STJ anula processo sobre aborto por quebra de sigilo do médico
Corte entende que profissional não cumpriu obrigação com paciente

Da Agência Brasil

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu hoje (14) suspender um processo criminal aberto contra uma mulher acusada do crime de aborto. A Corte anulou as provas processuais obtidas a partir de denúncia apresentada pelo médico que a atendeu no hospital.

Conforme entendimento do colegiado, o sigilo profissional entre a paciente e o médico deveria ter sido mantido entre eles. Para os ministros, a legislação penal e o Código de Ética Médica impedem os profissionais de revelarem detalhes sobre a saúde de seus pacientes.

O caso envolve uma mulher que estava com 16 semanas de gestação e procurou atendimento médico após passar mal. Durante o procedimento, o médico que a atendeu suspeitou que a paciente tomou um remédio abortivo. Em seguida, o profissional acionou a polícia.

Após a abertura de inquérito, o médico enviou para as autoridades o prontuário da paciente e ainda figurou como testemunha no processo. Com base na acusação, o Ministério Público denunciou a mulher pelo crime de provocar aborto em si mesma ao tribunal do júri.

Ao julgar um recurso de defesa, os ministros entenderam que a participação do médico na acusação gerou a nulidade das provas, sendo necessário o trancamento da ação penal.

O STJ não analisou a constitucionalidade do crime de aborto. A análise da questão está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda não há data para o julgamento.

STJ desobriga audiência para mulher reafirmar acusações de violência
Ela só deve ser realizada se vítima quiser retirar acusação

Da Agência Brasil

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, nesta quarta-feira (8), que a mulher vítima de violência doméstica não precisa reiterar as acusações contra o agressor em uma audiência judicial. O caso foi julgado em função das comemorações do Dia Internacional de Mulher.

Os ministros analisaram a legalidade da audiência prevista no Artigo 16 da Lei Maria da Penha. A norma prevê a realização de uma audiência antes do recebimento da denúncia.

A dúvida estava na aplicação do dispositivo para reiteração das acusações perante o juiz ou somente no caso de pedido de retratação.

Ao julgar o caso, a Terceira Seção do STJ definiu que a audiência só deve ser realizada se a vítima manifestar o desejo de retirar as acusações. Além disso, os ministros definiram uma tese que deverá ser aplicada a todos os casos semelhantes que estão em tramitação na Justiça do país.

“A audiência prevista no Artigo 16 da Lei 11.340/2006 tem por objetivo confirmar a retratação, não a representação, e não pode ser designada de ofício pelo juiz. Sua realização somente é necessária caso haja manifestação do desejo da vítima de se retratar trazida aos autos antes do recebimento da denúncia”, definiu o STJ.

Maria da Penha

Durante a sessão, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à lei, foi homenageada pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, presidente do colegiado. Ela participou dos trabalhos por videoconferência.

Na avaliação do ministro, a lei é a principal norma para punir a violência doméstica. “Essa violência não pode ser um problema só das mulheres. É um problema do poder público e da sociedade”, afirmou.

Novo filtro de recursos para o STJ pode ser aprovado no Congresso
Corte pode passar a analisar apenas processos cíveis de valor superior a R$ 606 mil

 

 

Por Raphael Di Cunto e Beatriz Olivon, do Valor Econômico

Câmara dos Deputados está para aprovar em breve uma proposta de emenda constitucional (PEC) para limitar o número de recursos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O texto pretende que apenas processos com “relevância” sejam analisados pela Corte. Seriam, por exemplo, casos cíveis que discutem valor superior a R$ 606 mil.

Na prática, se essa PEC for aprovada como está, os recursos especiais direcionados ao STJ passarão a ter a obrigação de mostrar a relevância das questões de direito discutidas ali para terem o mérito analisado. Os ministros poderão rejeitar a admissibilidade do recurso se dois terços deles entenderem que não há importância no caso.

Defensores desse “filtro” argumentam que chegam anualmente mais de 10,7 mil processos para cada ministro do STJ, alguns deles com questões jurídicas pouco relevantes, o que torna impossível que os casos mais complexos sejam analisados com qualidade e celeridade.

A PEC foi aprovada pelo Senado Federal em agosto. Precisa de um novo crivo da Câmara sobre as mudanças feitas pelos senadores. Os deputados já haviam aprovado a matéria em 2017, quase por unanimidade, mas o tema ficou anos em debate no Senado por pressão da advocacia, que vê no filtro um risco de que seus recursos não sejam analisados pelo STJ.

