No final de agosto, a neurocirurgiã da Santa Casa de São Paulo Giselle Coelho embarca para os Estados Unidos, para participar de um Fellowship de Inovações Tecnológicas da Mayo Clinic, considerada um dos melhoreshospitais do mundo, que visa treinamento integrado com alta tecnologia. Vai integrar esse projeto o bebê simulador, uma tecnologia inovadora desenvolvida pela brasileira, que tem facilitado o treinamento de residentes. A inovação foi fundamental para treinar médicos a fazer cirurgia endoscópica neurológica, para tratamento de bebês com hidrocefalia. A nova técnica tem assegurado melhora importante da qualidade de vida dessas crianças.
Renomado neurocirurgião, Paulo Niemeyer Filho acredita em possível “fim das cirurgias” devido à evolução da medicina
Médico comenta sobre a evolução da genética e imunoterapia no podcast The Business of Life
Matéria baseada na participação de Paulo Niemeyer Filho no Podcast The Business of Life, do Brazil Journal. Link.
Filho de um dos primeiros neurocirurgiões do país e que carrega, além de seu nome, o DNA da medicina no sangue, Paulo Niemeyer Filho acredita que em breve não serão mais realizadas cirurgias como nós conhecemos: “A cirurgia é baseada no que você vê, há uns anos atrás tinham áreas que não podíamos atingir, que não conseguíamos chegar. Hoje consegue-se chegar a qualquer lugar, temos muita tecnologia, muito estudo. O problema não é mais tirar o tumor, mas sim evitar com que ele volte”, afirma o neurocirurgião, acreditando que será um trabalho para as áreas da genética e imunoterapia.
Niemeyer participou do podcast “The Business of Life” e conversou sobre diversos assuntos com Nilton Bonder, principalmente sobre a evolução da medicina nos últimos cinquenta anos e as perspectivas para o futuro. O neurocirurgião lembra que antes de existirem as técnicas que conhecemos hoje em dia, o tratamento medicinal era muito mais complexo, como as cirurgias cerebrais. Não havendo exames de imagem, os médicos não conseguiam precisar o que era a massa encontrada no paciente, prosseguindo para a cirurgia sem o conhecimento do que encontraria. “Nessa época não existia CTI, o doente operava e voltava para o quarto do hospital. Quando surge o CTI e os equipamentos mantinham os pacientes vivos, começamos a ver que muitos tinham mortes encefálicas”, lembra Paulo, citando que antes dos anos 70 os doentes “só morriam do coração”, devido à falta do conceito de morte cerebral. O neurocirurgião acredita que estamos no caminho para conseguir tudo que imaginamos em termos médicos, como um mapeamento mais preciso do cérebro e a decodificação das atividades elétricas por ele desenvolvidas. “Vamos ter uma transformação muito grande na maneira de enxergar e tratar as doenças”, afirma Paulo.
Atualmente diretor do Instituto Estadual do Cérebro, no Rio de Janeiro, Niemeyer conta que a unidade faz cerca de duas mil cirurgias anualmente, sendo uma “referência de hospital público que deu certo”; o médico, que realiza operações de duas a três vezes por semana no local, acredita no poder do comprometimento dos funcionários. “Conseguimos imprimir uma mentalidade, uma maneira de trabalhar, conceitos. Todos que trabalham lá tem um comprometimento de qualidade, e é o desejo de todos os médicos trabalhar em um local que seja bom, que possam realizar seu trabalho da melhor maneira possível”, enfatiza Paulo.
Cuidados com o cérebro
Perguntado sobre cuidados necessários que devemos ter para a saúde cerebral e maior longevidade, Paulo Niemeyer pontua que o mais importante é manter cérebro ativo, estimulando-o da maneira que preferir, como através de livros, filmes, relações sociais ou aprendizado de novas habilidades. “O pior que pode acontecer é o isolamento, a depressão, a falta de interesse. Porque você entra em uma cadeia que não tem fim. O maior antidepressivo são as relações sociais que te mantém ativo e com o cérebro funcionando”, diz o neurocirurgião, citando trabalhos de profissionais norte-americanos. Paulo lembra o período da pandemia, onde devido ao isolamento forçado, muitas pessoas desenvolveram doenças neurológicas.
