Em tempo de pandemia, de escolas fechadas e de ensino remoto, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) criou o podcast para que conteúdos didáticos sobre a história e cultura afro-brasileira continuem disponíveis para alunos do ensino infantil e do ensino fundamental (3 a 8 anos), professores e até familiares.
O material é gratuito, está disponível para todo o país e também pode ser veiculado livremente por emissoras de rádio, sejam públicas, comerciais ou comunitárias. Está disponível no YouTube, no Spotify e no próprio site da agência da ONU.
Até o final deste ano, 50 episódios contarão histórias, tocarão músicas e farão muitas brincadeiras para que crianças conheçam e possam expandir seus repertórios incluindo conhecimento sobre a cultura afro-brasileira e a cultura africana.
Os conteúdos dos podcasts estão previstos nas Diretrizes Nacionais da Educação Infantil e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil. Todo material “oportuniza o contato com outras narrativas não euro-centradas”, defende a educadora Mafuane Oliveira, uma das cinco roteiristas responsáveis pelo programa a respeito da cultura afro-brasileira.
Educação contra o racismo
Como explica Mafuane, o programa leva as crianças a aprenderem ludicamente a história e a cultura do Brasil no momento que iniciam a formação escolar e têm as primeiras vivências sociais fora dos grupos primários de referência, como a família. Nessa fase, “as crianças são como esponjas”, observam desigualdade racial no seu contexto e percebem a associação de papéis sociais e fenótipos.
Para a oficial de educação do Unicef, Julia Ribeiro, a educação pode contribuir para diminuir o racismo e fortalecer identidades. A audição de histórias sobre a cultura afro-brasileira “é uma oportunidade para as crianças negras se sentirem representadas e também para as crianças não negras verem seus colegas ocupando esse espaço.”
Julia assinala a importância do rádio no Brasil como meio de comunicação mais acessível à população e de fácil disseminação de conteúdos educativos. “O rádio é efetivamente o meio que vai chegar a todos, inclusive às crianças que estão mais distantes.”
Ela assinala que os programas são um recurso que poderá ser usado “por longo tempo”, por professores durante e depois da pandemia, mas também poderá ser apropriado pelas famílias. “O que a gente quer é que as crianças tenham acesso a um material de qualidade, que contribua para aprendizagem mais criativa.”
Além dos episódios sobre a cultura afro-brasileira, o Unicef produziu 96 programas voltados à alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental e deverá finalizar ainda este ano 48 episódios sobre a cultura amazônica e os saberes da região, com histórias de indígenas, ribeirinhas e quilombolas.
Professora Ligia Fonseca Ferreira publicou três livros sobre Luiz Gama
Da Agência Brasil
Nascido em Salvador em 1830, filho de uma africana livre e de um português, Luiz Gama foi vendido ainda criança pelo pai, como pagamento de uma dívida de jogo, e enviado a São Paulo como escravo. Foi alfabetizado apenas aos 17 anos, um ano antes de conseguir judicialmente a própria liberdade.
Por ser negro, foi impedido de frequentar o curso da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, a mais antiga instituição do gênero no país. Determinado, o baiano passou a estudar direito de forma autodidata e atuou na prática como advogado, libertando mais de 500 negros da escravidão. Em 2015, 133 anos após a sua morte, foi reconhecido pela OAB como advogado e, em 2018, foi declarado por lei como patrono da abolição da escravidão no Brasil, além de ter o nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria.
O abolicionista, que também foi jornalista e poeta, é tema do estudo de Ligia Fonseca Ferreira, professora da Unifesp que pesquisa a vida e obra de Luiz Gama há cerca de 20 anos e publicou três livros sobre ele. O último, Lições de Resistência: Artigos de Luiz Gama na Imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, foi lançado neste ano.
Em entrevista exclusiva à TV Brasil, a pesquisadora fala sobre o papel importante de Luiz Gama no movimento abolicionista, de sua atuação relevante na imprensa e também no campo literário.
Leia a entrevista a seguir:
TV Brasil – Neste livro, que traz 61 artigos de Luiz Gama, 42 deles inéditos, quais são as lições de resistência que o leitor vai encontrar? Ligia Fonseca Ferreira – Essas lições de resistência são, em primeiro lugar, a defesa dos escravizados, a defesa dos direitos humanos, sobretudo o direito dos escravos que já existiam, já estavam inclusive assegurados pelas nossas leis, mas que muitas vezes não eram respeitados. Ele conseguiu desenterrar leis que ficaram como letra morta, como a lei de 7 de novembro de 1831, que deveria garantir que os africanos que desembarcassem no Brasil a partir daquela data deveriam ser considerados livres e que os traficantes de escravos deveriam sofrer penalidades. Então de 1831 até 1888, quando houve a abolição, são 57 anos. Mas o Luiz Gama vai fazer com que essas leis possam ser aplicadas antes da abolição. Ele diz que a função dos juízes é de estudar e aplicar as leis e ele vai bater insistentemente nessa tecla, e é a partir disso portanto que ele alcança, como declara numa carta, a liberdade de cerca de 500 escravos.
