*Renan Pereira é advogado da BMS Projetos & Consultoria
No dia 4 de agosto, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade. O entendimento foi firmado pela Suprema Corte através do julgamento do Recurso Extraordinário 576.967 (Tema 72 da repercussão geral), assim decidindo:
“O Tribunal, por maioria, apreciando o Tema 72 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário maternidade, prevista no art. 28, §2º, da Lei nº 8.212/91, e a parte final do seu §9º, alínea a, em que se lê ‘salvo o salário-maternidade’, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli (Presidente), que negavam provimento ao recurso. Foi fixada a seguinte tese:
“É inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade”. Plenário, Sessão Virtual de 26.6.2020 a 4.8.2020.
Por maioria de votos e, em julgamento realizado através de sessão virtual, a decisão do STF possui efeitos erga omnes e servirá de base para que as empresas busquem a recuperação e a compensação dos créditos previdenciários que incidiram sobre a folha de pagamento nos últimos cinco anos, de acordo com o art. 173 do Código Tributário Nacional. Isto porque, conforme mencionado pelo ministro relator Luís Roberto Barroso, a Lei n. 8.212/91, em seu art. 22, I, estabelece que a contribuição é incidente sobre verbas destinadas a remunerar o trabalho e outros ganhos habituais, constituídos sob a forma de utilidades e adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, resultante do serviço prestado, tempo à disposição ou de convenção ou acordo coletivo.
Por outro lado, de encontro ao disposto pelo ilustre ministro, a Constituição trata do tema em questão em seu artigo 195, com a seguinte redação: “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta”, mediante contribuições sociais provenientes do empregador incidentes sobre a “folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”.
Já no §4º do referido artigo, há a determinação de que a criação de outras fontes objetivando garantir a manutenção ou expansão da seguridade social deve ser somente por meio de lei complementar, embora, a União estivesse criando, através de lei ordinária, nova fonte de custeio.
Sendo certo que no período de licença-maternidade a prestação dos serviços é interrompida e não ocorre o recebimento de valores a título de salário remuneração, o benefício em questão não pode compor a base de cálculo da contribuição social sobre a folha de salário. Surge assim uma oportunidade de gerar receita e caixa para o empresariado, que deixará de contribuir sobre verba mencionada, e ainda poderá recuperar os créditos pagos nos últimos cinco anos.
No que concerne à aplicação prática do julgado, trazemos à tona a Lei 10.522/2002, que em seu artigo 19, consigna expressamente a dispensa da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em contestar, contrarrazoar ou interpor recursos nas hipóteses em que ação versar sobre tema decidido, em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo, pelo Supremo Tribunal Federal.
Com a declaração de inconstitucionalidade e com a dispensa de recursos por parte da Procuradoria, as empresas poderão reduzir a sua carga tributária em valores expressivos, neste cenário pandêmico que assola todo o mundo. A compensação administrativa dos créditos constitui uma alternativa totalmente viável e segura, evitando a morosidade do Judiciário e recuperando receita de forma eficiente.
Fernanda Torres é advogada previdenciária da BMS Projetos & Consultoria
O agravamento do cenário econômico pela pandemia do coronavírus nos leva a refletir se, passado o período de recessão, tudo voltará ao normal – ou não? Estamos diante de uma perda de potencial maior do que a queda, de fato, sofrida pelo PIB. Falamos da redução da capacidade produtiva. A estagnação econômica é também conhecida por histerese, que vem da Física e se refere à resiliência de um sistema em conservar sua propriedade mesmo na ausência do estímulo que o gerou. Na economia, isso acontece por vários mecanismos como, por exemplo, a curva de salário, dinâmica e mecânica de trabalho.
A questão é muito mais densa, uma vez que as consequências do elevado desemprego por longo período de tempo afetam não só o poder de compra de uma população. A força de trabalho quando paralisada por muito tempo começa a perder qualidade, pois o indivíduo ocioso tende a dissipar parte de sua capacidade laborativa. Essa míngua do conhecimento técnico, das habilidades e competências dos recursos humanos de uma população prejudica de forma substancial o mecanismo de retomada do desenvolvimento socioeconômico de um país.
Trata-se de uma crise sem crise. Não há desajuste cambial, hiperinflação, juros siderais ou quebras de safra. Mas a economia anda mal, adoecida e sofre as consequências das medidas de isolamento social impostas pelo Governo para evitar o contágio de Covid-19. A chave para a solução desta questão é a terceirização de serviços, pois oportuniza a empregabilidade e traz vantagens às empresas ao reduzir custos e garantir a qualidade produtiva através de mão de obra qualificada. Assim, essa modalidade atende de forma ampla e benéfica tanto o mercado de trabalho como a economia de maneira geral, pois permite que a sociedade se mantenha produtiva, evitando o perecimento do capital humano.
