Saúde, educação e trabalho em perigo
Aldevânio Francisco Morato, Elizabeth Guedes, Gilberto Ururahy e Paulo Sardinha*

É muito difícil estabelecer um cenário otimista em relação à educação, saúde e trabalho no Brasil. Justamente três esferas fundamentais para que o país consiga reduzir a desigualdade social e estabelecer as bases para um desenvolvimento sólido e de longo prazo. Saúde e educação são variáveis fundamentais para o desenvolvimento social e econômico de qualquer nação. A história nos ensina isso. E ambos os setores são a base para a formação de profissionais qualificados, que é uma condição necessária para ser competitivo no processo cada vez mais intenso de globalização.

No entanto, a saúde e a educação estão justamente entre os setores que viram a pandemia acentuar dificuldades enfrentadas nos últimos anos. A rede hospitalar privada registrou, nos últimos 10 anos, o fechamento de mais de 2 mil estabelecimentos, o que provocou a perda de 34 mil leitos. Dado extremamente preocupante em um país que não consegue cumprir a indicação mínima da OMS de leitos por habitantes.

Há um estrangulamento no setor, causado, entre outras razões pela elevada carga tributária. Por exemplo, a tributação sobre medicamentos chega a um terço do valor final. Do preço de um bisturi, o percentual de 39% do valor é referente a impostos.

O cenário, nos últimos meses, apenas piorou. Houve uma redução de receita, principalmente nos pequenos e médios hospitais, de 40% devido ao adiamento de cirurgias e à queda de atendimentos por medo da contaminação. No entanto, os custos simplesmente dispararam. Uma caixa de máscaras com 150 unidades, que antes era comprada por R$ 5,20, chegou a ser vendida por R$ 80.

Escolas e faculdades viram, desde o início da pandemia, explodir a inadimplência e evasão, com um crescimento de até 60%. O setor ficou ainda mais pressionado quando decisões de assembleias estaduais de todo o país, extrapolando suas esferas de atuação, impuseram, inconstitucionalmente, a redução das mensalidades.

É ainda mais estarrecedor observar prefeitos liberando o funcionamento de bares, shoppings, restaurantes, bem como o acesso a praias, mas impedindo a retomada das aulas presenciais. Posicionamento este incompreensível e que torna ainda mais difícil reduzir o déficit de aprendizagem, mas expõe o quanto o ensino está longe de ser uma prioridade para os nossos governantes.

Muitas instituições públicas e privadas buscaram na modalidade a distância uma alternativa frente ao cenário de exceção, mas a medida paliativa não substitui todo um programa pedagógico já estruturado.

Mas, como diz o ditado popular, “nada é tão ruim que não possa piorar”. Além da crise provocada pela pandemia, ambos setores também compartilham o temor pelo impacto da reforma tributária proposta pelo Ministério da Fazenda. A unificação do PIS/Pasep e da Cofins sob alíquota única de 12%, defendida pelo governo, vai quebrar os dois segmentos. Não há dúvidas sobre isso.

Esse novo modelo prevê que as empresas abatam o imposto, gerando crédito na compra de insumos. Isso beneficia a indústria, mas não a educação e a saúde, segmentos em que a mão de obra, que não será dedutível, responde pela maior parte dos custos.

A conta vai cair no colo dos governos. Serão os sistemas públicos de saúde e educação que vão ter que atender a demanda formada pelas pessoas que não terão mais condições de pagar um plano de saúde ou uma faculdade particular. Se hoje muitos municípios não têm vagas em escolas nem leitos em hospitais suficientes para suprir a demanda, como será com o fechamento de estabelecimentos privados? Somente o ensino particular desonera o Estado em R$ 225 bilhões/ano de gastos, além de gerar 1,7 milhão de empregos.

É preciso que haja sensibilidade de nossos congressistas e entendam que o foco da reforma deveria ser justamente a desoneração da folha de pagamento, que permanece com elevados custos. Isso permitiria melhorar as remunerações e valorizaria os setores que geram empregos.

Essa deveria ser a lógica, pensar a reforma tendo como ponto de partida a educação, saúde e o trabalho. Não há como pensar em um país competitivo e desenvolvido se não valorizarmos essas três esferas. Se não houver mudanças na reforma, vamos pagar por muitos anos o descaso com a educação e a saúde.

Aldevânio Francisco Morato

Presidente da Federação Brasileira de Hospitais.

Elizabeth Guedes

Presidente da Associação Nacional de Universidades Particulares.

Gilberto Ururahy

Presidente do Conselho de Medicina e de Saúde da Associação Comercial do Rio de Janeiro.

Paulo Sardinha

Presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos.