Muito do bom desempenho do SUS durante a pandemia se deveu aos hospitais filantrópicos, que respondem por 26 mil leitos de UTI, ou seja 56% desses leitos públicos no país. Porém, as Santas Casas, hoje, se fossem um paciente, estariam respirando por aparelhos. A disparada de preços de insumos nos últimos dois anos, aliada à baixa remuneração paga pelo SUS (cuja tabela não é reajustada há duas décadas), piorou ainda mais um cenário que já era temerário. Segundo a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), as Santas Casas enfrentam uma dívida de mais de R$ 10 bilhões, com pagamento mensal de R$ 115 milhões aos bancos, o que provocou nos últimos 5 anos o fechamento de 315 instituições filantrópicas. Para o SUS, isso representa uma perda 7 mil leitos. Ainda assim, as Santas Casas respondem pelo único serviço de assistência pública à saúde em 824 municípios e representam 70% de todos os procedimentos gratuitos do SUS na alta complexidade. “Santas Casas vivem uma situação pré-falimentar e nossa maior preocupação é honrar a folha de pagamentos de mais de um milhão de profissionais da saúde, o que representa o nosso maior custo”, diz Mirócles Véras, presidente da CMB.
Entidades do setor hospitalar alertam que o piso salarial nacional de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, que foi aprovado recentemente pelo Senado e aguarda votação na Câmara dos Deputados, pode tornar insustentável a operação de centenas de estabelecimentos de pequeno e médio porte, bem como de hospitais sem fins lucrativos em todo o país. A Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) avaliam que muitos estabelecimentos vão fechar as portas se o projeto de lei nº 2564/2020 for aprovado em definitivo. O texto votado no Senado estabelece um piso salarial de R$ 4.750,00 mensais para enfermeiros; 70% do valor desse piso para técnicos de enfermagem e 50% do valor desse piso para auxiliares de enfermagem.
O presidente da FBH, Adelvânio Francisco Morato, explica que o impacto, conforme estudos apontam, seria devastador para todo o setor, em torno de R$ 18,4 bilhões no total, sendo R$ 6,3 bilhões para o setor público, R$ 6,2 bilhões para entidades sem fins lucrativos e R$ 5,8 bilhões para entidades com fins lucrativos por ano. Ele faz questão de destacar que não é contra o aumento salarial, mas pondera que o piso nacional vai estrangular ainda mais um setor que já enfrenta uma crise. “Sem dúvida nenhuma, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem desempenham um papel imprescindível dentro de um hospital. Entretanto, impor o piso, sem considerar a realidade de cada região, bem como do próprio setor, vai provocar o fechamento de centenas de hospitais. Vai faltar emprego”, observa Morato.
Para as duas entidades, o que torna o cenário ainda mais preocupante é que a pandemia provocou uma forte crise no setor hospitalar, que viu a receita cair drasticamente e os custos explodirem com a superinflação no preço de insumos. Somente a enfermagem representa, em média, 50% dos custos com pessoal, nas unidades hospitalares. Os dois presidentes afirmam que piso salarial nacional vai inviabilizar a sustentabilidade de muitas unidades, bem como vai pressionar o orçamento do poder público. “É preciso ter receita para pode absorver esse piso, mas sabemos que muitas prefeituras não terão como arcar com esses salários nas unidades de atenção básica e nos hospitais municipais”, destaca o presidente da CMB, Mirocles Véras.
O presidente da FBH ainda lembra que cerca de 56,5% dos hospitais privados atendem a rede pública, ou seja, são prestadores de serviços, que, principalmente no interior do país, acabam se tornando a única opção de assistência hospitalar. “Sem ter como pagar as contas, muitos vão encerrar as atividades. Além do desemprego, veremos moradores de diversas cidades desassistidos. O cenário não é nada animador”, projeta.
“As instituições de saúde não podem ser penalizadas com legislações ou ações que as inviabilizem”. A afirmação é da senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS), que será uma das palestrantes do painel “O impacto das Reformas Políticas na Saúde”, durante o 27º Congresso da CMB. De acordo com a parlamentar, as Santas Casas e hospitais sem fins lucrativos respondem pela maioria dos atendimentos pelo SUS no Brasil e, por isso, precisam de estímulo e apoio. “Vejo como obrigação do gestor público de saúde ter a exata noção da relevância do trabalho das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos. Acredito também que o país precisa definir políticas públicas de longo prazo, elaboradas com a participação direta de quem vivencia o dia a dia da saúde”, afirmou, em entrevista à CMB.
Segundo Ana Amélia, há uma cobrança frequente em relação ao déficit da Tabela SUS, mas ela acredita que o financiamento precisa ser feito de maneira correta, respondendo a uma gestão eficiente do recurso público. “Também é preciso transparência e fiscalização rigorosa dos investimentos para que não haja desvios ou fraudes que façam o dinheiro escorrer pelo ralo da corrupção”, alegou.
A senadora declarou ainda seu apoio ao PL 7606/2017, que aguarda para entrar na pauta do Plenário da Câmara, como uma matéria importante para a manutenção dos hospitais que irão se beneficiar do Programa de Financiamento específico para santas casas e hospitais sem fins lucrativos que atuam no SUS (Pró-Santas Casas).