Hospital Santa Cruz/Rede D’Or realiza, com sucesso, cirurgia com paciente acordado para retirada de tumor cerebral
O objetivo dessa técnica de neurocirurgia é preservar a fala do paciente
No final de junho, a equipe de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Santa Cruz/Rede D’Or (HSC) de Curitiba, realizou, com sucesso, mais uma cirurgia de alta complexidade envolvendo a ressecção de um tumor cerebral com o paciente acordado para monitorar a fala. Essa conquista representa um avanço significativo na área de neurocirurgia e demonstra o compromisso do hospital em oferecer tratamentos inovadores e de alta qualidade.
O paciente em questão apresentava um tumor localizado no lobo temporal esquerdo, região associada à função da fala. Dessa forma, a decisão de realizar a cirurgia com o paciente acordado foi baseada na necessidade de preservar essa função vital.
Segundo o Neurocirurgião do HSC, Dr. Leonardo Ruschel, embora a cirurgia de ressecção de tumor cerebral seja uma prática segura no serviço de Neurocirurgia do Hospital Santa Cruz/Rede D’Or, nem todos os pacientes são elegíveis para essa abordagem, devido à tolerância individual. “Durante a retirada do tumor, o principal objetivo foi preservar a função da fala do paciente. Para isso, foram realizados exercícios de fala, compreensão, associação e interpretação durante todo o procedimento. A cirurgia teve uma duração de duas horas e meia, e todos os testes de linguagem foram feitos ao mesmo tempo”, explica.
O Dr. Leonardo Ruschel reforça que, “não se trata apenas de uma cirurgia e sim de um tratamento multidisciplinar envolvendo equipes de anestesistas, neurologistas, neurocirurgiões, radiologistas, intensivistas, patologistas e oncologistas, todos do Hospital Santa Cruz/Rede D’Or”.
Para garantir o conforto do paciente, foi realizada anestesia local com bloqueio do couro cabeludo, proporcionando alívio da dor durante a cirurgia. “Além disso, uma sedação leve e analgesia foram administradas, permitindo o controle da ansiedade e das dores, mantendo o paciente em um bom nível de consciência para a realização dos testes de linguagem”, complementa o Neurocirurgião.
O paciente teve alta hospitalar dois dias após a cirurgia sem nenhuma sequela neurológica. Após a cirurgia, é essencial que o paciente siga um período de repouso nos primeiros dias, seguido de fisioterapia e cuidados adequados com a ferida operatória. Essas medidas visam promover uma recuperação eficaz e minimizar possíveis complicações pós-operatórias.
Tecnologia de ponta devolve autonomia a pacientes incapacitados por doenças do cérebro
Por Elenilce Bottari / Agência de Notícias EuroCom
O engenheiro de projetos José Luiz Seixas não esquece o susto que tomou no dia em que percebeu que podia andar e até correr sem qualquer ajuda. Diagnosticado aos 58 anos com Mal de Parkinson, ele viu sua autonomia esvair-se ano a ano, até deixá-lo com enorme dificuldade para andar ou até mesmo falar. Foi quando decidiu, a conselho médico, submeter-se a um implante de marca-passo cerebral.
— Eu fiz a cirurgia em outubro de 2014. Nos primeiros dias não senti diferença alguma. Até um dia em que acordei mais cedo, meio desanimado. Fiquei ainda um tempo na cama, mas depois resolvi me levantar e fui até a cozinha. Quando retornei, vi que Maria, a senhora que trabalha há quarenta anos na nossa casa, me olhava com espanto. Ela parecia muito assustada. Mas só quando ela disse “ele está andando” é que eu dei por mim. De repente, eu tinha recuperado movimentos e estava com a mesma capacidade física de anos antes. Foi a emoção mais pura que vivi. Nunca esquecerei este momento — conta José Luiz.
Os responsáveis pelo “milagre” que devolveu autonomia ao engenheiro, hoje com 74 anos e ainda trabalhando, foi o neurocirurgião Antônio De Salles e sua esposa Alessandra Gorgulho, também neurocirurgiã. De Salles foi precursor em radioneurocirurgia para tratamento de tumores e de diversas doenças neurológicas incapacitantes e vencedor do prêmio Cristal de Pioneiro em medicina no Canadá pelas suas invenções em aplicações do marca-passo cerebral.
Em novembro passado, De Salles, Gorgulho e sua equipe com especialistas em todas as doenças neurológicas e psiquiátricas passaram a integrar o time do Hospital Vila Nova Star, da Rede D’Or São Luiz, em São Paulo (SP), onde ajudam a montar um centro de tecnologia de ponta para neurocirurgias minimamente invasivas e robóticas.
Com mais de 500 cirurgias de implantação de marca-passo no Brasil e nos Estados Unidos e com milhares de radioneurocirurgias para a retirada de tumores do cérebro e tratamento de doenças como epilepsia, tremores e até Alzheimer, De Salles percorreu um longo caminho. Natural de Curitiba (RS), ele estudou em Goiânia (GO), onde se formou médico. Aos 28 anos, uma proposta de pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) levou-o ao doutorado em Biofísica no Medical College of Virginia, nos Estados Unidos. De lá, seguiu para a Universidade de Harvard, onde se especializou em Cirurgia Estereotáxica e Radiocirurgia. Mudou-se para a Suécia dois anos depois, para realizar um treinamento em Neurocirurgia Funcional.
Lá, foi professor na Universidade de Umeå por dois anos. Trabalhando no extremo Norte do país, no último hospital universitário antes do Polo Norte, De Salles atendeu a populações de esquimós. A experiência adquirida rendeu-lhe o convite para a Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, onde permaneceu por 25 anos até se aposentar. Trabalhou como professor em cirurgias minimamente invasivas, realizando pesquisas para o desenvolvimento de dispositivos e técnicas cirúrgicas.
De volta ao Brasil trinta anos depois, De Salles e Gorgulho criaram o Centro de Neurociências do Hospital do Coração e a NeuroSapeins®, antes de integrar a equipe da Rede D’Or. Tantos anos fora e tantos títulos profissionais não tiraram do médico o jeito simples. Tampouco arrefeceram a disposição para continuar estudando e pesquisando novas formas de tratamento para doenças que tanto assombram a vida de milhões de famílias brasileiras como Parkinson, Alzheimer, a Depressão. A simplicidade do médico ao falar, torna fácil a compreensão sobre a aplicação dessas novas tecnologias:
— Através de estímulos elétricos, o marca-passo atua em determinadas partes do cérebro, contribuindo para que ele controle, de maneira adequada, as demais funções do corpo, reduzindo os distúrbios químicos provocados pela falta de certos neurotransmissores. Com isto, é possível controlar sintomas de Parkinson, Epilepsia, Distonia e Depressão, por exemplo — explica De Salles.
Segundo ele, o método também é eficaz para o tratamento da obesidade mórbida:
— No tratamento da obesidade, o segredo está no aumento do metabolismo, contribuindo para a perda de peso. O tratamento provoca uma reação similar ao indivíduo que pratica exercícios físicos contínuos.
Entre as novidades que chegam à Rede D’Or São Luiz para a realização de radioneurocirurgias, estão dois equipamentos de ponta. O Cyberknife, único no Brasil, que está no Hospital Vila Nova Star; e o Gamma Knife, no Hospital DF Star, em Brasília.
— Estes equipamentos de robótica permitem a realização de neurocirurgias minimamente invasivas, e até não invasivas. Os raios Gama que funcionam como bisturi. Assim, é possível fazer uma cirurgia sem abrir a cabeça, através de cálculos matemáticos precisos que levarão estes raios ao ponto exato. A técnica é utilizada para tratar tumores, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), Epilepsia, Parkinson, tremor e certas doenças vasculares.
Recentemente, De Salles também explicou sua ciência de forma inusitada no romance “O Cérebro do Jogador: Amor e Futebol”, já traduzido em quatro línguas e publicado em português pela editora Bonecker do Rio de Janeiro.
No livro, em meio a um suspense de ficção científica, ele fala sobre as possibilidades cirúrgicas para pessoas com doenças psiquiátricas severas, que podem ser tratadas com implante de marca-passos ou com a Gamma Knife.
Ao seu pacote de grandes feitos para a ciência, o médico quer acrescentar mais um: está realizando pesquisas para o tratamento de uma das mais terríveis enfermidades que se tem notícia: a esclerose lateral amiotrófica (ELA). A doença — que afeta o sistema nervoso de forma degenerativa e progressiva _ acarreta a paralisia motora irreversível e a morte precoce como resultado da perda de capacidades cruciais, como falar, movimentar, engolir e até mesmo respirar.
— Os tratamentos estão avançando, mas ainda falta bastante conhecimento genético para alcançar a cura de doenças neurodegenerativas. Mas estes tratamentos ajudam a controlar os sintomas e garantem qualidade de vida para esses pacientes e suas famílias.
“Simples tecnologia, a telemedicina é a solução
para dificuldades da saúde pública e da saúde suplementar”
Durante a semana, entre cirurgias, consultas e videoconferências, o neurocirurgião Antonio De Salles conversou sobre as novas tecnologias para o tratamento de doenças neurodegenerativas, as consequências do COVID-19 no cérebro humano e perspectivas da Saúde Pública diante da pandemia. Segundo ele, a medicina foi surpreendida pela doença e inicialmente errou ao definir que, em razão da capacidade de contaminação do vírus, os pacientes só deveriam ser encaminhados aos hospitais quando sentissem falta de ar. Para o médico, a pandemia trouxe importantes ensinamentos para a medicina. Ele defende uma mudança fundamental na forma de acesso da população à saúde através da telemedicina.
— A telemedicina é a solução para a saúde pública e para a saúde suplementar. Ela permite que pacientes sejam orientados por médicos de forma adequada, evitando o agravamento de seu estado de saúde, enquanto aguardam nas filas até receberem o primeiro atendimento.
Alguns dos problemas tratados por tecnologias de ponta atingem a milhões de pessoas, como é o caso da depressão. No Brasil ela afeta mais de 12 milhões de habitantes. Por que estas técnicas tão inovadoras não estão disponíveis no SUS?
Antônio De Salles – O SUS realiza o implante de marca-passo cerebral, mas compra anualmente um número muito limitado de aparelhos. A filas de espera pelo tratamento são imensas. Existe um gargalo muito grande. Um marca-passo custa, em média, R$ 100 mil. Somando os gastos com o tratamento cirúrgico, o custo sai entre R$ 200 mil a R$ 250 mil. O tratamento por Gamma-knife sai bem mais em conta, custa cerca de R$ 60 mil, porém tem limitações que os marca-passos podem sanar. Para o sistema de saúde, o investimento inicial é alto, porque são equipamentos muito caros e dependentes de alta capacitação profissional. Mas, a longo prazo, nos casos de tumores cerebrais, a economia seria imensa. A alta tecnologia, embora cara, sempre diminui os custos sociais, salva vidas e mantêm as pessoas produtivas em seus empregos. Mas uma simples tecnologia, o telefone celular, pode também salvar vidas e ajudar o nosso sistema de saúde através da telemedicina. A pandemia nos mostrou isto.
Como a pandemia impactou o seu trabalho?
Antônio De Salles – Parou tudo, até as emergências diminuíram com o “fica em casa”. Neste momento, passei a estudar mais o comportamento do vírus para entender o que ele pode fazer no cérebro e, como de maneira mais científica, poderia ajudar meus pacientes neste período. Por isto disseminei vários blogs sobre o comportamento da doença em geral e no cérebro.
O que Covid-19 pode provocar ao cérebro humano?
Antônio De Salles – Para entrar no sistema nervoso central, o Covid-19 tem dois caminhos. Um deles é pelas vias respiratórias. O vírus entra através do nosso senso olfatório. Então, um dos caminhos para o Covid-19 chegar ao sistema nervoso central é através desses pequenos nervos que temos na mucosa nasal. O vírus entra no sistema olfatório e segue pelo cérebro através das células nervosas. Por isto, a perda de olfato e do paladar são sintomas comuns da doença. O outro caminho, é através da inflamação provocada pela reação do nosso sistema imunológico ao ataque pelo vírus.
Como isto acontece?
Antônio De Salles – Quando o Covid-19 invade o pulmão, ele aciona um sistema imunológico nosso que irá lutar contra ele, provocando a coagulação sanguínea e provocando uma inflamação vascular muito grande. Esta inflamação se distribui através do corpo inteiro. Quando o Covid-19 está generalizado com esta inflamação vascular, nós temos insuficiência renal, insuficiência hepática, insuficiência pulmonar e também a insuficiência vascular cerebral. Esta provoca os AVCs, obstruções de vasos sanguíneos que levam a diferentes sintomas, dependendo da localização do vaso obstruído. Quando esta obstrução ocorre nos vasos que vão para nossa atividade motora cerebral, acarreta perda do controle da mão, do pé, a isquemia cerebral naquela região. A chamada tempestade de citoquinas nada mais é do que nosso sistema imunológico criando uma reação inflamatória.
Esta inflamação é uma luta contra o agente agressor, esta reação é uma tempestade em todo nosso corpo. Quando ela afeta de forma difusa o cérebro, então temos confusão mental, perda da consciência e coma. Mas, quando ataca de maneira focal, nós temos os acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Estes podem provocar paralisações e perda da visão.
Foram detectados casos que comprovam este comprometimento?