TV Brasil – Mesmo sem formação acadêmica, Luiz Gama demonstrava muito conhecimento jurídico e advogava de graça para libertar os escravizados? Ligia Fonseca Ferreira – Ele traz à tona essa condição muito singular de ser um homem de uma imensa cultura jurídica e de aplicá-la em benefício dos escravizados. Ele tinha uma autorização especial para advogar em primeira instância e fazia anúncios a serviço das causas da liberdade, tudo sem retribuição alguma. Ele abraça a causa abolicionista e também foi um dos primeiros brasileiros a abraçar a causa republicana. Para Luiz Gama, a luta abolicionista também se desdobrava na luta pelos ideais republicanos, no combate à monarquia, então a gente não pode se esquecer desse papel muito importante que ele vai ter nesse momento.
TV Brasil – Luiz Gama advogava de graça e tinha como ganha-pão o trabalho de jornalista. Inclusive fundou o primeiro jornal ilustrado de São Paulo, chamado Diabo Coxo. De que forma as facetas de abolicionista e jornalista se uniam? Ligia Fonseca Ferreira – O Luiz Gama é esse trabalhador incansável do jornalismo que nós também precisamos conhecer. Além do abolicionista, que se funde com esse homem que está olhando para o Brasil e mostrando um retrato a partir de uma perspectiva diferente, que a sua condição de homem negro lhe dava. No ano de 1871, quando Luiz Gama é acusado de promover insurreições escravas, ele vem a público através da imprensa, que era uma arma importante para ele, dizer que não estava promovendo insurreições, mas que, quando a justiça falhasse em garantir o direito dos escravos, ele fala que promoveria a resistência como virtude cívica.
TV Brasil – E além de atuar como abolicionista e jornalista, Luiz Gama também foi poeta e lançou o primeiro livro apenas 12 anos depois de ser alfabetizado? Ligia Fonseca Ferreira – Estamos falando aqui do Século 19, em que pouquíssimos negros estiveram ligados ao mundo das letras, à produção literária, que é outro aspecto no qual ele se destaca. Ele lança as Primeiras Trovas Burlescas em 1859. É um conjunto de sátiras políticas, sociais e raciais, nas quais o Luiz Gama faz uma grande descrição do funcionamento da sociedade imperial da época. Se a gente ler a maneira como ele aponta o funcionamento da sociedade em vários níveis, a gente tem a impressão de que o Luiz Gama está fazendo um retrato da nossa sociedade de hoje. É isso que garante a sua extrema atualidade. E ele também escreve poemas líricos. É o primeiro poeta afro-brasileiro, porque ele era filho de uma africana, a ter louvado a mulher negra, então ele já tem um papel bastante interessante dentro de uma produção que mais tarde a gente vai poder chamar de literatura negra, trazendo essa temática.
TV Brasil – Nesses 190 anos do nascimento de Luiz Gama, ainda falta reconhecimento para a obra dele? Ligia Fonseca Ferreira – Ele deveria estar presente na história da literatura, do período romântico; na história do Brasil, especialmente das lutas abolicionistas e da campanha republicana; ele deveria estar na história das ideias jurídicas, e ele deveria estar na história da imprensa, pelo papel que desempenhou e que agora uma parte está reunida no livro Lições de Resistência, em artigos que tratam sobre escravidão, liberdade, república e direitos humano
Quem deseja ser jornalista não pode perder a live que acontece na próxima segunda-feira (23). A editora do blog do Ancelmo Gois e colunista do jornal O Globo, Ana Claudia Guimarães, promove uma bate-papo com o multifacetado Pedro Bial. Jornalista, que cobriu grandes momentos da história como a queda do Muro de Berlim, Bial também é apresentador, escritor, cineasta e poeta. A live terá transmissão pelo Instagram (@_anaclaudiaguimaraes), a partir das 20h.
O Subcomitê de Raça do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) promoverá, nesta quinta-feira (19), às 17h, o debate: “Você aguenta ver uma preta feliz? Perspectivas negras sobre resistência”.
O evento será transmitido ao vivo pelo canal do MPT-RJ no Youtube e contará com a participação de Roberta Eugênio, advogada, assessora juridica e pesquisadora do Instituto Alziras; e de Thayná Yaredy, advogada e assessora do projeto Conectas.