Os paradoxos da saúde

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Claudia Cohn é presidente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed)

O setor saúde é caracterizado por alguns paradoxos. Um deles, por sinal, é uma particularidade do Brasil. É contraditório que a Constituição determine que a saúde seja direito de todos e dever do Estado, mas que a maior parte dos investimentos no segmento no país venha do setor privado. Hoje, as esferas públicas respondem por apenas 47% dos recursos aplicados, cabendo à iniciativa privada os outros 53%.

Como comparação, no Reino Unido, que desde 1948 implantou um sistema de saúde sob o princípio da universalidade, o qual foi a inspiração do SUS, o Governo arca com 80% dos gastos no setor. Os números daqui indicam um enorme desequilíbrio de acesso aos serviços médico-hospitalares, pois enquanto o setor privado atende aos 48 milhões de pessoas que têm planos de saúde, o SUS é responsável por tentar absorver mais de 150 milhões de brasileiros.

Também é incompatível exigir a universalidade frente à impossibilidade de se financiar 100% de cobertura para 100% das doenças. Situação esta que fica cada vez mais crítica com o aumento dos custos médicos.  Em 2016, por exemplo, a inflação médica no país fechou em 16,7%, bem acima da inflação geral que foi de 6,2%. Esta discussão não é algo exclusivo do Brasil. Em países como o Canadá e a própria Inglaterra, cresce o debate sobre uma maior presença do setor privado como forma de reduzir os gastos do Governo.

Por sinal, equilibrar a equação entre financiamento e custo talvez seja o principal desafio do setor no mundo inteiro. Não existe uma solução simples, pois, diferentemente de todos os outros setores, a saúde é o único em que a incorporação de tecnologia eleva os custos diretamente.  Ao mesmo tempo, aumento da expectativa de vida tem origem na ampliação de exames preventivos, tratamentos precoces e personalizados. Alguns medicamentos mais recentes para câncer, por exemplo, chegam ao custo de 600 mil reais. Na indústria, de uma forma geral, os avanços tecnológicos aumentam a produção e reduzem os gastos. Porém, essa lógica não se aplica à saúde. Não há uma sobreposição entre os equipamentos desenvolvidos. Se no início do século XX, exame de imagem era sinônimo de raio-x, hoje há o ultrassom, a tomografia e a ressonância magnética. Porém, cada um deles é indicado para situações específicas. A racionalidade da utilização adequada e mais indicada é fundamental no controle das despesas, desde que seja analisado o desfecho, o resultado e não apenas o número de procedimentos per se.

É ainda mais absurdo exigir que o princípio da universalidade do sistema público seja aplicado à saúde suplementar.  A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ao estabelecer uma cobertura obrigatória, bem como a Justiça, ao impor que os planos cubram procedimentos que não estão no contrato, transferem para o privado a responsabilidade da rede pública. O correto seria haver uma maior flexibilidade na criação de planos de saúde. O indivíduo deveria ter o direito de comprar o que ele quer em suplementação à saúde pública. Se o sistema fosse efetivamente suplementar, se a pessoa tivesse o direito de adquirir o que ele quisesse de forma aditiva ao que o Estado já oferece, essa seria uma possibilidade de criação de modelo com mais equilíbrio.

O papel estratégico da saúde nas empresas

Marie reduzida
Marie: 85% das pessoas não conseguem fazer sozinhas mudanças em seu estilo de vida

Custos com planos de saúde, absenteísmo, presenteísmo e baixa produtividade são alguns exemplos de como a saúde dos colaboradores impacta diretamente nas organizações. Buscar ações voltadas para o bem-estar deles torna-se, assim, uma necessidade estratégica para a sustentabilidade do negócio. Tendo essa prioridade em vista, é que a ABRH-RJ promoverá, no auditório da FIRJAN, nos dias 11 e 12 de setembro, o I Fórum de Saúde. O primeiro dia será encerrado pela especialista em desenvolvimento de líderes e sócia-diretora da Be Coaching Brasil, Marie Bendelac Ururahy, enquanto que a geriatra Carla Frohmuller fechará o evento. Parte do valor da inscrição será destinada a uma instituição social.

Marie avalia que o ambiente de trabalho é um fator imprescindível na hora de discutir saúde nas empresas, pois estudos apontam que a situação que mais costuma afetar a saúde dos profissionais é o estresse. Esse, normalmente provocado pela falta de habilidade no relacionamento interpessoal dos gestores, bem como pela dificuldade das pessoas em lidar com a pressão de manter alta performance.  “Mas existem ferramentas, como as técnicas de comunicação empática e a Comunicação Não-Violenta (CNV), que têm efeitos comprovados na harmonização dos ambientes corporativos”, destaca.

Dra.Carla Frohmuller reduzida
Carla: Precisamos aprender a envelhecer

Também é necessário que as organizações estejam atentas ao envelhecimento da população. Aliada à provável Reforma da Previdência, o crescimento da longevidade deve aumentar a presença dos idosos no mercado de trabalho, o que traz para o debate da gestão de saúde questões como a incidência de doenças crônicas. “Precisamos aprender a envelhecer e as empresas devem ajudar na educação das pessoas. Passamos boa parte do dia no trabalho, então as organizações têm a oportunidade de desenvolver ações que ajudem a mudar os hábitos de vida dos funcionários”, pondera Carla.

Para reforçar a avaliação da geriatra, Marie cita uma pesquisa de Harvard que aponta que 85% das pessoas não conseguem fazer sozinhas mudanças em seu estilo de vida. “E isso acontece mesmo quando se trata de questão de vida ou morte e apesar de saberem o que devem fazer, orientados por profissionais de saúde” destaca.

