Mais uma conta que a população pagará
Adelvânio Francisco Morato*

 

Adelvânio Francisco Morato é presidente da Federação Brasileira de Hospitais

O país começa a viver um sentimento de otimismo, com a perspectiva cada vez maior de que, enfim, chegue o fim dessa pandemia. Sem dúvida nenhuma, isso é resultado do avanço da campanha de vacinação. Se, atualmente, a imprensa noticia diariamente a queda do número de internações, bem como a do número de mortes provocadas pela Covid, isso é resultado direto do fato de o Brasil registrar mais de 106 milhões de pessoas totalmente imunizadas e mais de 152 milhões com pelo menos a primeira dose.

Entretanto, o país ainda vai precisar lidar com as consequências provocadas pela pandemia. A rede hospitalar privada, por exemplo, viu, nesses últimos dois anos, uma crise que já atingia o setor tomar proporções ainda maiores. Hoje, o setor hospitalar privado é quem está na UTI.

A maior parte dos hospitais privados registrou uma enorme queda na receita em boa parte da pandemia.  Há unidades que tiveram uma perda de 60%, com o impedimento da realização de cirurgias eletivas e outros atendimentos. Todavia, os custos dispararam. Mesmo materiais hospitalares mais simples, porém imprescindíveis e de grande uso, como máscaras e luvas, chegaram a ter aumento de mais de 200%. A situação financeira dos hospitais, sobretudo os de pequeno e médio porte, que respondem por 70% de toda a rede, se tornou crítica.

Para piorar, o IGP-M, principal indicador de referência para reajuste dos contratos de aluguéis, disparou nos últimos meses. Levantamentos indicam que, em 12 meses, até setembro deste ano, o índice registrou alta de 24,86%. Em setembro do ano passado, o acumulado era de 17,94%. Essa escalada no valor dos aluguéis pressiona ainda mais os hospitais que não têm imóvel próprio, pois não há como simplesmente cancelar o contrato e se mudar para um novo prédio. É inviável um hospital mudar de local, do mesmo jeito que uma pessoa troca de residência, pois não é qualquer imóvel que tem toda a estrutura necessária. Na verdade, na maioria das vezes, quando uma empresa de saúde aluga um prédio, é feito um custoso investimento para adequar o local às necessidades dos serviços que serão prestados.

Uma solução possível, e que tem sido defendida, é a substituição do IGP-M por outro indicador de correção de aluguéis, como o IPCA. Infelizmente, há proprietários que são intransigentes, o que tem provocado questionamentos na Justiça. Eles percebem que o hospital é o elo fraco nessa negociação, que não vai querer abandonar todo o investimento já feito no imóvel. Essa é uma questão que vai muito além de uma mera discussão entre locador e locatário, pois o fechamento de um hospital provoca amplos e graves prejuízos econômicos e sociais ao país. Significa empregos perdidos e regiões que deixam de ser assistidas.

Porém, se o presente não é animador, o futuro é ainda mais preocupante. Além de lidar com os problemas financeiros atuais, o setor ainda teme a reforma tributária por vir. O país precisa rever o peso dos impostos em setores da economia. Isso é algo fundamental para garantir a competitividade global e o desenvolvimento sustentável. Atualmente a proposta da reforma está parada no Senado, sem previsão de votação, porém, se não houver mudança no texto aprovado pela Câmara, a saúde vai pagar duramente o preço para que outros segmentos, que nem de longe têm a importância social e econômica da área da saúde, possam ser beneficiados. A unificação presente no texto dos impostos federais PIS e Cofins vai elevar o tributo dos hospitais privados dos atuais 3,65% para 12% e estrangular ainda mais um setor em que cerca de 40% da receita são destinados a pagar impostos.

Os efeitos dessa reforma serão cruéis e é a população que pagará a conta. Aumento de 22% nos preços dos planos de saúde; redução de R$ 11 bilhões na demanda privada, o que equivale à perda de 1.150 mil beneficiários de planos de saúde; fechamento de unidades e maior concentração do setor; redução dos postos de trabalho e sobrecarga do SUS. Esses são alguns dos efeitos nefastos que a unificação dos impostos vai provocar. É preciso que os hospitais saiam da UTI, para haver investimento em tecnologia, pesquisas e serviços de qualidade. Sem isso, o país vai enfrentar uma nova crise, a da queda na qualidade dos serviços de saúde.

 

Reforma tributária acaba com incentivos do programa de alimentação do trabalhador
Trecho foi incluído em texto do relator Celso Sabino (PSDB-PA)

 

Por Manoel Ventura, de O Globo

O relatório da proposta de reforma do Imposto de Renda (IR) prevê o fim dos incentivos fiscais do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

A mudança faz parte das medidas que o relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), colocou para amenizar os custos da reforma com a redução do IR da Pessoa Jurídica de todas as empresas.

