Estamos vivendo ajoelhados ou morrendo pronados (pacientes de barriga para baixo), numa nova crise sanitária com componentes bastante semelhantes aos que enfrentamos na Gripe Espanhola (1918-1920). Alguns ignoram que essa pandemia se transforma numa bomba incendiária ao misturarem política de saúde com política na saúde.
Todos erram. Dirigentes, jornalistas, políticos, juristas, governantes, revistas e organizações científicas. A imensa maioria sem dolo.
Eu também erro. Mas o vírus não. Ele conhece as conclusões de Charles Darwin e se adapta, sofre mutações e sobrevive. O vírus precisa de nós para se perpetuar; por isso, precisamos nos livrar dele.
Os vírus não têm alma, assim como as guerras. Durante a Segunda Guerra Mundial, os túneis do metrô de Londres, inaugurado em 1863, salvaram milhares de vidas ao servir de abrigo antiaéreo contra as bombas nazistas, mas o pânico custou a vida de quase duas centenas de pessoas, pisoteadas na tentativa de entrar na estação de Bethnal Green.
Depois disso, o governo britânico entendeu sua obrigação de coordenar a nova utilização desses centenários túneis, pois não havia tempo para construir abrigos com acomodações mais adequadas. Aprenderam que, em situações de urgência, o melhor é o possível.
No Rio de Janeiro, os dois hospitais de campanha da Rede D’Or e seus parceiros, sem qualquer subsídio público ou isenção fiscal, tiveram resultados clínicos expressivos no atendimento de milhares de pacientes com Covid-19. Fizeram o que alguns achavam improvável. Agora que temos diversas vacinas, que competem num mercado mundial de 8 bilhões de consumidores, podemos ser pisoteados por indecisões.
Na Revolta da Vacina contra a varíola em 1904, Oswaldo Cruz enfrentou a indignação dos cidadãos que alegavam o direito de não aceitar aquele líquido desconhecido, gerando um descontentamento enorme e o desejo de derrubar o presidente Rodrigues Alves. O movimento foi dominado, mas a Lei da Vacina se tornou facultativa. O presidente, reeleito em 1918, morreu em janeiro de 1919, no auge da Gripe Espanhola, sem ter tomado posse. Agora, com a Covid-19, todos querem ser vacinados, mas há falta desse líquido.
O Brasil deve seguir o que a imensa maioria dos países está fazendo, priorizando a vacinação dos mais vulneráveis, por idade ou doenças, e dos profissionais de saúde, pois cabe a estes cuidar dos enfermos. Mas toda nossa população tem o justo direito de ser vacinada, sem prejuízo por pertencer a qualquer classe social. Recorro a Victor Hugo, romancista francês, que nos ensinou que ser bom é fácil, mas o difícil é ser justo.
Como então ser menos injusto?
O transplante de órgãos de cadáver no Brasil é um bom exemplo. A cooperação no trabalho permitiu que o SUS e a iniciativa privada tenham uma relação não predatória, pois o critério de gravidade é o principal fator para o recebimento de um novo órgão, sempre graças à generosidade de famílias enlutadas. A vacinação eficaz contra a Covid-19 deve ser uma decisão simbiótica.
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou nesta quinta-feira (7) a compra de 100 milhões de doses da vacina Coronavac produzida no Butantan, logo após o instituto divulgar uma eficácia de 78% do imunizante elaborado em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
Pazuello explicou que a compra só pôde ser contratada com a publicação, hoje, da Medida Provisória 1026/21. A MP, segundo o ministro, permite a negociação de vacinas antes do registro definitivo ou emergencial na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O início da campanha de vacinação, no entanto, só após o registro. Pazuello pretende que isso aconteça até o dia 20 de janeiro.
Falhas do governo
Deputados que participaram da comissão externa da Câmara que acompanhou o andamento da pandemia avaliam que tudo o que vier para acelerar a vacinação é importante, mas não deixam de apontar falhas do governo. O deputado Alexandre Padilha (PT-SP) afirma que houve atraso no planejamento das compras:
“Agora ficou muito claro, inclusive pelo pronunciamento do ministro da Saúde, que se tem seringa no Brasil para realizar a vacinação são aquelas compradas pelos estados, pelos municípios, e pela Organização Panamericana de Saúde, da OMS. Se dependesse do governo federal, o Brasil sequer teria seringa para começar a vacinação como já começou em outros países”, disse Padilha.
