Risco de acidente de trabalho cresce com home office, diz presidente do TRT
Luiz Antonio Moreira Vidigal destaca ganhos e perdas com o trabalho remoto

 

Luiz Antonio Moreira Vidigal alerta que pandemia fez surgir novos conflitos na Justiça do Trabalho

 

Por Bárbara Pombo, do Valor Econômico

Presidente do maior Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do país, sediado em São Paulo (2ª Região), o desembargador Luiz Antonio Moreira Vidigal entende que o home office traz ganhos, mas também riscos para as empresas. Podem estar sujeitas, segundo ele, a responder na Justiça por um maior número de acidentes de trabalho. “O fato de um trabalhador escorregar no chão molhado da cozinha não deveria ser considerado acidente de trabalho. Porém, fica mais difícil para a empresa comprovar que o fato não ocorreu no momento em que estava efetivamente a seu serviço”, diz.

Entre março de 2020 e junho deste ano, mais de cinco mil processos sobre o assunto foram ajuizados onde atua o TRT – São Paulo, região metropolitana e Baixada Santista. Não é possível precisar quantos dizem respeito a incidentes ocorridos na casa do funcionário. Mas a configuração de acidente de trabalho gera uma série de obrigações para o empregador, como o afastamento remunerado.

Apesar de reconhecer pontos positivos do home office, Vidigal aponta deficiências a serem superadas, como infraestrutura – wi-fi, por exemplo. Em entrevista ao Valor, destaca ainda outros riscos a serem colocados na balança, como a quebra do comprometimento dos funcionários. “O que causa a perda de clientes e prejuízos”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O que a pandemia deixará de herança para as relações de trabalho?

Luiz Antonio Moreira Vidigal: O uso de novas tecnologias para o exercício de algumas atividades é um ponto positivo do legado deixado pela pandemia. Permite mais flexibilidade e eficiência na realização do trabalho remoto – pouco utilizado até então. O número de automóveis nas ruas no horário de pico tende a diminuir, as pessoas, provavelmente, não terão necessidade de morar nos grandes centros urbanos e as empresas não precisarão manter imensos imóveis para acomodar a todos. Por outro lado, a popularização do teletrabalho traz novos obstáculos que devem ser superados.

Valor: Quais obstáculos?

Vidigal: A falta de domínio das ferramentas digitais por boa parte da mão de obra brasileira e a dificuldade que os mais vulneráveis têm de acesso a redes de wi-fi e pacotes de dados. O trabalho realizado de maneira isolada, em casa, também enfraquece os laços associativos e, consequentemente, obriga os trabalhadores a pensarem em formas inovadoras de continuidade dos movimentos reivindicatórios e sindicais.

Valor: O home office e o trabalho híbrido podem gerar riscos para o trabalhador?

Vidigal: Sim. Deixa os trabalhadores mais suscetíveis a riscos ergonômicos. Estudos demonstram ainda que o teletrabalho gera aumento da violência doméstica. Temos hoje um meio ambiente de trabalho expandido que vai além dos muros da empresa. A OIT [Organização Internacional do Trabalho], por meio da Convenção 190, reconhece a ligação entre violência doméstica e trabalho remoto e sugere ações para o enfrentamento do problema. Infelizmente, o Brasil não chegou a ratificá-la. Há que se ressaltar, ainda, o aumento de doenças psíquicas.

Valor: E para os empregadores?

Vidigal: Dificulta o exercício da fiscalização sobre o trabalho realizado em casa. A ausência de comunicação direta e presencial pode gerar ruídos e contratempos na execução do processo produtivo e, consequentemente, retrabalhos e perdas. Menciono ainda o risco de não adaptação da mão de obra a esse novo modelo e, com isso, a quebra do comprometimento da equipe com relação aos critérios de visão, missão e valores, além da perda da harmonia identitária da empresa, o que causa a perda de clientes e prejuízos.

Valor: Acidentes domésticos podem ser configurados como de trabalho?