Antônio De Salles – O caso mais emblemático foi o de uma aeromoça de Chicago em que fizeram uma ressonância magnética de crânio. Ela estava com confusão mental, quase demente. O exame demostrou que o vírus havia causado reação inflamatória em pequenos vasos cerebrais. Foi quando entendemos melhor o comportamento do vírus no sistema nervoso central.
O que mudou no protocolo de atendimento da doença a partir destes estudos?
Antônio De Salles – O problema inicial foi porque, como é uma doença de transmissão muito rápida, a primeira orientação era para que os pacientes com sintomas ficassem em casa. Dizíamos: “não vá ao Hospital, não procure tratamento até que tenha dificuldade de respirar”. Significava orientar o paciente esperar até necessitar de ir direto para a UTI, já em um estágio muito avançado da doença, próximo à morte. Hoje, a orientação é que se faça o tratamento logo nos primeiros sintomas. O tratamento precoce reduziu muito a letalidade da doença. Aquela severidade da doença em que a mortalidade era alta e alarmou a população já diminuiu bastante. Sabemos que é um vírus que responde a algumas medicações antivirais que podemos dar no início da infecção. Várias vêm sendo testadas, como a famosa hidroxicloroquina, que deve ser prescrita bem no início da infecção, porque mata o vírus; a azitromicina, antibiótico comum para tratamento de infecções das vias respiratórias previne infecções oportunistas que podem agravar a gripe.
Mas a própria OMS descartou as pesquisas com Cloroquina …
Antônio De Salles – É por causa do “timing”. Quando aplicada precocemente, a hidroxicloroquina terá resultados, mas quando o Covid-19 evoluiu tomando conta do corpo todo, a hidroxicloroquina e a azitromicina, não resolvem por ser tarde demais. Existem estudos observacionais que confirmam a efetividade do tratamento precoce. Embora não sejam estudos randomizado (testados de forma aleatória em pacientes), a medicina que praticamos é muito mais calcada em estudos observacionais do que em estudos randomizados. Estudos randomizados servem muito a interesses econômicos.
Muitos defendem que estas indefinições sobre isolamento social, medicamentos e até mesmo uso de máscaras têm relação com disputas político-eleitorais.
Antônio De Salles – Historicamente disputas políticas acontecem durante pandemias porque estamos falando em políticas de saúde pública, que podem gerar votos. Foi assim na gripe espanhola. Aquela pandemia iniciou nos Estados Unidos, em Kansas, com uma gripe suína. Os políticos da época esconderam o problema, como ocorreu na China com o Covid-19. A gripe infectou os soldados que foram para a primeira guerra, e eles infectaram a população na Europa. A febre se tornou espanhola porque só os espanhóis, que daquela guerra não participaram, fizeram as contas de quantos foram infectados, quantos morreram e publicaram seus estudos. Por isto a pandemia recebeu o nome de Febre Espanhola, mas era na verdade americana.
O que muda a partir da pandemia?
Antônio De Salles – Em razão do distanciamento social, o Governo autorizou que médicos pudessem receitar medicamentos e exames de forma digital, remota. Isto é muito importante para a implantação da telemedicina. Muitos médicos estão tratando seus pacientes assim. Quando trabalhei na Suécia, e os esquimós tinham uma realidade parecida com a dos nossos índios da Amazônia, pessoas que até então não tinham nenhum contato médico e viviam em regiões distantes. Nós fazíamos consultas por telefone para saber quais os sintomas tinham. Dependendo do caso, os pacientes eram trazidos de avião. O Brasil precisa de um sistema assim para melhorar nossa saúde pública, cuidar precocemente do nosso povo.
O senhor acredita que ainda haja tempo para implementar este sistema na pandemia?
Antônio De Salles – Acho que sim, precisa ser montado e que deve ser montado e ser organizado para a eternidade, não só para cuidar desta pandemia. O governo pode implementar postos de saúde em lugares remotos, com profissionais de saúde capacitados, que possam colocar o paciente em uma ligação de vídeo com o médico. Este daria um primeiro atendimento adequado. Isto sairia mais barato e reduziria as filas do SUS porque agilizaria, no caso de necessidade, o atendimento do paciente nos hospitais da rede pública. Se tivessem utilizado a telemedicina em lugar de hospitais de campanha, por exemplo, os governos teriam feito um melhor investimento para o tratamento da Covid-19, porque tratariam os pacientes de forma precoce, reduzindo a ocorrência de pacientes com quadro grave da doença. Um investimento perene para o futuro, evitando a necessidade dos famosos e caros respiradores.