Para a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), relatora da comissão externa da Câmara que discute ações de enfrentamento ao coronavírus, a legislação aprovada pelo Congresso já poderia ter sido usada pelas empresas:
“A Anvisa não está dificultando a liberação para uso emergencial das vacinas. O que nós precisamos é que as empresas, a indústria possa estar protocolizando, entregando à Anvisa os dados finais para que elas possam fazer a sua avaliação e liberando. A legislação já define prazo máximo de 3 dias para as vacinas que já estão autorizadas para uso em outros países”, disse.
Dispensa de licitação
A medida provisória em tramitação no Congresso dispensa a licitação para todas as compras necessárias para o processo de vacinação contra a Covid-19. Ou seja, para a compra de vacinas, insumos, comunicação publicitária e treinamentos.
O ministro Eduardo Pazuello afirmou que, além das 100 milhões de doses da Coronavac, serão mais 210 milhões de doses da vacina da AstraZeneca/Fiocruz até o final do ano. O ministro explicou que o governo pode optar por apenas uma dose desta vacina, o que já seria suficiente para uma eficácia de 70%. Com duas doses, a eficácia subiria para 90%. Ele ressaltou que esta vacina custa cerca de US$ 4 enquanto a da empresa americana Moderna custa US$ 37 a dose.
Além das vacinas da Fiocruz e do Butantan, o governo, segundo o ministro, vai adquirir 42 milhões de doses do consórcio mundial Covax Facility e deve continuar negociando com empresas americanas e com o laboratório russo que fabrica a vacina Sputnik. No total, estariam asseguradas, até agora, 354 milhões de doses em 2021.
Foi explicado também que o setor público tem 80 milhões de seringas em estoque para iniciar a campanha da Covid-19. Segundo Pazuello, a licitação que o governo não concluiu em dezembro para a compra de mais 30 milhões de seringas seria para regular o estoque.
Nas minhas consultorias em análise e melhoria de processos, costumamos usar uma ferramenta chamada 5W2H, que vem das palavras em inglês: What (O que), Why (Porque), When (Quando), Where (Onde), Who (Quem), How (Como), How much (Quanto $).
Ao responder a essas questões conseguimos identificar se um problema tem solução razoável e se pode existir um processo organizado para resolve-lo.
Vamos então por partes.
O QUE nós queremos, QUANDO e QUANTO? – Queremos todos os brasileiros vacinados até o final de 2021 (Vou considerar já perdidos os meses de Janeiro e Fevereiro, mesmo que algumas vacinas ainda possam ser possíveis nesse período).
PORQUE nós queremos isso? – Óbvio! Para nos livrarmos da pandemia.
As outras questões vamos resolvendo ao longo do texto de uma forma não necessariamente tão estruturada pra não cansar o leitor.
Para responder ao COMO, precisamos verificar se algo parecido já foi feito em algum momento e nos deparamos com a campanha de vacinação contra a gripe realizada em 2020.
“A campanha vai contar com mais duas etapas e a meta é vacinar 67,6 milhões de pessoas em todo o país até 22 de maio, iniciando em 20 de março. O Ministério da Saúde vai distribuir 75 milhões de doses aos estados. Alguns estados têm vacinação em farmácias, ‘drive thru’ e imunização em ordem alfabética”.
Em resumo, a vacinação cobriu em 2 meses quase 70 milhões de brasileiros.
Isso significa que é possível aplicar 350 milhões de doses em 10 meses (março a dezembro) e vacinar 175 milhões de brasileiros, usando apenas a metodologia já disponível e consagrada pelo SUS e pelo Sistema PNI (Programa Nacional de Imunização), o que representa mais de 80% da população brasileira, onde, tanto pelo critério de idade (os menores de 16 anos são menos de 20%) quanto pelo critério de “imunidade coletiva” (mais de 70%) o problema estará resolvido.
Então, em termos quantitativos, seria perfeitamente executável a vacinação completa da população necessária.
“O tamanho do PNI realmente impressiona. Atualmente, o país possui 38 mil salas de vacinação. Em épocas de campanha, esse número pode ser ampliado para 50 mil.