Vidigal: Sim. O empregador, ao transferir o ambiente de trabalho para a residência do trabalhador, pode sujeitar-se a um maior número de caracterizações de acidentes de trabalho. Ficará mais difícil demonstrar que determinado infortúnio ocorrido em casa não decorreu do exercício do trabalho, já que a residência passou a ser o novo ambiente de trabalho. Por exemplo: o fato de um trabalhador escorregar no chão molhado da cozinha, quando foi buscar um copo d’água ao levantar-se pela manhã, não deveria ser considerado acidente de trabalho. Porém, fica mais difícil para a empresa comprovar que o fato não ocorreu no momento em que estava efetivamente a seu serviço.

Valor: O senhor acredita que o incremento de uma vida digital, muito impulsionada pela pandemia, admite a configuração de novos vínculos de trabalho?

Vidigal: O artigo 6º da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] prevê que não se pode fazer distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego – habitualidade, onerosidade, pessoalidade, subordinação jurídica e alteridade. Complementa que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Portanto, se presente a subordinação, o vínculo será de emprego, regido pela CLT.

Valor: Como avalia a realização de audiências por videoconferência? Elas devem continuar no pós-pandemia?

Vidigal: Havia certa resistência no início por parte de advogados e magistrados. Mas as pessoas se adaptaram e podemos dizer que tem sido uma experiência bastante exitosa. No segundo grau, a permanência das sessões virtuais e telepresenciais facilita o acesso dos advogados ao Judiciário, porque evita que esses profissionais tenham que se deslocar até a sede do tribunal. Há um pouco mais de dificuldade nas audiências de instrução, em que há oitiva de partes e testemunhas, mas esses obstáculos não são intransponíveis. Os benefícios de os processos não ficarem estagnados superam eventuais transtornos. Por isso, entendo viável a continuidade de audiências e sessões remotas após o término da pandemia.

Valor: Que conflitos nasceram durante a pandemia?

Vidigal: Questionamentos sobre despedidas por justa causa por recusa injustificada do trabalhador em usar máscaras de proteção e de se vacinar contra a covid-19 e conflitos quanto à correta aplicação pela empresa dos mecanismos de suspensão de contrato de trabalho e de redução da jornada, além de acidentes ocorridos em casa caracterizados como infortúnios do trabalho.

Petrobras é condenada a emitir CAT para empregados que laboram em embarcações e plataformas diagnosticados com Covid-19
Decisão acolheu recurso do MPT-RJ no âmbito do projeto Ouro Negro em ação coletiva proposta pelo SINDIPETRO/RJ

 

A Justiça do Trabalho determinou que a Petrobras emita Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) aos empregados da empresa infectados por Covid-19 no trabalho. A decisão, expedida pela 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/1), acolheu recurso do Ministério Público do trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) no âmbito do projeto Ouro Negro da Coordenadoria Nacional de Trabalho Portuário e Aquaviário (CONATPA), gerenciado pelas procuradoras do MPT-RJ, Júnia Bonfante Raymundo e Cirlene Luiza Zimmermann, em ação coletiva proposta pelo SINDIPETRO/RJ.

O MPT-RJ recorreu da sentença, que indeferiu o pedido para determinação de emissão de CAT aos empregados da Petrobras diagnosticados com Covid-19. Por meio de estudos técnicos, o MPT apresentou o entendimento de que, em determinadas hipóteses, a Covid-19 pode ser enquadrada como doença relacionada ao trabalho em razão das condições em que o trabalho é exercido ou os meios fornecidos pelo empregador para se deslocar ao trabalho, devendo-se aplicar o princípio da precaução.

“O que se espera da empresa ré e se busca junto ao Poder Judiciário por meio deste recurso é que a empresa não se omita no dever de apurar o nexo causal laboral e emitir a CAT nos casos de suspeita ou confirmação de contaminação por Covid-19 em seus ambientes de trabalho”, expuseram as procuradoras no apelo.

