Recuperação da Bacia do Rio Doce custará bilhões, avalia presidente de comitê

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Recuperação do Rio Doce tem tido a participação de moradores da região                     José Cruz/Agência Brasil

O Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Doce (CBH-Doce) trabalha na solução dos problemas de água na região, que inclui os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, unindo a sociedade civil, o poder público e os usuários que têm atuação e/ou moram na bacia. Sua atuação ganhou evidência após o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015.

A presidente do CBH-Doce, a bióloga Lucinha Teixeira, disse, em entrevista por e-mail à Agência Brasil, que a recuperação da bacia e do seu meio ambiente custará bilhões de reais. Segundo a bióloga, o diálogo entre poder público, organizações da sociedade civil e comitês de usuários no âmbito dos comitês de bacias é um caso de sucesso e tem sido efetivo na solução da crise desse recurso limitado que é a água.

Atuante no comitê há 12 anos, Lucinha apresentará, no 8º Fórum Mundial da Água, que começa neste domingo (18) em Brasília, diversas ações para recuperar a bacia, como os cuidados com os lençóis freáticos, a otimização da irrigação e a diminuição do envio de sedimentos para os rios.

Agência Brasil: O que o CBH-Doce vai trazer para o Fórum Mundial da Água?

Lucinha Teixeira:  Vamos apresentar um relato sobre a situação da Bacia do Rio Doce, antes do rompimento da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, além dos resultados já alcançados com os programas e projetos executados pelos Comitês, para melhoria da qualidade e da quantidade de água. Entre as nossas ações, destacamos a elaboração de Planos Municipais de Saneamento Básico para 165 municípios da bacia, por meio do Programa de Universalização do Saneamento, desenvolvido pelos CBHs do Rio Doce, com o apoio da agência de água da Bacia do Rio Doce, o Ibio [Instituto BioAtlântica]. Investimos mais de R$ 20 milhões na contratação de empresas especializadas na construção dos PMSBs [Planos Municipais de Saneamento Básico] e, com isso, auxiliamos municípios – que não possuíam recursos e nem corpo técnico para elaboração dos planos – a avançar no que diz respeito ao saneamento básico, um dos principais problemas ambientais da bacia.

Agência Brasil: Na prática, quais são os resultados?

Lucinha Teixeira:  No Espírito Santo, em uma junção de esforços com o estado, o Ibio e a iniciativa privada, está em fase de finalização a elaboração de projetos de adequação ambiental e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de 600 propriedades rurais. Os produtores participantes, a partir da doação de insumos, ficam responsáveis pelas intervenções, como cercamento de olhos d’água [locais onde o lençol freático aflora e a água aparece na superfície] e reflorestamento de áreas de recarga [onde a água se infiltra no solo para reabastecer o lençol freático] e, depois, recebem pelo Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).

Outra iniciativa promove, via instalação e customização de um equipamento que indica quando e quanto irrigar, o irrigâmetro, o uso consciente dos recursos hídricos no campo. Mais de 200 propriedades, em Minas e no Espírito Santo, receberam gratuitamente o aparelho e, em alguns casos, a economia de água e energia foi superior a 70%, além da melhoria da qualidade dos produtos cultivados.

Além disso, está em fase inicial de implementação o Rio Vivo, conjunto de ações ambientais com foco no incremento da disponibilidade hídrica, promoção do saneamento rural e diminuição da geração de sedimentos. O Rio Vivo já em execução nas bacias dos rios Piranga, Piracicaba/MG, Santo Antônio e Suaçuí e será estendido a toda a Bacia do Rio Doce, com previsão de investimentos de R$ 100 milhões até 2020.

Agência Brasil: O desastre ambiental de Mariana teve um impacto muito grande. Como tem sido a recuperação e em que medida esse trabalho terá repercussões em outros locais que passaram ou correm o risco de passar pelo mesmo problema? Qual é o papel do CBH-Doce nesse contexto?

Lucinha Teixeira:  Os Comitês de Bacias Hidrográficas – entre eles o CBH-Doce – são órgãos de Estado, criados por decreto federal do presidente da República, nos quais estão inseridos a sociedade civil, o poder público e os usuários que têm atuação e/ou moram na bacia.

Os CBHs fazem parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, ao qual também pertencem o Ministério do Meio Ambiente, a Agência Nacional de Águas, etc. Temos buscado fortalecer a participação do CBH-Doce e dos demais comitês de bacias hidrográficas com atuação na bacia do rio Doce no processo de recuperação, trazendo para o debate com os comitês as discussões tratadas no âmbito da governança estabelecida por acordo entre empresas e governo federal e estadual – o Comitê Interfederativo (CIF). Embora o CBH-Doce faça parte do CIF, existem outros 11 comitês de bacias de rios afluentes ao Rio Doce atuando de forma integrada na promoção de ações que melhorem a quantidade e qualidade de águas.

Agência Brasil: Em que a atuação do CBH-Doce, e especialmente os trabalhos de recuperação da área atingida perlo desastre de Mariana, podem servir para outros países e o próprio Brasil?