No total, são 114 mil vacinadores, o que significa uma média de três profissionais trabalhando em cada uma dessas unidades. Tudo é gerido dentro do guarda-chuva do Sistema Único de Saúde, o SUS, e está disponível a todos os cidadãos”.
Isso responde outros dois itens. QUEM vai fazer e ONDE? – O SUS e a rede PNI, desde que alguns especialistas em logística não atrapalhem!
Querem outro dado de volume? No dia 15/11/2020 votaram 150.000.000 de brasileiros. Em um único dia, em apenas 10h, de 7 as 17h. Isso significa 15 milhões de votos por hora, em TODOS os municípios brasileiros, onde o eleitor se identificou, assinou um documento, foi até o equipamento, gastou alguns segundos e pronto.
Se o modelo do TSE fosse adotado e até flexibilizado, seria possível vacinar 170milhoes de brasileiros ao longo de duas semanas e, repetindo a dose (segundo turno) duas semanas depois. Seria uma operação de guerra (é o caso), e em 30 dias toda a população estaria vacinada.
Até as urnas eleitorais (são micro computadores) poderiam ser usadas para fazer os registros devidos, controlar quem foi vacinado com qual vacina e usar o cadastro eleitoral onde estão todos os brasileiros maiores de 18 anos e muitos com 16. O TSE é outro padrão de burocracia nacional que funciona.
Isso quer dizer que temos gente, locais e organização capazes de realizar essa função tranquilamente em 10 meses conforme padrões de vacinação anteriores e podendo até mesmo ser acelerada para 1 mês na emergência , usando parâmetros das eleições.
Mas, falta o resto…
O QUE é necessário para que isso possa acontecer?
Obviamente precisaríamos dos insumos: seringas, agulhas, algodão, álcool e, claro, as vacinas!
A distribuição desses insumos, se existentes, não teria maiores problemas, tanto usando o modelo das vacinações anteriores ou o modelo de distribuição de urnas das eleições.
Segundo Paulo Henrique Fraccaro, superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo) as três empresas brasileiras que fabricam seringas têm capacidade de produzir de 120 a 140 milhões de seringas por mês.
No entanto, essa produção atual já está toda comprometida com a demanda normal do setor. Tampouco há produção excedente para estoque. “Se for necessário, podemos produzir de 18 a 20 milhões a mais de seringas por mês, mas para uma quantidade maior tem de ter todo um planejamento”, explicou Fraccaro. “Já deveríamos estar com esses pedidos nas mãos.”
120 milhões de seringas/mês geram 1,2 bilhões de seringas em 10 meses (nosso parâmetro). Além disso, pode-se produzir 200 milhões a mais. Claro que com algum planejamento, remanejamento e priorização COVID, é possível termos 350 milhões de seringas no prazo previsto.
A primeira tentativa (atrasada ) para adquirir seringas e agulhas fracassou em 29/12, mas não por falta dos insumos, mas por desajuste de preços. Então isso vai ser solucionado em pouco tempo.
O algodão e as gazes não serão o problema, já que “Sob a ótica da indústria, não existe qualquer risco de faltar o produto, mesmo com aumento da demanda”, garante Fernando Valente Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
Por ano, o Brasil produz cerca de 67 mil toneladas de algodão, gaze e outros materiais têxteis com fins medicinais.
Bom, então não falta nada? Claro que falta! AS VACINAS propriamente ditas.
As notícias sobre a produção de vacinas no mundo todo são bastante animadoras, com mais de 100 organizações trabalhando nisso, sendo várias já em nível 3 (testes com humanos). O segundo semestre vai estar bem tranquilo nesse ponto.
Mas e o Brasil? Apesar dos atrasos, já temos prometido (ainda não comprometido) o seguinte:
Oxford/ Astra Zeneca, 100 milhões de doses até julho e mais 100 milhões no segundo semestre;
Butantan/ Sinovac, 1 milhão de doses por dia a partir de março = 300 milhões de doses até dezembro;
Sputinik (Russa, já em aplicação na Argentina), 50 milhões de doses até o final do ano;
Pfizer, a primeira já em aplicação em 40 países, 70 milhões de doses;
Covax Facility, 42 milhões de doses.