Acolhendo os argumentos do MPT, o desembargador Flavio Ernesto Rodrigues Silva destacou em seu voto, acompanhado por unanimidade, que “se por um lado não há respaldo para se presumir por decisão judicial, neste processo, que os diagnósticos de Covid-19 dos empregados da ré tem relação com o trabalho e, com isso, impor ao autor a emissão imediata de CAT, de outro lado, é certo que é indevido e ilegal o procedimento da empresa de descartar imediatamente qualquer relação da contaminação por Covid-19 de seus empregados com o trabalho desenvolvido na empresa presencialmente e não submetê-los a exame médicos ocupacionais para aferição da emissão da CAT. Em primeiro lugar, porque há normas suficientes que reconhecem que tal doença pode ser caracterizada como ocupacional, como visto, e, em segundo, porque pode haver falhas no protocolo de prevenção de responsabilidade da empresa, facilmente percebido se há testagem antes do embarque. Além do que há situações específicas em que a probabilidade de exposição ao vírus ter sido no trabalho é alta, como na ocorrência de surtos em embarcações ou, até mesmo, em determinada unidade da empresa, mesmo em terra. Agindo assim, a empresa está presumindo a ausência de relação da Covid-19 com o trabalho, como feito pela Medida Provisória nº 927/20, a qual já foi reputada contrária à Constituição e já não se encontra em nosso ordenamento jurídico”.

A decisão é válida para os trabalhadores que laboram em embarcações e plataformas, que foram diagnosticados com Covid-19 (casos passados, atuais e futuros), após avaliação diagnóstica ocupacional realizada por médico da empresa e que conclua, mesmo que por suspeita, que tiveram exposição/contato com pessoas/trabalhadores diagnosticados com Covid-19 a bordo. A sentença estabeleceu multa diária de R$50 mil, por CAT não emitida, depois de evidenciada a contaminação no trabalho, até o limite R$500 mil, por cada caso.

Reduzir a litigiosidade é desafio para o judiciário brasileiro
Webinar realizado pela ANDES debateu as causas e consequência do elevado número de processos que atolam os tribunais

 

 

Da Redação

Um dos grandes desafios do judiciário brasileiro é reduzir o congestionamento de processos que os tribunais enfrentam. São mais de 77 milhões de ações judiciárias em tramitação na Justiça que expõem um cenário de elevada litigiosidade que alcança os tribunais. Na avaliação de juízes e advogados que participaram do webinar “Litigiosidade na Justiça Brasileira – Causas e Consequências”, promovido nesta quinta-feira (17) pela Associação Nacional de Desembargadores (ANDES), é preciso rever aspectos que estimulam essa judicialização, que traz enormes prejuízos para o país, como a lentidão na tramitação de processos e a elevação de custos do judiciário. Participaram da mesa virtual o presidente da ANDES, o desembargador Marcelo Buhatem, o juiz federal Roberto Veloso, o juiz do TJ-SP Felipe Viaro e os advogados Maucir Fregonesi e Luciano Timm.

Para todos os participantes, sem dúvida nenhuma, diminuir o alto grau da litigiosidade é um dos principais desafios do sistema judiciário. O presidente da ANDES observou que, por mais eficiente que a Justiça possa ser, a enorme quantidade de processos que chegam anualmente aos tribunais explica a imagem de lentidão que a população tem da Justiça. “Não é razoável que o tempo médio de duração de um processo seja de cinco anos e dois meses. Isso demonstra a inaplicabilidade efetiva dos princípios da eficiência e da celeridade processual”, afirmou Buhatem, que questionou a razão desse alto grau de litigiosidade.

Na avaliação do advogado Luciano Timm, o país apresenta um sistema judiciário que incentiva esse comportamento. Ele observou que se fosse uma questão cultural, outros países, como os Estados Unidos, em que a história foi marcada por diversos momentos de enfrentamento, teriam que ser mais litigantes. No entanto, não os são. Ele citou o exemplo da Justiça do Trabalho, que, com a reforma realizada, modificou alguns incentivos e teve como resultado a queda de 40% de litigância.

De uma forma geral, as pessoas veem como vantajosa a litigiosidade. Isso fica exposto em uma pesquisa citada por Timm, que apontou os principais motivos do litígio. Entre eles está o baixo custo de um processo, as pessoas avaliam que barato iniciar uma ação na justiça. O juiz Felipe Viaro citou o exemplo dos processos de execução de documento, em que 96% das ações tramitam em gratuidade, sendo que apenas 20% alcançam sucesso. “Entretanto, há um impacto econômico, pois a Justiça precisa de todo um aparato que consome recursos para atender toda essa demanda”, observa Viaro.