Investir em programas de qualidade de vida pode ser uma boa opção, entretanto a sócia-diretora da Be Coaching Brasil observa que a conscientização deve partir de cima para abaixo, ou seja, com o exemplo de CEOs, executivos e gestores. “Só dessa forma é possível sensibilizar e gerar engajamento. Se um colaborador vê seu líder aberto à mudança de hábitos e disposto a cuidar da própria saúde, as chances de ser influenciado positivamente são muito maiores”, afirma.

A programação completa e informações sobre inscrição estão disponíveis no site www.abrhrj.org.br.

*Matéria publicada na coluna Gestão de Pessoas, da ABRH-RJ

Campanha incentiva médicos a pedirem exames para detectar hepatite C

Estima-se que mais de 1,5 milhão de pessoas no Brasil têm hepatite C e não sabem. Anualmentre, em todo o mundo, 1,4 milhão de pessoas morrem em decorrência das hepatites virais, sendo que a maioria (cerca de 70%) é por hepatite C. Para aumentar o número de diagnósticos da doença e encaminhamento dos pacientes para tratamento adequado, uma campanha foi lançada hoje (25) pelas Sociedades Brasileiras de Infectologia e de Hepatologia e pela Associação Médica Brasileira, em parceria com a companhia farmacêutica AbbVie.

A campanha “Peça o teste anti-HCV” é dirigida a profissionais de saúde, de várias áreas de especialidades. O teste anti-HCV é um exame simples de sangue, de rápida resposta e pode ser realizado gratuitamente em centros públicos de saúde.

“Esse teste é disponibilizado pelo Ministério da Saúde e com a campanha pretendemos colocar esses testes para serem usados, fazendo com que todos os médicos sejam alertados para pedir nos seus exames, como pedem colesterol, glicose. Em todos os exames de rotina incluir também um anti-HCV”, recomenda o médico hepatologista Edmundo Pessoa Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia.

A hepatite C é transmitida por meio sanguíneo. De acordo dados do Boletim Epidemiológico 2017, emitido pelo Departamento de Aids, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do Ministério da Saúde, do total de casos notificados entre 2000 e 2015, cerca de 52% desconheciam a provável fonte de contaminação. Quando indicada, as três principais causas prováveis são uso de drogas por compartilhamento de seringas contaminadas (ou qualquer objeto perfurante-cortante), transfusão de sangue e relações sexuais desprotegidas. Do total de casos notificados, cerca de 9% apresentam a doença em coinfecção com HIV.

As regiões Sul e Sudeste do país lideram a detecção da doença, enquanto o Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentam baixo índice de notificação da hepatite C. Lopes enfatiza a importância de identificar os pacientes que têm o vírus. “Sobretudo pessoas com mais de 40 anos, porque foram pessoas que possivelmente tomaram transfusão de sangue antes da identificação do vírus e que usaram seringa de vidro, pois não tinha a seringa de plástico descartável. O risco dessas pessoas é muito maior do que as pessoas mais jovens”, alerta.

Hospitais em Risco

A rede hospitalar privada lida com enormes desafios para se manter sustentável. A atual crise econômica, por exemplo, com o crescimento do desemprego e a redução da renda do brasileiro, tem afetado diretamente o mercado de planos de saúde. Nos últimos dois anos, mais de 2,5 milhões de pessoas deixaram de ter plano. O impacto da retração desse mercado é enorme nos hospitais, pois, em muitos casos, quase 90% dos atendimentos são proporcionados a pacientes credenciados.

Soma-se a isso os elevados custos que marcam o setor, uma vez que a inflação médico-hospitalar chega a ser duas vezes maior do que a inflação comum, e, assim sendo, caracteriza-se um cenário em que hospitais correm o risco real de fechar as portas. Algo nada favorável em um país onde não é cumprida a média mínima de leitos indicada pela OMS.

Porém, a ineficiência do governo estadual do Rio em administrar a própria rede tem gerado ainda mais desafios para os hospitais privados. Não são raros os casos de decisões judiciais que impõem a uma unidade particular o atendimento a um paciente que não encontrou leito disponível na rede pública. Essas decisões transferem a responsabilidade, passando para o setor privado serviços que devem ser prestados pelo braço público.

E, ao que parece, o governador Pezão quer legitimar essa transferência de responsabilidade. No dia 9 de junho, ele sancionou a Lei Estadual n.º 7.621/2017, que, entre outras medidas, impõe à rede privada o atendimento emergencial e integral a pacientes com suspeita de Infarto Agudo do Miocárdio, com Supra Desnivelamento do Segmento S-T (IAM CSS-T) durante as primeiras 12 horas do início dos sintomas, no âmbito do estado do Rio.

Uma lei imposta arbitrariamente, pois, em nenhum momento houve discussão, com a Federação dos Hospitais do Rio de Janeiro. É importante esclarecer que a questão não diz respeito a negar o atendimento, mas à garantia de que haverá o ressarcimento pelo custo gerado. Atualmente, o que se vê no universo da judicialização da saúde são liminares que impõem o atendimento, mas que não determinam prazo para o pagamento dos gastos. Dessa forma, a lei será mais um fator a colocar em xeque a sustentabilidade dos hospitais.

Caso essa lei persista, serão abertos precedentes para que outras leis semelhantes sejam propostas. Assim, a saída mais fácil será sempre internar na rede privada. Mas quem arcará com os custos? Desse modo, quem vai querer investir em um setor com tanta insegurança jurídica? Essa lei traça um cenário que não é nada animador para a rede privada.

*Armando Carvalho Amaral é presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Estado do Rio de Janeiro.