Bem, apenas com os dados acima, vemos que já temos um potencial de 662 milhões de doses, o que daria para cobrir com folga nossa população inteira. No nosso exercício, bastariam 350 milhões.
E ONDE da pra armazenar isso tudo, inclusive aquelas que necessitam de -70 graus?
“Do ponto de vista da indústria, o país tem capacidade de fornecer a tecnologia necessária para guardar as doses, mesmo que seja a -75° C. “Precisamos destacar que o Brasil é referência mundial em refrigeração e possui um parque industrial e dezenas de milhares de profissionais qualificados para atender a demanda”, assegura o engenheiro Ariel Gandelman, membro do Conselho Nacional de Climatização e Refrigeração (CNCR).”
E QUANTO isso tudo vai custar?
Segundo o ministro da economia e o Presidente do Banco Central, pouco mais de R$ 20 bilhões, que é muito menos do que se gastaria para conviver com a pandemia sem vacinação, podendo a economia retomar seu fluxo normal (quase). Encerrando, é bom que fique claro que o artigo apenas responde a questão do título. “É POSSÍVEL vacinar todo o Brasil em 2021?” A resposta por tudo que se viu acima é SIM, é perfeitamente possível.
Mas, se vamos conseguir, é outra coisa, já que as decisões que vem sendo tomadas ao longo do ano de 2020 em termos de planejamento, organização, prioridades e objetividade não tem sido exatamente as mais racionais.
*Paulo Milet – Formado em Matemática pela UnB e pós graduado em Adm. pública pela FGV RJ – Consultor e empresário nas áreas de Tecnologia, Gestão e EaD.
O Reino Unido se tornou hoje (30) o primeiro país a aprovar a vacina contra coronavírus desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca, torcendo para que uma ação rápida o ajude a conter uma disparada de infecções impulsionada por uma variante altamente contagiosa do vírus.
O governo do primeiro-ministro Boris Johnson, que já encomendou 100 milhões de doses da vacina, disse ter aceitado uma recomendação da Agência Regulatória de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA) para conceder uma autorização de emergência.
A aprovação respalda uma vacina vista como essencial para imunizações em massa no mundo em desenvolvimento, assim como no Reino Unido, mas não elimina dúvidas sobre dados de testes que tornam improvável que ela seja aprovada tão rapidamente na União Europeia ou nos Estados Unidos.
“O NHS (Serviço Nacional de Saúde) poderá levar estas vacinas aos braços das pessoas na velocidade com que ela pode ser fabricada”, disse o secretário da Saúde, Matt Hancock.
“Agora eu, com esta aprovação nesta manhã, estou altamente confiante de que podemos vacinar pessoas vulneráveis suficientes até a primavera a ponto de podermos ver nosso caminho para fora desta pandemia agora.”
Triunfo da ciência
Johnson classificou a aprovação como um “triunfo da ciência britânica”. Hancock disse que centenas de milhares de doses estarão disponíveis na semana que vem no Reino Unido, que já está distribuindo uma vacina desenvolvida pela norte-americana Pfizer e pela alemã BioNTech.
O governo brasileiro tem acordo com a AstraZeneca para o fornecimento de doses da vacina ao país e para a posterior produção local do imunizante pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ainda não há pedido de registro da vacina ou de autorização para uso emergencial junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Testes mostraram que a vacina da Oxford é menos eficaz do que a da Pfizer/BioNTech, mas pode ser armazenada e transportada sob refrigeração normal, ao invés de super-resfriada a 70 graus Celsius negativos, o que é crucial para países com infraestrutura de saúde mais básica.
A Índia está determinada a começar a administrar a nova vacina no mês que vem. O Instituto Serum da Índia (SII), o maior produtor mundial de vacinas, já fabricou cerca de 50 milhões de doses. O Chile também está interessado.
O Reino Unido se destacou de outros países ocidentais com sua abordagem acelerada de vacinações, tendo liberado a vacina Pfizer/BioNTech semanas antes da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).
Também nesta quarta-feira, uma comissão de aconselhamento do governo britânico recomendou uma mudança de rota: dar uma primeira dose da vacina contra coronavírus de imediato ao maior número possível de pessoas, ao invés de dar a segunda dose de reforço dentro do período de tempo mais curto.