Com o advento da Lei 13.429/2017, a terceirização tornou-se aplicável às empresas que desempenham qualquer atividade e está sendo adotada por muitos gestores, não somente para reduzir gastos, mas também como estratégia para otimizar e aprimorar os processos produtivos, tornando-os mais eficientes. As empresas tomadoras de serviço são responsáveis subsidiárias quanto às obrigações inerentes ao contrato de trabalho e devem ficar ainda mais alertas. As medidas adotadas pelo Governo para conter a onda de contágio de coronavírus tiraram de circulação milhões de reais, fazendo com que muitas dessas empresas encerrassem suas atividades.
Vale assinalar que, segundo pesquisa da Boa Visa SCPC, os pedidos de falência avançaram 34,2% nos primeiros seis meses de 2020 em relação ao mesmo período de 2019. Além disso, os pedidos de recuperação judicial cresceram 32,8% e as recuperações judiciais deferidas, 45,3%. Entretanto, uma eficiente gestão de terceiros permite afastar os riscos inerentes à terceirização de mão de obra. Assim, é possível controlar todas as etapas da transação, desde a seleção da prestadora de serviço até o monitoramento regular do cumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e normas reguladoras de saúde e segurança do trabalho.
Esse cuidado é essencial, pois se a tomadora de serviço for incluída no polo passivo das demandas trabalhistas, junto com o empregador direto que esteja em recuperação judicial e frustrada a execução em razão de sua insolvência, a obrigação recairá sobre a empresa à qual o reclamante prestou serviço restrito a este período. Importa esclarecer que o Tribunal Superior do Trabalho entende não haver previsão em lei que condicione a execução do responsável subsidiário ao esgotamento das tentativas de dirigir a execução aos sócios da prestadora de serviços, inteligência consolidada através da Súmula 331, VI.
Sob esta ótica, como exemplo, podemos pensar na hipótese em que a execução da sentença recai inicialmente sobre o empregador direto, mas esse não possui dinheiro suficiente em sua conta bancária para satisfazer a dívida. Pode, então, o magistrado, com fundamento da orientação do TST, direcionar a condenação para a empresa tomadora do serviço, por entender que a natureza da verba é alimentar e exige urgência.
Para evitar surpresas e aborrecimentos futuros, a boa prática em gestão de terceiros através da realização de auditorias e avaliações periódicas permite identificar se a prestadora de serviços se mantém idônea, adimplente, cumprindo todas as obrigações legais decorrentes do pacto laborativo firmado com seus empregados. Além de viabilizar a defesa em eventuais demandas na esfera trabalhista, evita que a empresa contratante seja penalizada ou, se assim for, na pior e remota hipótese, possa reaver o valor pago em sede de ação regressiva.
Gerir a terceirização de uma empresa consiste em um trabalho meticuloso, extremamente burocrático, que envolve elevado número de documentos e informações, a serem analisados com muita precisão e agilidade. Tudo isso demanda conhecimento, experiência e tempo. Logo, é essencial que seja realizado por profissionais capacitados.
Em tempos de crise, empresas de consultoria especializadas na gestão de terceiros são uma solução eficiente, por serem dotadas da expertise necessária aliada a um sistema informatizado desenvolvido especialmente para este fim, que serve inclusive de interface entre as empresas envolvidas.
Desta forma, diante das intempéries do atual panorama econômico, a terceirização de serviço, quando aliada a serviços especializados de gerenciamento de risco, como o due diligence e a gestão de terceiros, é medida ideal para que empresas consigam otimizar custos, garantir qualidade produtiva e ao mesmo tempo continuem a desempenhar sua função social contribuindo desta forma para o desenvolvimento socioeconômico do país.
Fagner Sampaio Filadelfo é advogado do escritório Pessoa & Pessoa Advogados Associados
Devido à pandemia de Covid-19, o Congresso Nacional e o Governo travam uma batalha na tentativa de prorrogar ou não a desoneração da folha de pagamento, com fulcro na Lei 12.546/11. A lei consiste na substituição da base de incidência da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de pagamentos, prevista nos incisos I e III do art. 22 da Lei n° 8.212/91, por uma incidência sobre a receita bruta.
Em vigor desde 2011, essa opção de recolhimento previdenciário com a proposta de desoneração da folha de pagamento estaria em vigor até 31 de dezembro de 2020, conforme o art. 7ª da referida legislação.
