Por João Luiz Rosa e Daniela Braun, do Valor EconômicoMet
O metaverso, que promete eliminar as fronteiras entre o mundo físico e o digital, está no centro da lista das dez tendências tecnológicas do Valor para 2022. Ainda é difícil determinar que contornos esse novo ambiente assumirá no futuro, mas a recente decisão do Facebook de mudar seu nome corporativo para Meta, numa alusão a esse conceito, mostra como as “Big Techs” estão determinadas a construir essa rede e definir os modelos de negócio que a tornarão viável e lucrativa.
Os usuários poderão tanto imergir em universos virtuais, na pele de representações digitais ou avatares, como sobrepor imagens e dados digitais ao mundo concreto, podendo interagir com essas informações.
Na prática, trata-se de uma combinação de duas vertentes tecnológicas já existentes – a realidade virtual e a realidade aumentada – acrescida do caráter aglutinador das redes sociais.
“O metaverso é o próximo paradigma computacional da humanidade”, diz Hugo Barra, executivo brasileiro que já passou por cargos internacionais de comando em empresas como Google, Xiaomi e Facebook.
A cada 15 ou 20 anos, afirma Barra, a tecnologia ingressa em um novo ciclo. Foi assim com os mainframes nos anos 50, os minicomputadores nos 60, os PCs na década de 80, e os dispositivos móveis a partir de meados dos anos 90, quando o uso da internet passou a se disseminar. A fase atual, caracterizada pelos smartphones e os aplicativos, começou em 2010. “Faz 11 anos que entramos nesse paradigma. Então, se a história se repetir, teremos um novo salto até o fim da década. Em cinco anos, já veremos mudanças significativas.”
O metaverso não é um território totalmente desconhecido. Em 2003, o jogo Second Life virou febre ao proporcionar um ambiente digital povoado por avatares. Mas não conseguiu manter o interesse do público e caiu no ostracismo. Pokemon Go, lançado em 2016, fez enorme sucesso ao projetar “monstrinhos” em ruas de verdade, uma aplicação de realidade aumentada. E o Fortnite, game mais popular da atualidade, com 350 milhões de contas, funciona como uma rede social, com recursos de comunicação entre os jogadores e espaços digitais compartilhados.
A diferença entre esses precursores e a nova fase que se desenha é que as “Big Techs” parecem empenhadas em juntar essas partes em mundos coesos e mais completos. Não faltam a esses grupos recursos financeiros para levar a tecnologia a patamares mais elevados. As aplicações também irão muito além do entretenimento, com a popularização de novos dispositivos de acesso. “Óculos podem substituir os celulares”, diz Barra.
Em sua 13ª edição, a lista do Valor traz outros tópicos relacionados ao metaverso. É o caso do NFT ou “token não fungível”. Escolhida como palavra do ano pelo dicionário Collins, a sigla descreve um certificado digital que pode ser associado a ativos como vídeos, músicas, jogos, fotos, até um meme da internet.
Esse selo, garantido pela tecnologia Blockchain, não pode ser duplicado, o que dá a seu proprietário a garantia de que detém os direitos do item em questão. No ano passado, o primeiro tuíte da história foi leiloado por US$ 2,9 milhões, enquanto o curta-metragem “Crossroads”, de 10 segundos, foi vendido por US$ 6,6 milhões.
As marcas estão atentas às novas possibilidades. Em dezembro, a Nike comprou a RTFKT, uma startup de NFT que tem entre seus principais produtos uma linha de tênis virtuais para o metaverso.
Criar e manter mundos virtuais vai exigir infraestrutura mais rápida e robusta, como as redes 5G, outro tópico deste ano. No Brasil, o leilão de frequências para a 5ª geração móvel levantou R$ 48 bilhões, em novembro. A expectativa é que o padrão entre em funcionamento nas capitais até meados de 2022.
Completam a relação os seguintes tópicos: cibersegurança, “open health”, comércio ao vivo, carro como serviço, robôs, tecnologias de apoio às políticas ESG e sistemas que proporcionarão uma vida híbrida na pós pandemia – presencial e on-line.
