Novos paradigmas no Judiciário

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Ana Tereza Basilio

Desde 18 de março está em vigência o novo Código de Processo Civil (CPC), que trouxe novos paradigmas e alterou muito conceitos, alguns deles já consagrados há décadas em nosso sistema.  Esse código veio com uma bandeira específica, foi elaborado com o propósito de trazer a simplificação do processo e da utilização dos recursos, sempre tendo em vista o comando constitucional da duração razoável do processo, que é garantia fundamental.

No curso da elaboração do CPC, os juristas tiveram especial preocupação com a matéria referente aos recursos, reputados como os prováveis responsáveis pela lentidão dos mais de 100 milhões de processos judiciais, em curso em todo o País. E, nesse contexto foi expressamente suprimido o recurso de embargos infringentes. Não há mais, portanto, previsão dessa modalidade recursal. Prevê, por outro lado, em seu art. 942, uma nova técnica de complementação de julgamentos não unânimes, forjada com propósitos assemelhados aos do extinto recurso.

O artigo em questão dispõe que “quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores”.

Saliente-se que o novo CPC não exige, para a complementação do julgamento por julgadores adicionais, que tenha havido a reforma da sentença proferida em primeiro grau de jurisdição. É suficiente a existência de divergência para possibilitar a inclusão, no mesmo órgão julgador, de novos magistrados, em número capaz de permitir, em tese, que o voto vencido venha a prevalecer. Ampliou-se, portanto, por esse aspecto, a possibilidade de nova apreciação de voto divergente, por órgão colegiado de segundo grau de jurisdição.

Por outro lado, os novos magistrados, que integrarão a mesma turma julgadora — ao contrário do que ocorria nos julgamentos de embargos infringentes — não estarão, segundo a nova norma, circunscritos a julgar o caso, apenas nos limites da divergência. Como se trata da continuação do mesmo julgamento, suspenso para a convocação de julgadores adicionais, lhes será licito, por ausência de vedação legal, apreciar toda a questão em julgamento, com a mesma abrangência daqueles que, de forma não unânime, já manifestaram seus votos. Afinal, não se poderia cogitar que, em um mesmo julgamento, novos integrantes chamados a compor o mesmo órgão colegiado, só possam apreciar parte da matéria objeto.

Cabe a sociedade torcer para que o instituto seja adequadamente aplicado, e que atinja os propósitos almejados pelo legislador. Nesse contexto, espera-se cautela e colaboração por parte dos próprios julgadores, de forma a tornar o julgamento complementar célere e dinâmico, respeitada, sempre, a liberdade dos membros do colegiado de proferir votos, sejam eles concordantes ou divergentes.

*Ana Tereza Basilio é advogada

A realidade dos hospitais privados

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Francisco Balestrin

*Francisco Balestrin

Desde a fundação do primeiro hospital no Brasil, a Santa Casa de Misericórdia de Todos os Santos, inaugurada em 1543, manter uma unidade hospitalar nunca foi uma tarefa fácil, sempre exigiu dos gestores lidar com enormes desafios para preservar a sua sustentabilidade. A história conta que o primeiro hospital teve dificuldades para compor uma equipe médica, pois os profissionais não queriam sair da Europa para vir morar na colônia portuguesa recém-descoberta. Passados 515 anos, encontramos um cenário ainda mais desafiador para que a rede privada consiga manter um equilíbrio entre a sua própria saúde financeira e o dever de oferecer à população serviços de qualidade.

O que nos faz refletir se há algo a se celebrar no mês em que se comemora o Dia Nacional do Hospital. Oferecer os tratamentos e cirurgias mais avançados resulta em um custo que vem crescendo acima das receitas dos hospitais. São fatores como a elevação de custos, a pesada carga tributária, a intensa judicialização da saúde e o difícil relacionamento com os planos de saúde que traçam um cenário que está longe de ser animador para o setor hospitalar privado.

Seguindo a tendência dos últimos anos, as despesas hospitalares continuam aumentando acima da inflação geral. Uma das razões que explica os custos elevados é a alta carga tributária que incide sobre a saúde. Impostos municipais, estaduais e federais chegam a responder por um terço do valor pago por um serviço médico, o que impede que se tenham preços mais acessíveis. Como pode que o impacto dos impostos nos insumos de saúde no Brasil seja maior do que nas principais potências, como Estados Unidos e países europeus?

Não bastasse o desafio de conseguir investir em novas tecnologias com os altos impostos que incidem no setor, a alta do dólar impõe mais uma adversidade a ser enfrentada em um ano em que a economia do país apresenta números preocupantes. Boa parte dos materiais usados no dia a dia do hospital é dependente da importação de medicamentos e produtos, especialmente de países como Alemanha, Estados Unidos e China. Particularmente, o setor de gases medicinais ainda sofre com as elevações nas tarifas de energia elétrica, fazendo que os custos com gases medicinais mais que dobrassem em 2014.

