Preservando a inovação em tempos de COVID-19: ações do MCTIC para adaptar a Lei do Bem e ampliar a adesão
Feliciano Aldazabal*

Feliciano Aldazabal é diretor de Inovação e Marketing do FI Group

A Lei do Bem (11.196/05) foi criada com o objetivo de permitir às empresas do Brasil a criação de uma estrutura sustentável e crescente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), através da concessão de incentivos fiscais por parte do Governo Federal às empresas que investirem em tais atividades. No entanto, segundo dados do IBGE, divulgados na última edição da Pesquisa de Inovação – PINTEC, apenas 4,7% do total de empresas elegíveis para a Lei do Bem se valem do benefício em 2017. Já para o ano base de 2018, embora fosse um ano de certa limitação econômica, houve um crescimento da ordem de 23% de empresas que utilizaram o incentivo da Lei do Bem. Continuando igualmente em proporções ínfimas, pois apenas 6% das empresas estimadas com potencial estariam utilizando este incentivo – definido no Capítulo III da referida Lei.

Ciente de algumas limitações existentes na Lei do Bem, em 2019, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC – fez um diagnóstico sobre importância de rever o incentivo, com o intuito de mapear o total de empresas que poderiam utilizar o benefício em suas condições atuais, e adequar a Lei para incentivar o desenvolvimento econômico do país. Ainda em 2019, foi criado um Grupo de Trabalho multidepartamental para realizar tal iniciativa. Como consequência do trabalho deste grupo, uma primeira ação foi definida, com o objetivo de apoiar o contribuinte no processo de identificação de atividades elegíveis, que culminou com a publicação do Guia Prático da Lei do Bem – MCTIC, no final do ano.

Aperfeiçoamento da Lei do Bem 2020

O ano de 2020 está sendo atípico para todos os setores, mas o projeto de aperfeiçoamento da Lei do Bem continua em desenvolvimento, pois o fomento da inovação nas companhias é hoje mais importante do que nunca. Conforme comentado pela coordenação do Grupo de Trabalho do MCTIC em evento apresentado no início de junho, estão sendo realizadas duas tratativas diferenciadas: uma emergencial, que pretende adaptar a legislação às necessidades impostas pela crise originada pela pandemia de COVID-29, e uma segunda de mais longo prazo, que visa atender algumas questões que vem sendo discutidas nos últimos anos para dinamizar o ecossistema de inovação no país.

Assim, a primeira iniciativa que está sendo tratada visa a entrega de uma Proposta Emergencial de alteração da Lei, tendo como principal intuito que o resultado fiscal deixe de ser um fator limitante na utilização deste incentivo – uma das duas principais causas da pouca aderência de empresas ao incentivo. No cenário atual, se o incentivo se mantiver como está, quase deixaria de fazer sentido a existência do mesmo, uma vez que os resultados operacionais das empresas com a grave crise que está acontecendo dificilmente serão positivos.

Em paralelo, cientes de que esta única medida, apesar de bastante relevante, não seja suficiente para o setor empresarial brasileiro, pretende-se apresentar uma segunda proposta de adequação da Lei do Bem, na qual sejam consideradas medidas que permitam uma melhor percepção do impacto da lei, como indicadores de esforço, resultado, além de outras medidas que almejam dinamizar a cooperação técnica das diferentes entidades que compõem o ecossistema de inovação ou a integração de perfís mestres e doutores ao mundo empresarial. Assim, podemos destacar:

Incentivo adicional à contratação de Mestres e Doutores por parte das empresas;

Fomento de parcerias com ICT, por meio da ativação e desburocratização do artigo 19A já existente hoje na Lei do Bem, que prevê o dobro de valor de incentivo quando os projetos são realizados em parceria entre empresa e ICT;

Fomento de parcerias entre companhias grandes e empresas de pequeno porte (EPP) de base tecnológica, facilitando o acesso às EPP ao incentivo existente no artigo 18 da Lei, onde a receita oriunda de serviços de PD&I não tributa;

Possibilidade da inclusão como valor dedutível de aportes à fundos de Ciência e Tecnologia.

Ademais, está sendo definido um processo para que o Guia Prático da Lei do Bem, publicado em 2019, seja atualizado anualmente com as modificações trazidas pelo Grupo de Trabalho, com algumas adaptações para o final de 2020 relacionadas aos procedimentos de gestão das candidaturas e de obtenção de indicadores deste importante incentivo.

Alavancando a inovação no país

Apesar de ainda haver muito por fazer, existe um direcionamento claro do MCTIC em promover e fomentar cada dia mais o investimento em inovação, especialmente no que tange o setor privado. De acordo com o Índice Global de Inovação de 2019, entre 129 países, o Brasil é atualmente o 67° país em produção de inovação. Nesse sentido, o Brasil enfrenta diversos desafios, destacando a importância de garantir a estabilidade do investimento em inovação nas companhias, aproximar o conhecimento científico teórico das empresas privadas e promover um ambiente de interação entre os diferentes agentes do ecossistema da inovação. E tudo isto num ambiente econômico complexo originado pelo COVID-19. A Lei do Bem apresenta-se como um facilitador para essa aproximação além de reforçar e potencializar a inovação como grande pilar para o desenvolvimento econômico do país.

O atentado contra a Sra. Estatística
Alfredo Guarischi

Alfredo Guarischi é médico

Como noticiado, a Sra. Estatística sofreu um atentado. Após receber ameaças há tempos, foi atingida com gravidade. Felizmente, profissionais da saúde qualificados cuidaram dela. Sem essa veterana aliada, não conseguiríamos continuar a cuidar de ninguém. Ela ajudou no trabalho de Semmelweis, sobre a importância de lavar as mãos, de Snow, que descobriu o caminho da cólera em Londres, de Florence, que melhorou as condições sanitárias dos hospitais, de Cruz, que venceu a Guerra da Vacina, de Doll, que comprovou ser o fumo responsável por diversos tipos de câncer.

Já tentaram manipulá-la, mas a Sra. Ética, tem sido sua companheira inseparável. Seu pai e inspirador, o Sr. Matemática, mesmo muito idoso continua fornecendo equações precisas que alguns tentam ignorar. O Inspetor Ciência já identificou dois suspeitos, mas pode haver outros. Um deles insistia em divulgar apenas os números absolutos, confundindo até a imprensa. O Sr. Matemático considera grave desconhecer a importância da diferença populacional entre cidades, estados e países. Analisar as mortes por milhão de habitantes e calcular a taxa das variações semanais é mais adequado para entender a evolução de pandemias.

O outro suspeito teria que divulgar de forma consolidada a montanha de números que chegam das cidades e municípios, porém ele declarou que as planilhas recebidas estavam confusas e decidiu trancar tudo em sua gaveta.
Esses dois suspeitos obviamente trocam pesadas acusações recíprocas, mas ambos erraram. A Sra. Verdade, guardiã da sociedade, considera fundamental a participação da Sra. Ética nessa investigação, pois é uma pessoa de isenção milenar. O Sr. Correto, autoridade de notório saber, determinou a imediatamente liberação dos dados, e as eventuais ressalvas, feitas de forma clara.

As investigações iniciais sugerem que esse atentado ocorreu por uma conjunção de fatores, porém houve alguma motivação política, de diversas correntes. A arma empregada, a desinformação, nesse caso específico, não matou a vítima, pois os investigados não levaram em conta que as planilhas são compiladas nos municípios e estados responsáveis por coletar esses dados. A Sra. Transparência e pesquisadores independentes, receberiam uma segunda via dos documentos e poderiam analisar tudo, inclusive a qualidade das notificações. Sem dúvida haveria um grande trabalho e custos extras, mas os registros não desapareceriam. Números são pessoas.

É um alívio saber que, em menos de dois dias, a Sra. Estatística voltou a nos ajudar. Os dois suspeitos continuarão se acusando, sendo provável que, diante da repercussão do caso, alguém diga que foi um acidente ou um mal-entendido.