Metaverso
A criação do termo metaverso é atribuída ao escritor americano Neal Stephenson, que em 1992 usou a expressão para descrever um mundo virtual em 3D habitado por avatares – representações digitais de pessoas reais – em seu livro “Nevasca”, de ficção científica. O conceito se popularizou no ano passado, depois que o Facebook anunciou que o nome da companhia seria mudado para Meta, numa alusão ao metaverso. Outras “Big Techs”, como a Microsoft, já anunciaram sua intenção de investir no metaverso, cujos recursos permitem tanto levar os usuários a universos virtuais como projetar imagens digitais sobre cenários físicos, com a ajuda de dispositivos como óculos especiais. Para as marcas, é uma oportunidade de explorar os limites da tecnologia e alcançar grandes comunidades com as quais poderão interagir em tempo real, com a venda de artigos e serviços virtuais.
5G
Até julho, as capitais brasileiras devem contar com a nova geração de tecnologia móvel 5G, que promete transmissão de dados até 100 vezes mais rápida que o 4G e baixa latência – o tempo de resposta em redes de comunicação. “5G é muito mais do que o acesso rápido à internet [para o consumidor]”, diz Márcia Ogawa, líder da consultoria Deloitte. O interesse das 11 operadoras que investiram R$ 48 bilhões para comprar as faixas de frequência 5G, em novembro deixa claro o potencial do padrão. Na agricultura, o 5G poderá ajudará a prevenir o aparecimento de pragas e o uso massivo de defensivos em lavouras de soja e cana-de-açúcar. Na saúde, aparelhos de ultrassom portáteis monitorados a distância permitirão fazer exames em áreas remotas. A 5ª geração vai favorecer a adoção da internet das coisas, em que máquinas se comunicam umas com as outras, intensificando a robotização da indústria.
NFT
De obras de arte a figurinhas de jogadores de futebol, a conversão de direitos de propriedade em “tokens não fungíveis” (NFT, na sigla em inglês) abre uma gama infindável de possibilidades de negócios. Tokens são códigos numéricos com registro de transferência digital. Essa representação de ativos permite que a autoria de uma música ou até de um meme sejam convertidos em NFTs e comercializados, com o suporte da tecnologia blockchain, que nasceu como uma espécie de livro-razão das criptomoedas. Entre o primeiro e o terceiro trimestres de 2021, as transações de NFTs triplicaram no mundo, para mais de US$ 5,9 bilhões, segundo o site Nonfungible.com. Há um interesse crescente das empresas em aplicar os NFTs a programas de fidelização de clientes e promoções. O setor financeiro estuda usá-los como base para rodadas de financiamento coletivo à prova de fraudes.
Open Health
Após a estreia do sistema financeiro aberto ou “Open Banking” – que começou a ser efetivado pelo Banco Central em fevereiro do ano passado e chegou à sua 4ª fase em dezembro – o próximo modelo de compartilhamento de informações entre diferentes instituições, públicas e privadas, caminha para as aplicações de saúde. É o “Open Health”. A plataforma ConecteSUS, que reúne dados de vacinação de todo o país é, de certa forma, um balão de ensaio para a conexão de demais informações de pacientes, destaca Marcello Mussi, sócio da consultoria PwC Brasil. “Daí para determinar que hospitais e clínicas compartilhem as informações dos pacientes é um pulo”, afirma. “Vale lembrar que os dados pertencem ao paciente e não às instituições.” Como no “Open Banking”, a criação de uma plataforma única tende a aumentar os serviços oferecidos, o que pode elevar a concorrência, diluir custos e melhorar a oferta.
Live Commerce
A pandemia ajudou a moldar o interesse do brasileiro pelas transmissões on-line e ao vivo de eventos, shows, esportes e games. O varejo é a próxima fronteira. No comércio ao vivo, o consumidor interage com vendedores e influenciadores digitais em lives nas quais pode comprar os produtos anunciados. O isolamento social deu força à tendência. No Brasil, grandes varejistas e marcas apostaram no modelo com canais próprios e alianças com redes sociais na Black Friday. Segundo a consultoria McKinsey, os clientes gastam mais tempo no “live commerce” do que nas lojas on-line. A conversão de vendas também é maior. Na China, onde foi popularizado pelo Alibaba, o modelo movimentou US$ 171 bilhões em volume bruto de mercadorias transacionadas em 2020 e vai chegar a US$ 343 bilhões em 2022, prevê a McKinsey. No mundo, a estimativa é que represente até 20% das vendas on-line em 2026.