Resumidamente, setores do Governo ligados à economia não estão de acordo com a renovação, pois a arrecadação suprimida não foi substituída por outra fonte de recolhimento. Em contraponto, o Congresso pretende estender a medida até 2021 na tentativa de evitar maiores gastos para os setores beneficiados pela Lei e, assim, ampliar a oferta de postos de trabalho.
Conforme preconizado pela própria Receita Federal, “a implementação da incidência sobre a receita bruta se deu, em termos práticos, por meio da criação de um novo tributo, a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), que consiste na aplicação de uma alíquota ad valorem, 1% ou 2%, a depender da atividade, do setor econômico (CNAE) e do produto fabricado (NCM), sobre a receita bruta mensal”[1].
O art. 8º da Lei nº 12.546, resultado da conversão da Medida Provisória nº 540/2011, estabelece às empresas de determinados setores o recolhimento da cota patronal das contribuições previdenciárias sobre a receita bruta, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212 /91. A sistemática de desoneração da folha de pagamento foi ampliada por alterações posteriores (Lei nº 12.715/2012, Lei nº 12.794/2013 e Lei nº 12.844/2013)
Nesse contexto, logo após a edição da legislação citada, a Receita Federal publicou dois documentos intitulados “Soluções de Consulta”, sendo que a de nº 161 trata especificamente da regra de incidência no pagamento de condenação trabalhista.[2]
Logo, a empresa que se enquadra nas disposições do art. 8º da Lei nº 12.546 deve recolher a contribuição sobre o valor da receita bruta, observadas as exclusões permitidas, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991.
A aplicação da Lei nº 12.546, de 2011 é preponderante e sobrepõe a aplicação da Lei nº 8.212/91 no tocante à tributação sobre a remuneração, aqui falando da cota parte patronal, já que houve uma alteração na base de cálculo passou a ser a receita bruta.
Importante destacar os impactos da referida legislação dentro do âmbito dos processos judiciais trabalhistas, pois nem todos os Tribunais estão aplicando a referida legislação e, dessa forma, determinando que as empresas efetuem novamente o pagamento da contribuição previdenciária com base nas verbas deferias nos processos judiciais.
Algumas Turmas dos Tribunais Regionais do Trabalho 2ª Região (São Paulo) e 3ª Região (Minas Gerais) entendem que o regramento jurídico tributário invocado não pode ser aplicado aos créditos trabalhistas reconhecimentos pela Justiça do Trabalho ou aqueles decorrentes de acordos judiciais, pois “inexiste previsão legal (princípio da estrita legalidade, arts. 37 e 150, CF) para que a Lei de Desoneração da Folha de Pagamento alcance os créditos reconhecidos em Juízo; 2. “o regramento invocado se restringe aos contratos de trabalho em vigor, não se aplicando àqueles já findos, como é o caso em exame.”[3]
Em contraponto, é importante destacar que o crédito trabalhista reconhecido por decisão judicial, é a efetiva prestação do labor. Ou seja, a prolação de decisão transitada em julgado não faz nascer um novo fato gerador para que haja o recolhimento da cota empregador pois, como já elencado, o faturamento, que passou a ser a base de cálculo do tributo, não mudaria com adicional de alguma parcela de cunho salarial adicionada por decisão judicial na lide.
Importante ressaltar que o fato constitutivo do direito, amparado na legislação exaustivamente citada, faz-se comprovado as guias de recolhimento do INSS que podem demonstrar o recolhimento da cota patronal sobre o faturamento da empresa. Ou seja, com tais documentos, fica evidenciada a opção pela substituição da cota patronal das contribuições previdenciárias pelo recolhimento de percentual sobre a receita bruta, devidamente comprovada nos autos, ônus de prova que a reclamada se desincumbe, nos processos judiciais.
Como exemplos de Tribunais Regionais do Trabalho que estão decidindo em consonância com o previsto na legislação citada, temos os Tribunais da 5ª Região (Bahia), 12ª Região (Santa Catarina), 15 ª Região (Campinas), 24ª Região (Mato Grosso do Sul) e o da 4ª Região (Rio Grande do Sul).[4]
No entendimento baseado nos estudos deste trabalho, o labor de um empregado constitui-se no fato gerador da Contribuição Previdenciária. E sendo assim, como comprovado que tal labor esteve compreendido dentro do lapso temporal de vigência da Lei arguida (Lei nº 12.546 de 12 de dezembro de 2011), resta indevido o pagamento de qualquer recolhimento a título de contribuição previdenciária, sob pena de violação literal a Lei Federal indicada, bem como aos Arts. 5º, II, 150, I, e 195, I, “a”, da Constituição Federal.