PS: Caro leitor, suspeita-se que essa fábula foi escrita por um admirador dos detetives Hercule Poirot e Sherlock Holmes. Há também indícios de que o autor mantenha uma longa amizade com o Sr. Epidemiologista, irmão da Sra. Estatística.

Hidroxicloroquina na Covid-19: a responsabilidade do médico e da instituição
Joberto Acioli *

Joberto Acioli é médico e advogado do Pessoa & Pessoa Advogados Associados

Resultados excelentes obtidos em laboratório com o uso da Hidroxicloroquina, com doses inalcançáveis em seres humanos, trouxeram a possibilidade teórica de sua utilização como tratamento de pacientes com a Covid-19. Este achado trouxe-nos a um cenário surreal onde todas as pessoas, mesmo sem nenhuma formação médica ou científica, sentem-se aptas a opinar e até mesmo decidir sobre o uso desta terapêutica, frise-se, experimental.

Medicamentos têm efeitos desejáveis e também efeitos prejudiciais, devendo este fato ser ponderado pelo médico ao intervir, já que, ao alterar ou ao não alterar o curso da doença em um paciente sob seus cuidados, o médico toma para si, e para a instituição ao qual é vinculado, alguma responsabilidade sobre o desfecho do evento.

A Hidroxicloroquina é uma droga de uso autorizado pela Anvisa para o tratamento de outras doenças. Seu uso, no cenário atual, é entendido como um uso off-label e experimental.

O SARS-Cov-2 é um novo coronavírus identificado como agente etiológico da pandemia de Covid-19. Pessoas que testam positivo para o vírus podem evoluir sem sintomas, desenvolver doença leve, moderada ou severa e, mesmo, vir a óbito.

Segundo a Organização Panamericana da Saúde (OPAS), mesmo sem nenhuma terapêutica específica, mais de 80% dos casos evolui para a cura, sem necessitar de internamento e sem usar nenhum medicamento específico[1]. Daí a dificuldade em se confirmar a eficácia de qualquer terapêutica sem um estudo científico adequadamente elaborado, não sendo cientificamente válidos, relatos de que “muitos pacientes” usando esta ou aquela medicação sobreviveram, já que mais de 80% também evoluiriam bem.

Direciona-se aqui o foco da discussão para a responsabilidade inerente ao médico ou à instituição que adota a prescrição da Hidroxicloroquina para seus pacientes e em que medida se encontram obrigados a ressarcir eventuais danos decorrentes desta tentativa de tratamento ou os danos decorrentes da não utilização deste fármaco.

Conforme já explicado, a prescrição de terapêutica específica no tratamento da Covid-19 é experimental, necessitando, obrigatoriamente, seguir a clara regulamentação contida especialmente no Capítulo XII do Código de Ética Médica (CEM) neste sentido. Nos Art. 100 e 101 e no Parágrafo Único do Art. 102.[2], está disposto que a autorização por órgãos competentes, a exemplo do Ministério da Saúde, é obrigatória, mas não suficiente.

Nos trechos supracitados, identifica-se ao menos três requisitos cumulativos necessários para o uso experimental de uma terapêutica em humanos, quais sejam: (i) a existência de protocolo aprovado, (ii) a aceitação por órgãos competentes e (iii) a obtenção de consentimento livre e esclarecido para a realização da pesquisa.

Ou seja, o médico não está autorizado a utilizar qualquer medicamento, de forma experimental, na dose que desejar e no momento que desejar!

Há critérios para esta e qualquer outra pesquisa com seres humanos e tais critérios precisam ser respeitados, de forma a preservar-se a dignidade da pessoa humana. Não é autorizada a livre prescrição de nenhum medicamento. Ao abrir mão destes limites, o médico torna-se, sim, vulnerável à responsabilização por eventuais resultados negativos decorrentes de sua conduta.

