$ 42,5 bilhões

O valor da produção de água de distribuição e serviços de esgoto somou R$ 42,5 bilhões em 2015, sendo que a água de distribuição respondeu por 67,2% do total. O custo médio por volume de água e esgoto da economia foi de R$ 2,49 por metro cúbico.

O custo de água de abastecimento por volume de uso de água tratada fornecida foi maior para as atividades econômicas (R$ 3,52 por metro cúbico) em 2015 do que para as famílias (R$ 2,35 o metro cúbico).

O pesquisador do IBGE explicou, também, que o custo é menor para as famílias porque a estrutura tarifária do país beneficia mais o uso da água para abastecimento humano do que para meios produtivos, devido a questões como sobrevivência.

Em relação ao custo com serviços de esgoto por volume de águas residuais fornecidas à rede de esgoto, a diferença é ainda mais acentuada. Enquanto o custo para as atividades econômicas alcança R$ 4,01 por metro cúbico, para as famílias é de R$ 1,56 por metro cúbico.

Segundo a pesquisa do IBGE, em 2015 a atividade econômica água e esgoto correspondeu a 0,5% do valor adicionado bruto total da economia. Lapip observou que, quanto menor for esse indicador, “melhor para o setor, para a economia, para a sociedade, para nós todos. Quer dizer que preciso de menos litros de água para gerar R$ 1 de valor adicionado ou de riqueza agregada”.

Para a atividade de agricultura, pecuária, pesca, aqüicultura e produção florestal, o indicador de intensidade hídrica de consumo foi de 91,58 litros para gerar R$ 1 de valor adicionado; para as indústrias de transformação, 3,72 litros por real; para indústrias extrativas, 2,54 litros por R$ 1; e o indicador de eletricidade e gás foi 1,18 litro por real. Para a economia como um todo, foi necessário gastar seis litros de água para cada R$ 1 de valor adicionado bruto.

Já o indicador de eficiência hídrica, que mostra quanta riqueza foi gerada para cada metro cúbico de água consumido pela economia, apresentou média de R$ 169 por metro cúbico.

Segundo o IBGE, isso quer dizer que para cada mil litros de água que consome, a economia brasileira gera R$ 169. Entre as atividades, para cada mil litros de água consumidos pela agricultura, foram gerados R$ 11 de riqueza em 2015. O setor de eletricidade e gás gerou R$ 846 para cada metro cúbico consumido; as indústrias de transformação, R$ 269 por m³, e as extrativas, R$ 393.

Não há solução mágica para crise da água, diz presidente do Conselho Mundial

Braga alerta que não há solução mágica para os problemas hídricos no mundo  José Cruz/Agência Brasil

Presidente do Conselho Mundial da Água desde 2012, o professor Benedito Braga está à frente do órgão que realizará o 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília, entre os dias 18 e 23 de março, o primeiro em um país do Hemisfério Sul.

Professor titular de Engenharia Civil e Ambiental na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e Ph.D em recursos hídricos pela Stanford University, dos Estados Unidos, Braga diz que não existe solução mágica para os problemas hídricos e defende que a água tratada não pode ser de graça, pois existem custos para levar água de qualidade para a população.

“A água não pode ser oferecida de graça porque quando essa água está na natureza e nós a tomamos da natureza, nós temos que tratá-la para que ela possa ser servida para a população. Na natureza, mesmo do rio mais límpido, aquela água não está em condições de ser servida com segurança à população. Então, há necessidade de investimentos em obras e serviços. E essas ações custam dinheiro e tem que ser pagas”, disse.

O Conselho Mundial da Água é responsável pelo acompanhamento da questão em todo mundo há mais de 30 anos e foi fundamental para que as Nações Unidas incluíssem em suas diretrizes a água como direito humano fundamental.

Veja abaixo a entrevista do presidente do conselho à Agência Brasil:
Agência Brasil: O que se pode esperar do fórum?