Quando se pensa em sistema de saúde no imaginário popular vem a figura do hospital e seus leitos, com toda a estrutura ao redor, máquinas e equipamentos, médicos, enfermeiros, laboratórios. Essa composição, por si, já exige alto grau de complexidade para seu bom e correto funcionamento, mas é preciso enxergar para além desta disposição contextual, muito além.
Gira em torno da órbita do sistema de saúde um complexo aparelho formado de elementos estruturantes fundamentais para a conexão entre os agentes e o funcionamento desta entrelaçada engrenagem, cujo horizonte é composto por dois protagonistas: a saúde pública e a saúde suplementar.
As peças se encaixam, e a dinâmica do sistema funciona, a partir do reconhecimento de que desde o antecedente em pesquisas, até a fabricação de um medicamento pela indústria farmacêutica, ou sua importação, compreendem o entrelaçado setor de saúde, passando pela distribuição, inserida numa operação logística com todas as espécies de malhas de transporte, especialmente a aérea, com exigências de acondicionamento dos produtos transportados, com rígido controle de fiscalização e inspeções, até alcançar o comércio varejista e atacadista, e, claro, os laboratórios, as clínicas e os hospitais.
Fábio Ferreira Cunha é diretor do Comitê Jurídico da ABRAMED
São, portanto, atores protagonistas deste enredo: os hospitais, os laboratórios, as clínicas, as entidades filantrópicas, os institutos de pesquisas, os fabricantes e importadores de máquinas e equipamentos, as indústrias de alta tecnologia de produtos para a saúde, os distribuidores de produtos e equipamentos médicos, sem deixar de falar das operadoras de planos de saúde, todos eles submetidos a um complexo sistema de regulação do Estado, sujeitos ao controle da ANVISA, ANS, CADE, RFB.
Pois bem! O que parecia complexo se transformou em algo inimaginável. Se esta cadeia de operações em saúde exigia significativo grau de particularidades, com uma logística própria em relação aos demais segmentos produtivos, agora o “maquinário” deve continuar funcionamento mesmo com a sensação de que “jogaram areia” nas engrenagens com a proliferação do COVID-19.
Entre os desafios impostos em tempos de COVID-19, as condutas anticompetitivas são preocupantes porque compreendem a formação de carteis, com acordos de preços, quantidades, regiões e condições de fornecimento; utilização de meios enganosos para provocar oscilações de preços, inclusive com discriminação de adquirentes por meio da fixação de valores ou condições operacionais diferenciadas; imposição de contratos com cláusulas e condições comerciais leoninas; retenção de bens de produção ou de consumo.
Nesta tempestade de desafios impostos pelo novo cenário desenhado pelo COVID-19, ao contrário do que se imagina, o setor de saúde não está “nadando de braçadas” contra a correnteza da crise instalada.
Dados indicam que a medicina diagnóstica fechou centenas de unidades em todo país, com registro de perda de arrecadação da ordem de até 70%. Os hospitais estão com fluxos de caixa comprometidos, com queda de faturamento, sobretudo diante da suspensão dos atendimentos eletivos (consultas, exames e cirurgias), aumento significativo dos preços de insumos, além de sua exponencial utilização (EPI’s), do custo financeiro com empréstimos, da necessidade de altos investimentos em infraestrutura, especialmente para aumento do número de leitos de Unidade de Tratamento Intensiva (“UTI”), contratação de novos profissionais, aquisição de equipamentos, entre outros fatores.
Com os rumos turbulentos, exigindo um esforço sobrenatural para manter o regular funcionamento desta cadeia produtiva de serviços, o setor vem sendo bombardeado por todos os lados.
Estados e municípios promoveram uma avalanche de requisições administrativas de materiais e produtos relacionados, de forma descoordenada, provocando desabastecimentos e ameaças ao próprio funcionamento de hospitais. No Maranhão, o Decreto n. 35.786, de 04 de maio de 2020, estabeleceu a requisição administrativa de serviços de profissionais da medicina como medida de combate ao COVID-19 sem que houvesse uma sincronização com a saúde suplementar. E se o médico ou enfermeiro no momento da requisição administrativa já tem compromisso com carga horária máxima na rede privada de saúde, como conciliar? E se o médico atender ao chamado de requisição pública e deixar a descoberto o hospital privado? São questões que precisam ser coordenadas, com urgência e prioridade, mas não podem ser desprezadas.
No âmbito do Poder Legislativo, alguns projetos de lei estão em curso no Congresso Nacional que, direta ou indiretamente, afetam o funcionamento do setor de saúde no Brasil, alguns deles já aprovados e em vigor, fincando diretrizes favoráveis.