Atualmente, as empresas podem deduzir do Imposto de Renda renda o dobro das despesas comprovadamente realizadas em programas de alimentação do trabalhador, previamente aprovados pelo governo.

Esse benefício deixará de existir em 31 de dezembro de 2021, caso a proposta seja aprovada pelo Congresso.

O programa foi instituído por uma lei de 1976 e, segundo o texto, prioriza o atendimento aos trabalhadores de baixa renda. O benefício é concedido a empresas que concedem aos seus empregados refeições prontas, cesta de alimentos ou tíquetes e vales para compra de alimentos em restaurantes.

O texto também passa a cobrar Imposto de Renda sobre auxílio moradia e auxílio transporte dos empregados públicos.

O objetivo dos cortes é reduzir o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) de 25% para 12,5%. Por isso, integrantes da equipe econômica afirmam que o corte linear da alíquota é mais benéfico do que subsídios específicos.

A proposta do relator, negociada com o governo, é cortar subsídios para setores químico, farmacêutico, perfumaria, higiene, indústria de embarcações e aeronaves.

Reforma tributará renda e patrimônio
Relator promete incorporar propostas da oposição para tentar votar PEC 45 até o fim do ano

Do Valor Econômico

O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), prometeu aos partidos de oposição que apresentará na próxima semana seu parecer e incluirá a tributação de lucros e dividendos, a proibição de dedução de juros sobre o capital próprio e que a tributação de herança e patrimônio será “progressiva” (nos moldes do Imposto de Renda Pessoa Física), segundo três fontes ouvidas pelo Valor.

A incorporação faz parte de uma estratégia traçada junto com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o líder do MDB, Baleia Rossi (autor da PEC 45), para atrair os votos dos 130 deputados de oposição. Maia e um grupo de partidos estão em intensas reuniões para tentar votar a reforma até o fim do ano, ainda sob sua gestão, mesmo o calendário jogando contra. Faltam três semanas e meia para o recesso parlamentar.

Segundo líderes partidários envolvidos nas negociações, a intenção é votar a proposta de emenda constitucional (PEC) 45 para dar sinalização forte aos investidores para a retomada da economia. O acordo político envolveria apoiar o texto principal – o que ainda dependeria de qual o parecer divulgado – e decidir os pontos de divergência na votação de emendas no plenário.

A estratégia é unir o grupo de Maia à oposição para pressionar a base do governo. Essa construção, dizem, garantiria 330 votos “de partida” para votar a PEC – que exige 308 votos. Siglas como PP, PSD e PL têm defendido esperar a proposta do Ministério da Economia e que a pressa seria para Maia entregar a reforma como uma marca pessoal, mas que não haveria como construir um acordo em torno de um tema tão complexo em poucos dias.

Esse grupo também decidiu, segundo três líderes ouvidos pelo Valor, que haverá um tratamento diferenciado para saúde, educação e transportes. A unificação de ISS, ICMS, IPI, Pis e Cofins da PEC 45 original estabelece uma alíquota única para todos os bens e serviços, mas esses três hoje tem tributação favorecida e devem manter a carga tributária menor para evitar aumento nos preços para a população.

Ribeiro e Baleia se reuniram com o ministro Paulo Guedes anteontem, que pediu para que esperem o fim do segundo turno das eleições, no domingo. Há um acordo entre os aliados de Maia para que a desoneração da folha de salários e mudanças no imposto de renda defendidas pelo governo fiquem para uma segunda etapa, por lei. A criação de uma CPMF para substituir os encargos sobre a folha está liberada, disse um líder, desde que algum partido “tenha coragem” de propor isso no plenário. Caberia ao governo convencer sua base a propor essa emenda e que 308 deputados votem a favor.
A efetiva aplicação da tributação progressiva sobre a renda e patrimônio também ficaria para essa segunda etapa. O parecer não terá as regras de como isso será, mas conterá os comandos constitucionais, segundo três fontes ouvidas pelo Valor. A regulamentação (e efetiva implantação) dependerá de leis ordinárias ou complementares.

O combinado é que a Constituição passe a prever explicitamente a tributação dos lucros e dividendos de empresas, hoje proibida por uma lei. Terá que ser aprovada nova lei para determinar alíquotas e as regras. Mas isso dará espaço para questionamentos no Judiciário sobre a isenção.

Já a tributação progressiva sobre herança constaria como dispositivo transitório. O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é de competência dos Estados, que teriam que reformá-lo para se adequar à nova previsão. Segundo dois parlamentares, seria aumentada a alíquota máxima, hoje de 8%, o que pode ocorrer por resolução da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

Na questão do patrimônio, a Constituição dirá que os tributos devem cobrar mais dos que ganham mais. Novamente, essas regras estão em leis e dependerão de reformas infraconstitucionais posteriores. Uma das sinalizações do relator é de que será incluída cobrança de Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA) de aeronaves e barcos a motor.