Benedito Braga: Se nós alcançarmos o nosso objetivo, que é aproximar a comunidade científica e técnica da comunidade tomadora de decisão, que é a classe política, já teremos dado um grande passo. Afinal, é por isso que nós temos trabalhando ao longo de vários anos, preparando-nos para trazer para o fórum ministros, prefeitos, governadores, chefes de Estados para discutirem juntos, de uma forma próxima dos técnicos, que são os têm as soluções para os problemas. A partir daí, motivar essa classe política da importância da água, de conservá-la, de fazer o seu uso racional, da importância de se ter orçamento para obras hídricas, para que os nossos rios não sejam tão poluídos.

Agência Brasil: Como é possível bancar os investimentos em um produto como água que normalmente as pessoas esperam que é de graça?

Benedito Braga: A água não pode ser oferecida de graça porque quando essa água está na natureza e nós a tomamos da natureza, nós temos que tratá-la para que ela possa ser servida para a população. Na natureza, mesmo do rio mais límpido, aquela água não está em condições de ser servida com segurança à população. Então, há necessidade de investimentos em obras e serviços. E essas ações custam dinheiro e tem que ser pagas. Se as pessoas que se utilizam desses serviços não pagam através da tarifa, alguém vai ter que pagar, ou seja, o contribuinte dos impostos de uma forma geral. Isso quer dizer que só existem duas alternativas ou são pagas através das tarifas ou através dos impostos. Então, é melhor que sejam pagas através das tarifas porque são aqueles que estão consumindo que tem que pagar pelo direito de ter aquela água de boa qualidade na sua torneira.

Agência Brasil: E como fazer com as comunidades extremamente pobres que não têm como pagar a tarifa?

Benedito Braga: Eles teriam, sim, o direito a essa água. E o que temos que fazer é criar uma estrutura tarifária em que os mais pobres paguem menos e aqueles que têm melhores condições paguem mais, de tal maneira, que a soma dos fatos resulte no pagamento dos custos relacionados com o provimento daquela água, nas condições seguras para consumo. Hoje, por exemplo, no estado de São Paulo, a Sabesp [companhia de água estadual] já tem esse sistema onde existe uma tarifa social que é reduzida para a população de baixa renda.

Agência Brasil: Com as experiências que conhece, qual citaria para servir de modelo?

Benedito Braga: Na verdade, não temos soluções mágicas. As soluções têm custos e temos que adotar aquelas que minimizem esses custos. Podemos usar tanto sistemas superficiais, como de água subterrânea ou o reúso de água e nisso não há, digamos, um modelo a ser seguido. Eu posso dar um exemplo de reúso de água na Namíbia, na África, numa região muito seca, para prover água potável e que é uma solução muito interessante, sustentável. Nós temos na região da cidade do México, o reúso de água para a agricultura. Mas é bom lembrar que o serviço de água e esgoto é muito tradicional, o que varia são detalhes tecnológicos, mas o processo é sempre de coleta da água, a desinfecção dessa água e o suprimento para a população.

Agência Brasil: Quando se discute o uso da água, o saneamento perde destaque. O 8º Fórum Mundial da Água vai abordar a questão do saneamento?

Benedito Braga: Sem dúvida. E não só saneamento, mas a forma de financiar o saneamento. Vamos ter um painel de alto nível para discutir esse assunto, abordando especialmente a questão do envolvimento de agentes públicos e de agentes privados no provimento do saneamento. Toda essa discussão vai acontecer durante o fórum. Precisamos que seja uma discussão muito séria sobre o financiamento dos serviços de água e saneamento, de sua infraestrutura na América Latina, na Ásia, na África.

Agência Brasil: Ser presidente do Conselho Mundial da Água certamente permite uma visão dos problemas relacionados à água em escala mundial. Como lidar com essa diversidade?

Benedito Braga: A posição de presidente do Conselho Mundial da Água dá essa oportunidade de olhar o problema em todo o planeta desde as regiões mais desenvolvidas dos países do Hemisfério Norte até os países do Hemisfério Sul onde, aliás, há soluções muito interessantes também. Eu cito sempre um exemplo de financiamento do setor de saneamento que a Agência Nacional de Água criou que é o pagamento pelo esgoto tratado, uma forma de financiar mais eficiente do que colocando dinheiro diretamente, que muitas vezes não é usado de forma eficiente. Essa oportunidade de interagir com vários países, com comunidades as mais diferenciadas, é extremamente gratificante.