A principal mudança no Senado foi estabelecer os casos em que haverá, imediatamente, a presunção da relevância: ações penais, de inelegibilidade e improbidade administrativa; situação em que o acórdão alvo de recursos contrariar jurisprudência dominante no STJ; causas que envolvam valores superiores a 500 salários mínimos (hoje, R$ 606 mil); e outras questões previstas numa futura lei que regulamentará esses procedimentos.

Esse texto foi fruto de acordo entre os senadores e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), segundo a relatora da PEC na Câmara, a deputada Bia Kicis (PL-DF). Ela antecipou ao Valor que manterá essa última versão para permitir a rápida promulgação – qualquer alteração exigiria nova votação pelo Senado por se tratar de emenda constitucional. “A PEC tinha sérios problemas, mas hoje tem um texto que atende a todos os lados”, afirmou.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a relevância, quando aprovada, será um divisor de águas para o STJ. “Vai direcionar a atuação da Corte para o seu real papel de Corte de superposição e ressignificar o STJ”, afirmou. Ele destacou que será preciso ainda uma lei para regulamentar a admissibilidade criada por esse novo filtro.

Apesar das conversas entre senadores e OAB, os advogados não são completamente favoráveis ao projeto. Contudo, ponderam que o texto era mais restritivo antes de sofrer ajustes no Senado. Não obrigava, por exemplo, a análise de todas as ações penais, por isso a resistência da categoria ao projeto diminuiu.

Procurada pela reportagem para falar sobre o acordo, a OAB não quis se manifestar. A vice-presidente nacional do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), Cristiane Romano, diz que a categoria entende que os tribunais estão com muitos processos. Com isso, surgem iniciativas tanto legislativas quanto da jurisprudência para tentar diminuir o número de recursos, diz ela, e dificultar sua proposição.

Maior objetividade nos votos dos ministros e mais sessões o ano todo, sem recesso, seriam outras possibilidades para reduzir os processos, argumenta Cristiane. “Formas que poderiam ajudar sem que houvesse prejuízo na recorribilidade”, afirma. O receio está em como a relevância será analisada pelo tribunal. “Será que os advogados vão conseguir fazer chegar a mensagem de relevância no caso?”, questiona.

Vice-presidente jurídico-legislativo da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Flávio Wandeck disse que a entidade reconhece a necessidade de aperfeiçoamento porque o número de recursos que chegam aos tribunais superiores é “realmente alarmante”. Porém, os defensores públicos temem que esse filtro dificulte o acesso dos mais vulneráveis à Justiça. Ele sugere uma mudança na PEC para que “questões sociais relevantes” sejam consideradas.

Wandeck exemplifica a importância do aspecto social nesse filtro com o recente julgamento do STJ que limitou apenas a procedimentos listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a obrigação de pagamento pelos planos de saúde, o chamado “rol taxativo da ANS”. “Essa linha de corte de 500 salários mínimos nos processos cíveis atende à demanda de questões econômicas relevantes, mas não parece ter preocupação com questões sociais que impactem a coletividade e não só um indivíduo”, afirmou.

A comissão especial que discute a PEC foi instalada há duas semanas pela Câmara. Os prazos apontavam que ela só seria votada pelo plenário após as eleições de outubro, mas o interesse do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), em votar outras PECs relacionadas à questão dos combustíveis está fazendo com que todos os prazos processuais corram muito mais rápido. Isso poderá permitir a votação da “PEC da Relevância” já em julho.

Caso das ‘rachadinhas’: Quinta Turma do STJ anula quebra de sigilo de Flávio Bolsonaro
Análise de pedidos de habeas corpus do senador foi retomada nesta terça; quatro ministros divergiram do relator, Félix Fischer

 

João Paulo Saconi, do Globo

Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) votaram, nesta terça-feira, a favor de um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para anular a quebra de sigilo fiscal e bancário do filho do presidente Jair Bolsonaro no caso das “rachadinhas”. As decisões anuladas tinham sido autorizadas em 2019 pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio, e se estendia cerca de cem pessoas e empresas suspeitas de envolvimento no esquema de desvio de recursos do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Os votos favoráveis a Flávio partiram dos ministros João Otávio Noronha, Reinaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Parcionik. Os quatro divergiram do ministro Félix Fischer, relator do caso, que optou por negar o pedido da defesa e foi vencido pelos colegas do colegiado. O recurso já havia sido negado anteriormente, há um ano, pela 3ª Câmara Criminal do TJ do Rio.

Na contramão do que havia sido deliberado pela Corte fluminense, os quatro ministros da Quinta Turma consideraram que houve falta de fundamentação em duas decisões de Itabaiana para autorizar as quebras de sigilo solicitadas pelo Ministério Público (MP) do Rio na condução da investigação.