É preciso que o país reconheça a importância da rede privada no sistema de saúde brasileiro. Somente os hospitais da ANAHP geraram, em 2014, mas de 114 mil empregos, realizaram mais de cinco milhões atendimentos no pronto-socorro e realizaram cerca de 700 mil cirurgias. Números que poderiam ser ainda maiores se houvesse um apoio dos governos municipal, estadual e federal. Mas pouco ou quase nenhum movimento se vê nesse sentido. Muito pelo contrário, os hospitais privados ainda sofrem com as dificuldades da rede pública. São cada vez mais frequentes ordens judiciais que obrigam hospitais privados a aceitar pacientes que não encontraram vaga na rede pública. O problema não é dispor o leito, mas a batalha enfrentada para conseguir que o Município, o Estado ou o Governo Federal quitem as despesas dos serviços prestados. Para um hospital pesa muito no balanço financeiro não receber por pacientes que, em uma UTI, tem custo médio de R$ 3 mil por dia.

Os hospitais ainda lidam com uma asfixia econômica provocada pelas operadoras de saúde. É uma relação desigual, na qual os gestores hospitalares veem a saúde financeira da instituição ficar cada vez mais debilitada sempre que um plano decide não pagar integralmente os custos do seu beneficiário. Há casos – e não são poucos – em que os hospitais não recebem nada do que deveria pelo atendimento realizado ao paciente com plano de saúde. Situação que não mudará enquanto permanecer o modelo atual de remuneração.

Poucos setores da economia brasileira enfrentam um cenário tão desafiador quanto o atual da rede hospitalar privada. O crescimento da expectativa de vida do brasileiro indica que continuaremos a ter um aumento da demanda por serviços de saúde. Mas, como investir na infraestrutura necessária se os recursos estão minguando? É uma questão que precisa estar na pauta do Ministério da Saúde e das secretárias estaduais e municipais. Sem esse diálogo, dificilmente teremos o que comemorar no ano que vem.

*Presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp)

Flexibilização é sinônimo de modernidade

Nelson Wilians
Nelson Wilians

Criada em 1º de maio de 1943, por meio do Decreto-Lei nº 5.452, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi, inegavelmente, um marco na história do país, pois inseriu, de forma definitiva, os direitos trabalhistas na legislação brasileira. Desde então, o país passou a ter um conjunto de normas que asseguram assegura a proteção social, individual e coletiva aos trabalhadores. Considerando que seis décadas antes da sanção da CLT o país ainda vivia sob o regime escravocrata e, após a Lei Áurea, as condições de trabalho permaneceram deploráveis, pois ex-escravos e imigrantes viviam em situação precária, sem direitos e em condições similares aos escravos. Nesse cenário, a CLT, então, tornou-se a base para modernização das relações trabalhistas e para um desenvolvimento pautado na justiça social.

Entretanto, desde a assinatura do decreto pelo presidente Getúlio Vargas, no Estádio de São Januário, passaram-se mais de sete décadas e ao longo desse período o país sofreu transformações econômicas e sociais. O que antes era uma nação predominantemente agrária, hoje é um país urbano e listado como uma das dez maiores economias do mundo. Mudanças tão substanciais, sem duvida nenhuma, refletem nas relações sociais e exigem que os legisladores saibam perceber as necessidades do país e alterar as leis para se adequar a nova realidade.

Porém, por mais que a CLT tenha sofrido centenas de mudanças ao longo desses 70 anos, não houve realmente uma modernização compatível com os desafios que são enfrentados nos dias de hoje. No atual momento, marcado por uma grave crise econômica, empresas se veem limitadas pela legislação na hora de buscar alternativas que minimizem o crescimento do desemprego. Infelizmente, a flexibilização da CLT permanece como um tabu no Governo. Flexibilização não significa acabar com os direitos conquistados naquele histórico 1º de maio, mas sim permitir, por exemplo, que negociações coletivas possam adequar as condições de trabalho à realidade do momento, garantindo, assim, benefícios para os trabalhadores. É uma alternativa para adequação do emprego ao cenário social e econômico.

Mesmo em casos como o do PL 4193/201 – estabelece que as negociações entre patrões e empregados prevaleçam sobre o garantido em lei – que tem posição favorável do próprio presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra Filho, e de sindicatos e instituições do porte da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Governo não demonstra interesse em apoiar. Desde 2012, o texto tramita na câmara, porém ainda sem perspectivas reais. Negar a capacidade de que ambos os lados possam chegar a um denominador comum diferente do estabelecido em lei é ignorar o princípio da autonomia privada, que, em uma sociedade que preza a liberdade, garante às partes o poder de manifestar a própria vontade, estabelecendo o conteúdo e a disciplina das relações jurídicas de que participam.

É preciso trazer luz para o debate e esclarecer o que realmente significa falar em flexibilização do trabalho. Aqueles que demonizam o processo ignoram que as instituições do país devem acompanhar as transformações da sociedade. O resultado será a manutenção de uma estrutura ultrapassada, que é o caso da legislação trabalhista, que se torna um empecilho para o desenvolvimento do país. Há 72 anos, a CLT foi sinônimo de modernidade, ajustá-la é renovar esse espírito.

*Nelson Wilians é advogado