A Lei n. 13.989, de 15 de abril de 2020, estabelece a utilização da telemedicina durante a pandemia do COVID-19, cuja permissão alcança o uso da tecnologia para realização de atendimento médico sem necessidade de proximidade física com o paciente. O texto original previa a regulamentação da telemedicina pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), após o período de crise causado pelo COVID-19, porém houve veto neste ponto sob o fundamento de que as atividades médicas por vias remotas devem ser reguladas por lei após o fim da pandemia. Diante do rumo que a sociedade está tomando, inevitável que este tema volte à pauta, inclusive, e sobretudo, pós COVID-19. É preciso evoluir, de forma segura e eficiente, proporcionando bem-estar a todos.
O PL 2324/2020, que trata do uso compulsório de leitos privados, que já conta com aprovação no Senado Federal em 26 de maio, até o momento aguardando votação na Câmara dos Deputados, prevê condições à requisição administrativa de leitos hospitalares privados de UTI, para fins de internação de pacientes com COVID-19, entre as quais, as seguintes: i) os serviços hospitalares poderão ser submetidos ao uso compulsório pelo poder público desde que estejam com taxa de ocupação inferior a 85%; ii) prévia negociação entre os gestores do SUS e as instituições privadas para contratação emergencial dos leitos disponíveis, mediante chamamento público que contenha quantidade e prazo de utilização dos leitos, além de valores de referência, cotados no mercado; iii) regulação dos leitos a cargo da Comissão Intergestora Bipartite (CIB); e, iv) justa indenização pelo uso compulsório dos leitos privados ociosos terá como referência ato do Ministério da Saúde ou será definida pelo colegiado da CIB, com base nos valores de referência do mercado.
No âmbito fiscal, o Governo Federal editou a Resolução CAMEX nº 17/2020, promovendo a redução temporária da alíquota do imposto de importação para álcool etílico, desinfetantes, vestuários, acessórios de proteção e outros, com a redução a zero das alíquotas do Imposto de Importação para produtos médico-hospitalares.
Os Decretos ns. 10.285 e 10.302/2020, tratam da desoneração temporária do IPI para produtos essenciais no combate à COVID-19, com redução a zero das alíquotas do imposto para álcool etílico, desinfetantes, gel antisséptico, vestuário e acessórios de proteção, aparelhos de eletrodiagnóstico, aparelhos de oxigenoterapia e outros, além da redução a zero das alíquotas do referido imposto incidentes sobre: (i) artigos de laboratório ou de farmácia; (ii) luvas, mitenes e semelhantes, exceto para cirurgia; e (iii) termômetros clínicos.
Não obstante este tímido avanço, é indispensável pensar em uma rede de proteção regulatória e fiscal própria ao setor de saúde sob pena de colapso geral do sistema.
Não é crível, nem muito menos adequado, pensar a saúde como uma fórmula genérica e sob dosagem uniforme aplicada a todos os segmentos de atividades econômicas.
Recentemente na MP 936/20, por meio de projeto de conversão em lei, discutiu-se na Câmara dos Deputados, por apoio das lideranças, a prorrogação da desoneração da folha pela contribuição previdenciária sobre receita bruta (CPRB), ao invés da incidência sobre a folha de salários, a diversas atividades econômicas, sem que o setor de saúde tenha sido contemplado, muito embora ainda se aguarde a sanção, ou veto, do Presidente da República.
A postergação de recolhimento de tributos federais deve alcançar, inclusive, aqueles sujeitos à retenção na fonte, e não somente do INSS Patronal e do PIS/COFINS por um par de meses, bem como a prorrogação do cumprimento de todas as obrigações acessórias relativas a tributos federais, e não somente da DCTF e da EFD-Contribuições, até final do ano. Adoção do regime de caixa para fins de recolhimento do PIS/COFINS. Abatimento integral de prejuízos fiscais e redução a zero de PIS/COFINS sobre produtos médico-hospitalares.
Do atual cenário, pouco se enxerga medidas legais com viés fomentador, cujos aspectos regulatórios e fiscais estejam relacionados à cadeia produtiva e de serviços do setor de saúde. As medidas tributárias de alívio, muitas vezes de suspiro, tais como diferimentos ou prorrogações de tributos (não se trata de dispensa do pagamento), ou até mesmo monetárias (de linha de crédito), são as mesmas direcionadas a outros setores, desconsiderando que a saúde, para além de direito fundamental, está sendo extremamente castigada pelo COVID-19 e, somente por meio dela, como ator principal deste enredo, poderemos superar os impactos mais letais desta pandemia.