Smartcar
Cada vez mais conectados, os carros estão ficando mais semelhantes aos celulares e computadores com a atualização on-line dos softwares de bordo pela nuvem. A mudança é prenúncio de um novo modelo comercial – o carro como serviço. No futuro, o consumidor poderá fazer o download de recursos e ativa-los a distância, pagando pelo que usa. Por exemplo, aquecer os bancos do veículo em dias frios ou comprar potência extra aos fins de semana. A indústria automobilística já começou a sedimentar esse caminho. A Volvo lançou modelos que dispensam o smartphone para acessar aplicativos, a BMW oferece pacotes de dados gratuitos e a Volkswagen criou sua própria loja de apps. Serviços digitais serão uma fonte de receita significativa para as montadoras. Até 2030, a Stellantis, resultado da fusão entre Fiat Chrysler e Peugeot Citroen, prevê faturamento anual de 20 bilhões de euros com softwares.
ESG
Tecnologias capazes de ajudar as organizações a adotarem práticas ambientais, sociais e de governança ganham espaço à medida que a agenda ESG fica mais relevante. A Oracle, gigante americana de tecnologia, usa o sistema de seleção às cegas da startup brasileira Jobecam em suas contratações na América Latina. Para minimizar o risco de viés, o recrutador não consegue ver a imagem ou ouvir a voz verdadeira do candidato. Na área de sustentabilidade cresce o uso dos gêmeos digitais – modelos virtuais de processos, produtos e serviços. A AES Brasil, de energia, criou uma réplica digital de toda sua estrutura de geração e distribuição. Usando inteligência artificial e “Big Data”, a empresa simula os efeitos de variações climáticas sobre o uso de energias alternativas. Em seis refinarias da Petrobras, gêmeos digitais controlam a queima de gases nas tochas, reduzindo emissões que contribuem para o efeito estufa.
Vida híbrida
Com as campanhas de vacinação, as pessoas estão voltando a trabalhar, estudar e se divertir fora de casa. Mas é um retorno gradual, o que significa que as atividades presenciais vão conviver com hábitos digitais adquiridos na pandemia – e que não desaparecerão. É o caso do ensino a distância, que encerrou o primeiro semestre de 2021 com crescimento de 9,8% no número de matrículas nas universidades privadas, enquanto o de cursos presenciais caiu 8,9%, segundo dados do Instituto Semesp. Na saúde, o número de consultas por telemedicina explodiu. Foram mais de 7,5 milhões entre 2020 e o ano passado, de acordo com a Saúde Digital Brasil, associação do setor. No entretenimento, a expectativa é que segmentos muito atingidos, como o cinema, se recuperem. Até 2025, esse mercado crescerá 39,3%, prevê a PwC. Mas os formatos digitais continuarão em alta: no streaming de vídeo, o aumento previsto é de 12,7%.
Robôs
Robôs assistentes começam a deixar o campo da ficção científica e chegar ao mercado. Em outubro, a Amazon lançou o Astro, seu primeiro robô residencial. Nos Estados Unidos, onde começou a ser vendido na temporada de fim de ano, a consumidores convidados, o dispositivo custa US$ 1 mil. Munido de um sistema de mapeamento e localização, ele acompanha os moradores da casa trazendo os recursos da assistente digital Alexa, além de monitorar a automação e a segurança do local. Outra aplicação é acompanhar idosos para alertar sobre eventuais acidentes. Embora tenha despertado críticas sobre sua capacidade de executar as tarefas sugeridas, Astro evoca o imaginário construído ao longo de décadas pela literatura e o cinema. O “rosto” do robô é uma tela que exibe expressões simpáticas e lembra os personagens da animação “Wall.E”; os sons emitidos lembram o R2-D2, de “Star Wars”.
Cibersegurança
A longa lista de empresas vítimas de ataques cibernéticos em 2021 pode ficar menor neste ano, já que cibersegurança passou a ser assunto de alta gestão. “A ficha caiu entre os executivos de que esse é um problema que afeta estratégia, negócios, imagem e reputação das empresas”, diz Lincoln Mattos, fundador e CEO da Tempest, companhia brasileira de cibersegurança. A adoção da arquitetura de rede de “confiança zero”, ou “zero trust”, é uma das ferramentas para elevar as barreiras contra o cibercrime. “A base é não confiar em nada e manter controles de acesso rigorosos, onde o profissional estiver”, afirma o especialista. Outra tendência é a detecção e resposta estendida (XDR, na sigla em inglês), que dá visibilidade total do fluxo de informação da empresa, internamente e na nuvem. “Isso permite agir rapidamente na mitigação de ameaças”, diz Roberto Engler, líder da IBM Security no Brasil.