Outros dois motivos presentes na pesquisa citada por Timm, são a perspectiva de ganho, o que faz o indivíduo torcer para que possa processar e o uso instrumental, quando uma das partes vai a justiça, como forma de ganhar tempo e não para resolver a situação. Rever as questões das custas processuais, permitir que a prova possa ser feita fora do judiciário e estabelecer a norma de que juízes e advogados sigam os precedentes são, para o advogado, medidas fundamentais para mudar o cenário. “O anglossaxão não entra na justiça contra um precedente já existente, pois ele já sabe qual vai ser a decisão. No Brasil, isso não acontece, pois nem sempre as decisões seguem os precedentes”, observa.

O advogado Maucir Fregonesi destacou o peso da área tributária para a taxa de congestionamento dos tribunais. Segundo o CNJ, cerca de 39% dos processos pendentes de julgamento são de execução fiscal. “Em matéria tributária, a judicialização traz um elevado fator de insegurança jurídica e isso, para atividade empresarial, é muito caro”, relata.

Ele avalia que situações de má interpretação da legislação e a complexidade próprio sistema tributário contribuem para disputas no judiciário. “Temos em nosso ordenamento jurídico um sistema tributário extremamente rígido, m que tudo que pode ser instituído por qualquer ente tributante (união, estado ou municípios) está na constituição federal e qualquer deslize do legislador infraconstitucional há um risco muito grande de uma ação de inconstitucionalidade”, explica.

Entretanto, Fregonesi aponta que o ente tributante, muitas vezes, se vale de algumas normas que, mesmo em uma análise de sua comissão jurídica, poderia ter alguns indícios de resvalar em inconstitucionalidade, mas ainda assim o órgão público prefere instituir a lei naqueles termos. “Ele sabe que grande parte dos contribuintes não questionarão aquele tributo”, relata o advogado.

Tecnologia como aliada

A tecnologia tem sido uma importante aliada da Justiça no objetivo de dar mais celeridade a tramitação dos processos. O juiz Roberto Veloso apontou inciativas como a digitalização de processos e o uso de Inteligência Artificial (IA). Um exemplo é o tribunal em que ele mesmo atua, que está em um estágio avançado no funcionamento no uso de IA. Com a digitalização e migração para o sistema eletrônico, a IA será capaz de fazer a triagem dos processos, o que facilitará a percepção das demandas repetitivas. No Supremo Tribunal Federal, está sendo implantado um sistema para facilitar o recebimento, provimento e análise dos recursos. “O maior beneficiário da racionalização de recursos e adoção das tecnologias será o cidadão”, afirma Veloso.

Também partidário da incorporação da incorporação da tecnologia no dia a dia da justiça, Viaro avalia que é preciso estimular a reprodução de boas práticas realizadas nos tribunais, principalmente quando resulta em mais celeridade. “Há agentes que se aproveitam da morosidade do sistema para postergar ainda mais o andamento de um processo”, critica.

Presidente da ANDES apoia decisão de retomada do trabalho presencial no TJ/SP
O tribunal estabeleceu um sistema escalonado de retorno ao trabalho

 

Presidente da ANDES avalia que o sistema híbrido adotado pelo TJSP deveria ser seguido por outros estados

 

Da Redação

O presidente da Associação Nacional de Desembargadores (ANDES), Marcelo Buhatem apoia o provimento publicado pelo Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), que dispõe sobre o sistema escalonado de retorno ao trabalho presencial em todo o Estado, que começou a valer nesta semana. Para ele, o exemplo de São Paulo deveria ser seguido por todo o país.

Segundo o presidente da ANDES, é preciso que o Judiciário retome, gradualmente, a sua rotina normal. Na avaliação dele, o formato decidido pelo TJ/SP, que vai operar em regime híbrido, com uma parcela de magistrados e servidores em trabalho presencial, é a melhor alternativa no momento. “Escolas e faculdades têm utilizado formatos híbridos com sucesso”, observa Buhatem.

O presidente da ANDES avalia que a retomada gradual é necessária, pois o “olho no olho” é fundamental para garantir que as partes conheçam quem vai decidir o rumo do processo, bem como a liturgia do julgamento. Ele explica que a Justiça apresenta uma ritualística própria, que é fundamental para preservar direitos e garantias processuais. Ele cita como exemplo o contato direto da defesa com o réu, que fica impossibilitado em julgamentos virtuais e observa que a própria dinâmica da audiência é afetada.