João Otávio Noronha, que abriu o primeiro voto divergente em relação a Fischer, chegou a criticar o magistrado por ter utilizado uma decisão de duas linhas para quebrar o sigilo de mais de 90 pessoas. A fala do magistrado ecoa o discurso dos advogados de Flávio, do próprio parlamentar e do presidente Bolsonaro, que reclamou publicamente, em maio de 2019, a maneira como o filho teve os sigilos bancário e fiscal expostos por decisão de Itabaiana.

Declarada nula, a decisão pode impactar outros procedimentos utilizados pelo Ministério Público (MP) do Rio  na investigação sobre a devolução de salários de ex-funcionários de Flávio, que resultou em denúncia oferecida contra o político e outras 16 pessoas em outubro do ano passado. A quebra de sigilo colheu informações que serviram como base para a autorização de outras diligências relevantes para o caso.

Ao GLOBO, a atual defesa de Flávio Bolsonaro, representada pelos advogados Luciana Pires, Rodrigo Rocca e Juliana Bierrenbach, informou que ainda não buscará a anulação de outros procedimentos da investigação, uma vez que aguarda o julgamento de outro recurso, a ser avaliado na semana que vem, que questiona todas as decisões do juiz Flávio Itabaiana relativas ao caso.

Na ação julgada nesta terça-feira, Flávio foi representado pela advogada Nara Nishiwaza, da equipe do advogado Frederick Wassef, que havia deixado o caso em junho do ano passado, após ter abrigado, em um endereço de Atibaia (SP), Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar, preso naquele mês, e denunciado posteriormente como operador da “rachadinha”. Apesar de ter sido substituído pela equipe da advogada Luciana Pires, Wassef acompanhou a sessão de hoje por videoconferência.

Outros pedidos da defesa

Os cinco ministros da Quinta Turma do STJ se debruçam, desde o início de fevereiro, sobre o julgamento de três pedidos de habeas corpus apresentados por advogados de Flávio Bolsonaro no ano passado e de um quarto recurso da defesa de Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar, e da mulher dele, Márcia Oliveira de Aguiar.

O julgamento havia sido iniciado em novembro, mas foi interrompido por um pedido de vista de João Otávio Noronha. Antes do feriado de Carnaval, foi a vez de Felix Fischer solicitar mais tempo para a análise dos recursos. Nesta terça-feira, o realtor optou por não ler os seus votos a respeito dos habeas corpus relativos a outros tópicos do caso das “rachadinhas” e postergar a discussão para a próxima terça-feira.

Além da quebra de sigilo, já analisada, há pedidos dos advogados de Flávio para anular relatórios emitidos pelo Conselho do Controle de Atividade Financeira (Coaf) com dados do parlamentar e a totalidade das decisões de Itabaiana, que deixou de conduzir o caso em junho do ano. Flávio recebeu foro privilegiado e a investigação migrou para o Órgão Especial do TJ do Rio, formado por 25 desembargadores.

Recurso já tem voto favorável

Antes da decisão de suspender o restante do julgamento para a próxima semana, o ministro João Otávio Noronha também votou a favor de outro pedido da defesa de Flávio a respeito de informações repassadas pelo Coaf ao MP do Rio para embasar a investigação sobre o senador. Os outros quatro ministros do colegiado ainda não se manifestaram sobre o tema, que deverá ser retomado a partir do parecer da relatoria de Fischer.

Noronha considerou que um relatório de inteligência financeira (RIF) originado pelo Coaf promoveu “indevida intromissão na devida intimidade e privacidade” de Flávio e destacou entender que houve falta de “autorização judicial que garantisse a razoabilidade e proporcionalidade da medida”. O ministro chegou a criticar a maneira como a promotoria lançou mão dos dados do órgão Coaf:

— O Coaf não é órgão de investigação, e muito menos de produção de prova. Ele tem que fazer o relatório de inteligência, e então está finalizada sua missão. Ele não pode ser utilizado como órgão auxiliar do Ministério Público — disse Noronha.

Entre os argumentos para votar pela anulação, Noronha mencionou que houve irregularidade na comunicação entre o MP e o Coaf, uma vez que consta nos autos uma comunicação informal, via e-mail, trocada pelas instituições com a requisição para a emissão do documento com informações sobre Flávio.

Em dezembro de 2019, após meses de paralisação nessa e em outras centenas de investigações, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o compartilhamentos de dados reunidos por órgãos de inteligência pode ser feito sem decisão judicial prévia e que a comunicação das informações precisa ser feita unicamente por meios de comunicação formais dos órgãos envolvidos. Esse procedimento foi realizado pelo MP do Rio da maneira determinada, ao passo em que a comunicação por e-mail ocorreu paralelamente e apenas no momento da solicitação das informações.