Também, levando-se em conta o princípio bioético da autonomia do paciente é obrigatória a anuência do paciente ao tratamento experimental, o que deve ser precedido de informação suficiente sobre efeitos colaterais do tratamento e possíveis resultados adversos, sem menosprezá-los ou majorá-los, incluídos os danos à visão e risco de arritmias letais.

Neste ponto cumpre lembrar, também, que nenhum médico é obrigado a prescrever a medicação experimental, sem respaldo científico para seu uso e sem reconhecimento, em nenhum país, como droga eficaz no tratamento da Covid-19.

O médico tem uma obrigação de meio, e não de resultado, devendo colocar à disposição do paciente todos os recursos, sem perder de vista que a cura não pode ser um compromisso, já que organismos vivos não respondem matematicamente, e resultados adversos podem ocorrer.

Em uma situação de dano ao paciente, será avaliada a responsabilidade do médico e da instituição à qual ele está associado e os fatos serão apurados conforme se mostram, de forma objetiva, cabendo que, no momento da prescrição, sejam avaliados de igual maneira, sem o açodamento nem emoções, dois inimigos de decisões médicas.

Outrossim, são frequentes as acusações de erro médico, pelo que se recomenda, fortemente, a aplicação dos Termos de consentimento para os vários atos médicos praticados no decorrer da relação médico-paciente. Esta formalização das explicações feitas mesmo para atos protocolares já arraigados é uma realidade à qual é preciso se ajustar e se acostumar.

[1] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875

[2] (É vedado ao médico:) ART. 100. Deixar de obter aprovação de protocolo para a realização de pesquisa em seres humanos, de acordo com a legislação vigente.

Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.

ART. 102. § único. A utilização de terapêutica experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes e com o consentimento do paciente ou de seu representante legal, adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis consequências.

Como a Covid-19 chegará ao fim?
Gilberto Ururahy

Gilberto Ururahy é diretor médico da Med-Rio Check-up

O jornal americano The New York Times trouxe uma discussão interessante em edição recente: quando as pandemias chegam ao fim? Segundo historiadores e estudiosos, elas costumam acabar de duas formas: ou quando a enfermidade é derrotada por uma cura ou quando a população se cansa de temer a doença e passa a conviver com ela.

“Quando as pessoas perguntam ‘quando isto terminará?’, elas estão se referindo ao fim social”, afirmou o historiador de Medicina Jeremy Greene. Allan Brandt, historiador da Universidade de Harvard, endossa o discurso. “Muitas perguntas sobre o fim da epidemia são determinadas por processos sociopolíticos”, declarou.

Susan Murray, do Royal College of Surgeons de Dublin, em artigo para o prestigiado The New England Journal of Medicine, relembra do temor dos irlandeses diante dos casos de ebola no continente africano em 2014, apesar de nenhum caso ter sido registrado na Irlanda. “Se não estamos preparados para lutar contra o medo e a ignorância de modo tão ativo e racional como combatemos qualquer outro vírus, é possível que o medo cause danos terríveis a pessoa vulneráveis”, sentenciou.

Especialistas listam epidemias que atravessaram a História, como a Praga de Justiniano no século VI, a medieval no século XIV, a Gripe Espanhola no século XIX e a H1N1, mais recentemente, no século XXI, para especular se a desistência social não pode ser um dos caminhos que levará a Covid-19 ao fim, já que uma vacina não está prevista para menos de um ano.

Até lá, mais gente estará imune, a ampliação de “bolhas” de convívio se tornará uma realidade em mais lugares, como já é na Noruega, por exemplo. A abertura gradual de serviços encorajará a população a retomar suas atividades, cada vez com menos medo. É importante salientar que o vírus, sem pedir licença, está invadindo nossas residências e conduzindo inúmeros idosos aos hospitais, além de provocar alterações mentais em uma grande parcela da população. Aos poucos, as peças se encaixarão novamente e o coronavírus estará fadado a ocupar o seu lugar na longa lista de pandemias superadas pela humanidade ao longo da História.