Lucinha Teixeira: A Bacia do Rio Doce, que antes desse desastre já apresentava situação ambiental preocupante, necessita de investimentos de bilhões de reais para resultados expressivos no que diz respeito à questão hídrica e a melhorias do meio ambiente, de maneira ampla. Apesar de insuficientes, os recursos da cobrança pelo uso da água já nos permitem fazer um trabalho com resultados cada vez melhores, focados no incremento hídrico, na promoção do saneamento rural e urbano, no incentivo ao uso racional da água, entre outros. Acredito que o trabalho dos comitês de bacia no Rio Doce pode ser mostrado como um caso de sucesso na medida em que, mesmo em um território altamente degradado, com casos de conflito pelo uso da água e com recursos limitados, bons resultados têm se apresentado, diante da aplicação eficiente dos recursos e da gestão democrática e participativa das águas.

Agência Brasil: Os esforços em prol do meio ambiente acabam esbarrando em descuidos que por sua vez vão dar em novos desastres como esse da ruptura do mineroduto da empresa britânica Anglo American, ocorrida no último dia 12. Como um Comitê de Bacia Hidrografica lida com isso?

Lucinha Teixeira: Os Comitês da Bacia Hidrográfica do Rio Doce estão cumprindo seu papel de interlocutor entre a comunidade e os entes fiscalizadores, reguladores e de gestão. Estamos em contato direto com a Copasa, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), o Ministério Público, a mineradora Anglo American e demais órgãos ambientais que estão atuando na região. E reiteramos a necessidade da junção de esforços para que as comunidades impactadas sejam devidamente atendidas, com o restabelecimento do abastecimento humano e reparação dos danos ambientais resultantes do despejo de minério.

 

Indenizações por desastre em Mariana estão em risco

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O tsunami de lama destruiu o Rio Doce. Recuperação deve levar décadas

Cerca de 500 pescadores vítimas da tragédia ambiental de Mariana reúnem-se nesta terça-feira (10) em Linhares, Espírito Santo, com entidades ligadas à pesca, advogados e órgãos públicos. O encontro discutirá o impasse criado pelas empresas rés em torno das indenizações. Ao contrário do que estava previsto, Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda querem limitar a indenização apenas ao dano moral, sem pagamento de dano material. Querem ainda descontar das indenizações (cerca de R$ 10 mil a cada vítima) a ajuda financeira dada após a poluição do Rio Doce e consequente paralisação da pesca. Segundo o advogado Leonardo Amarante, que defende as vítimas do desastre, a postura das empresas está inviabilizando as negociações.

Em 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma das barragens da mineradora Samarco, que é controlada pelas empresas Vale e BHP Billton, despejou mais de 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, que destruíram distritos e casas, deixou moradores desabrigados e matando 19 pessoas. No total 35 cidades no estado de Minas Gerais e 3 no Espírito Santo foram afetadas. As substâncias arrasaram com a mata ciliar do Rio Doce (quinta maior bacia hidrográfica do país), contaminaram suas águas e ainda provocaram a morte de 11 toneladas de peixes e outros organismos. O rompimento da barragem é considerado o maior desastre ambiental do país.

 

 

Reflorestamento da bacia do Rio Doce custará R$ 1,1 bilhão

Estimativas da Fundação Renova sugerem que o reflorestamento de uma área superior a 40 mil hectares na bacia do Rio Doce terá o custo de aproximadamente R$1,1 bilhão, a serem investidos ao longo de 10 anos. Os trabalhos envolverão um plantio direto em mais de 10 mil hectares, enquanto nos demais 30 mil hectares será conduzida uma regeneração natural. Cerca de 5 mil nascentes também devem receber o plantio de árvores no seu entorno.

A Fundação Renova foi criada para gerir os programas ambientais vinculados à tragédia de Mariana (MG) ocorrida em novembro de 2015. Ela é mantida pela Samarco conforme previsto em acordo firmado  entre a mineradora, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e  do Espírito Santo.

A tragédia de Mariana ocorreu após o rompimento de uma barragem pertencente à Samarco. Sessenta milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração foram liberados no ambiente, devastando vegetação nativa e poluindo a bacia do Rio Doce. Comunidades também foram destruídas e 19 pessoas morreram. O episódio é considerado a maior tragédia ambiental do país.

Entre os compromissos assumidos pela Samarco no acordo firmado com o poder público, está a recuperação de 2 mil hectares de vegetação impactados na tragédia e, como medida compensatória, de outros 40 mil hectares degradados da bacia do Rio Doce.

Mudas

O reflorestamento compensatório dos 40 mil hectares exigirá até 20 milhões de mudas nativas, sobretudo da Mata Atlântica. É o que prevê a Fundação Renova, que começou no mês passado um levantamento dos viveiros existentes ao longo da bacia do Rio Doce.

Somente o gasto com a compra das mudas é estimado em R$ 50 milhões. O mapeamento dos viveiros será feito em duas etapas. Inicialmente estão sendo reunidos dados como as localizações de cada um, tempo de atuação e listas das espécies produzidas. Num segundo momento, os viveiristas serão entrevistados sobre sua capacidade produtiva e detalhes técnicos.

Para a Fundação Renova, o envolvimento dos viveiros locais neste processo contribuirá para criar uma nova vocação econômica na região e estruturar uma cadeia produtiva do reflorestamento na região, que pode se manter sustentável e atender uma variada gama de clientes que vão desde pequenos agricultores rurais até grandes empresas situadas na bacia do Rio Doce. São previstos investimentos para capacitar os trabalhadores do setor, melhorar as instalações físicas dos viveiros, promover o alinhamento à legislação de produção de mudas e identificar as sementes nativas.