Para o deputado Afonso Florence (PT-BA), que negocia pela oposição, o princípio da capacidade contributiva não foi suficiente para garantir que os mais ricos paguem proporcionalmente mais que os mais pobres e deve ser substituído pela expressão “progressivos”. “Na medida em que o relator incorpore a constitucionalização da tributação progressiva de renda e patrimônio, devemos encaminhar juntos. Não somos contra a simplificação, somos contra a simplificação de forma isolada”, disse.

A proposta da oposição também é de constitucionalizar uma política de valorização do salário mínimo, cobrar mais de agrotóxicos, bebidas alcóolicas, açucaradas e ultraprocessadas, mas o ponto central é a questão do patrimônio e renda. Apesar das tratativas, os partidos esperam o parecer para decidirem se apoiam.

Futuro da saúde e educação preocupa
Durante webinar, gestores avaliaram o peso da reforma tributária sobre os dois setores

 

 

Da Redação

Um cenário nada otimista para a Saúde e Educação. É essa a avaliação entre os participantes do webinar “A Saúde e Educação abatidas pela reforma tributária” realizado nesta quarta-feira. Promovido pela EuroCom, o evento teve a participação da presidente da Associação Nacional de Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes; do presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil), Paulo Sardinha; do diretor médico da MedRio Check-up, Gilberto Ururahy e do presidente da Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Aldevânio Francisco Morato.

Um consenso entre os quatro gestores é de que o projeto de Reforma Tributária defendido pelo Governo vai provocar um retrocesso no país e prejudicar a Saúde e Educação, justamente dois setores com importantes papéis sociais e econômicos. O ponto mais polêmico é a unificação do PIS/PASEP e o Cofins sob alíquota única de 12%. Esse novo modelo prevê que as empresas abatam o imposto, gerando crédito na compra de insumos. Mas isso beneficia a Indústria, mas não a Educação e a Saúde, setores em que a mão de obra, que não será dedutível, responde pela maior parte dos custos.

Ainda mais grave, destaca a presidente da Anup, é que a proposta prevê o fim da isenção das bolsas de estudos do Prouni. Caso isso se concretize, pode provocar o fim imediato de 150 mil bolsas concedidas pelo programa. O fim da isenção do PIS e Cofins representará um aumento de 44% nos custos desse estudante para as instituições, sem uma medida de compensação. Somente neste ano, 780 mil pessoas que se candidataram a uma das 252 mil bolsas em faculdades particulares. “Isso decretará o fim do único projeto de inclusão no ensino superior que atende a camada mais necessitada da população”, alertou Elizabeth.

Morato ressaltou que a pandemia provocou um estrangulamento do setor hospitalar privado. Orientações do Ministério da Saúde para adiar cirurgias e o medo da contaminação resultaram em perda 30% a 40% dos hospitais. Ele relatou que a elevação da carga tributária vai pressionar ainda mais os pequenos e médios estabelecimentos que já enfrentam dificuldades de se manterem abertos. “O interior do país é que vai mais sentir o peso dessa crise, pois em muitos municípios os hospitais privados atendem pacientes do SUS e são a única unidade hospitalar da região”, observou Aldevânio.

O diretor médico da MedRio corroborou as preocupações destacadas pela presidente da Anup e pelo presidente da FBH. Ele observou que o país coloca sempre a educação e a saúde de lado e que, no final, vai ser o Governo que terá que pagar a conta da elevação de custos que a reforma tributária vai provocar. “Serão os Sistemas Públicos de Saúde e Educação que vão ter que atender a demanda formada pelas pessoas que não terão mais condições de pagar um plano de saúde ou uma faculdade particular”, ponderou Gilberto, que ainda questionou a razão do Governo propor uma reforma que vai na contramão do que é feito na maior parte do mundo. “Vários países isentam a educação e saúde de tributos. Ao invés de pensar em aumentar, o Governo deveria reduzir. Se continuar assim, vai quebrar ambos os setores”, afirmou.

Para o presidente da ABRH Brasil, o foco da reforma deveria ser desonerar a folha de pagamento, que permanece com elevados custos. Isso permitiria melhorar as remunerações. “Uma pessoa com um bom salário vai o circular mais dinheiro e aumenta a arrecadação do país. Essa deveria ser a lógica do sistema”, defendeu Paulo. Segundo ele, é difícil imaginar uma reforma que não vá deixar alguém insatisfeito, pois todos os setores vão defender seus interesses. Entretanto, ele afirmou que é fundamental pensar a reforma tendo como ponto de partida a educação saúde e o trabalho. “Não há como pensar em um país competitivo e desenvolvido se não valorizarmos essas três esferas. Vamos pagar por muitos anos o descaso com investimentos em educação e saúde”, criticou o presidente da ABRH Brasil.